Na COP 28 chovem milhares de milhões. Mas são precisos biliões
A cimeira do clima tem sido rica em anúncios de financiamento. Apesar de bem-vindos, ainda estão muito aquém das necessidades.
O financiamento climático é um dos grandes “palavrões” em destaque na 28.ª cimeira mundial do clima, a COP2 8. A transição para um mundo sem emissões poluentes, e as consequências que as alterações climáticas já se fazem sentir, exigem, além de vontade e compromissos, muito dinheiro para os concretizar. Vão chovendo dólares na cimeira, mas, tal como acontece num planeta cada vez mais quente, esta chuva (de dinheiro) é escassa. Conheça os números em cima da mesa.
O balanço, dado pelo próprio presidente da COP 28, aponta para 57 mil milhões de dólares como o total do financiamento angariado para todo um conjunto de fins desde a área da mitigação, adaptação e perdas de danos nos quatro primeiros dias da conferência. “Parece um número elevado mas fica muito aquém do necessário“, relativiza a organização não-governamental Zero, que participa nesta COP.
A maior fatia diz respeito a um novo fundo climático, o Alterra, para o qual os Emirados Árabes Unidos (EAU) reservam 30 mil milhões de dólares. Este fundo destina-se a financiar projetos que reduzam emissões poluentes, especialmente em países do hemisfério sul. Até ao fim da década, o fundo deverá angariar 250 mil milhões, esperam os EAU.
Mas primeira conquista neste âmbito foi apresentada logo no primeiro dia: angariaram-se cerca de 300 milhões de dólares destinados ao fundo de Perdas e Danos, que foi criado na última COP28 com o objetivo de ajudar os países mais vulneráveis a enfrentarem os efeitos, já bem palpáveis, das alterações climáticas. Mas, na COP27, ficou-se mesmo só pelo compromisso de levar isto avante, sem qualquer resposta ao “como?”. Na COP28 deram-se, por isso, passos importantes, o de juntar fundos e o de definir a entidade responsável pela gestão do fundo, o Banco Mundial. No conjunto dos primeiros quatro dias, já estão prometidos 800 milhões neste âmbito.
Esforço financeiro ainda muito aquém
Apesar das verbas comprometidas, nem tudo são boas notícias. Para começar, o valor reservado para as Perdas e Danos é manifestamente baixo em comparação com as necessidades identificadas — hoje em dia, os desastres climáticos já custam 400 mil milhões por ano, um número com tendência a agravar-se. E, entre os contribuintes para este fundo, assinala-se uma discrepância notória: os Estados Unidos, o país com maior responsabilidade na crise climática, vão ceder apenas 17,5 milhões para este fundo, que contrasta negativamente com os 100 milhões avançados tanto pelos Emirados Árabes Unidos como pela Alemanha. Só Portugal, abriu mão de cinco milhões.
Isto, olhando apenas à primeira conquista da COP. Mas, havendo um afastamento para ver o cenário completo, a discrepância dos números com a realidade é mais gritante. Para fazer investimentos a favor da transição para a neutralidade carbónica, e que incidam em ativos de energia e no uso dos solos, serão necessários 275 biliões de dólares entre 2021 e 2050, ou seja, 9,2 biliões de dólares por ano, estima a Mckinsey no relatório “A transição para o net-zero: quanto custará e o que trará”. Isto significa mais 3,5 biliões anuais do que aquilo que está a ser despendido atualmente. 3,5 biliões é um número alto, o equivalente, em 2020, a metade dos lucros das empresas a nível mundial, ou a um quarto das receitas obtidas com impostos.
Muitos investimentos têm perfis de retorno positivos e não deviam ser vistos como meros custos.
E, no entanto, a realidade parece desenrolar-se no sentido contrário. A Global Sustainable Investment Alliance regista uma quebra no mercado global para investimentos sustentáveis (ESG). Em 2022, 30,3 biliões de dólares foram alocados em ativos ESG, menos que os 35,3 biliões registados em 2020. Nos Estados Unidos a descida é ainda mais expressiva: os 17 biliões investidos em sustentabilidade em 2020 reduziram-se a 8,4 biliões no ano passado. Por um lado, a queda está relacionada com o uso de uma diferente metodologia para fazer estas estimativas. Mas o lóbi da indústria fóssil e as opiniões negativas quanto à sustentabilidade do lado do partido Republicano estarão a contribuir para o descrédito destes investimentos.
“Muitos investimentos têm perfis de retorno positivos e não deviam ser vistos como meros custos“, lê-se no relatório da Mckinsey. E há um bónus. “A inovação tecnológica pode reduzir os custos de capital para as tecnologias mais rápido que o esperado”, acrescentam.
Da blended finance à resiliência
Há “todo um novo mundo de finanças da transição a ser criado à medida que nós falamos”, garantiu Mark Carney, enviado especial das Nações Unidas para a Ação Climática e Finanças, conhecido também como antigo governador do Banco de Inglaterra. Carney falava num dos fóruns da cimeira.
Na mesma sede, falou esta segunda-feira a co-responsável por Investimento Sustentável e ESG na gestora de ativos Lazard Asset Management. Para Nikita Singhal, a crise climática é vista, demasiadas vezes, como um risco para os portefólios, enquanto as oportunidades de lucrar não têm tanta atenção.
Mas há algumas ideias em cima da mesa para escalar o investimento no clima. De acordo com a Bloomberg, um dos termos que tem sido mais discutido é “blended finance”, que se refere a estruturas que juntam fundos públicos e privados. As instituições públicas podem diminuir o perfil de risco de determinados projetos avançando com algumas garantias ou seguros que deem mais confiança ao capital privado, defendem personalidades como Larry Fink, gestor do Blackrock, ou Noel Quinn, que está à frente do banco HSBC. “Uma proposta que tem marinado na última década, mas que está a ganhar tração”, escreve a Bloomberg. “Governos e empresas terão de agir em conjunto e com uma união singular”, reforça a Mckinsey, no já citado relatório.
Para a consultora, as instituições financeiras em particular têm “um papel central no suporte à realocação de capital em larga escala, ao mesmo tempo que gerem os próprios riscos e oportunidades”. Já “os governos e as instituições multilateriais poderiam usar ferramentas regulatórias, de políticas públicas e fiscais, existentes e novas, para estabelecer incentivos, apoiar os agentes mais vulneráveis e procurar uma ação coletiva”.
Em paralelo, a Blackrock lançou, já este mês, o relatório “Resiliência climática: um tema de investimento emergente”, defendendo que investimentos em, por exemplo, infraestrutura mais resiliente face às alterações climáticas são complementares ao investimento na descarbonização, e que estarão a ser “subvalorizados” pelos mercados financeiros.
Meta coletiva a fervilhar
Apesar da oportunidade e necessidade que são identificadas, ainda não é nesta COP que as partes avançam com um “Novo Objetivo Coletivo Quantificado de Finanças Climáticas” (NCQG, na sigla em inglês). Em 2016, as várias nações concordaram que, até 2025, deveria ser definido este objetivo, que começaria com um mínimo de 100 mil milhões de dólares por ano.
Em 2022, marcou-se 2024 como o ano das grandes decisões sobre este tema. Assim, na COP deste ano, algumas partes defendem que se adiante parte dos trabalhos, por exemplo, a criação de uma linha cronológica para a aplicação do objetivo e os princípios gerais.
Mas não parecem sobrar muitas opções senão investir na transição. De acordo com os cálculos da Blackrock, os danos económicos relacionados com o clima podem levar o Produto Interno Bruto (PIB) mundial a retrair-se, em média, 5% variando muito consoante a região.
Na visão da Mckinsey, partilhada no já citado relatório, “mudanças económicas podem ser substancialmente mais acentuadas no caso de uma transição desordeira. (…) Os custos económicos e sociais de uma transição adiada e abrupta aumentariam o risco de ativos parados, disrupções com os trabalhadores e uma revolta que adiaria mais a transição”. Aliás, os riscos existem mesmo no caso de uma transição gradual. Caso o decréscimo de tecnologias altas em emissões não seja adequadamente compensado por tecnologias de baixas emissões, podem verifica-se “escassez, aumentos de preços e volatilidade”.
Neste sentido, conclui a consultora, “muito depende de como a transição é gerida“.
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