Novo líder do PS quer Estado social forte e reforço do papel das empresas públicas
Pedro Nuno Santos admite reeditar a geringonça, vai prosseguir a política de valorização salarial sem se comprometer com metas e quer sistemas complementares de pensões de acesso alargado.
Pedro Nuno Santos, eleito secretário-geral do PS este sábado à noite, rejeita ser chamado de “esquerdista”, preferindo antes o cognome de “social-democrata”, mas admite reeditar a geringonça com PCP e BE e que o próprio ajudou a formar enquanto secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares do primeiro Governo de António Costa, entre 2015 e 2019. “Seria um absurdo estar a negar” uma nova geringonça, afirmou o socialista em entrevista ao ECO esta quinta-feira, em vésperas das eleições internas.
No plano económico, o foco do eventual futuro primeiro-ministro centra-se num Estado social forte, capaz de reforçar a Segurança Social e o sistema de pensões, de valorizar a Administração Pública, de aumentar o parque público de habitação e de combater a precariedade laboral, e numa nova estratégia para as empresas públicas, como a Caixa Geral de Depósitos, a CP – Comboios de Portugal, a Infraestruturas de Portugal ou as administrações dos portos, que deverão funcionar como âncoras da economia nacional. A este respeito, aliás, Pedro Nuno Santos é contra a reprivatização integral da TAP, hoje totalmente pública, defendendo que a maioria do capital deve continuar na esfera do Estado.
Sistemas complementares de pensões
Pedro Nuno Santos garante que irá “reafirmar o sistema público de Segurança Social, assente em contribuições e no regime de repartição, assegurando assim a sua solidez e estabilidade financeira, o melhor antídoto para evitar as derivas de privatização ou plafonamento”, de acordo com a moção estratégica com que se apresentou na corrida à liderança do partido. E, neste plano, o líder do PS defende “a criação de sistemas complementares de acesso alargado, a definir no âmbito da contratação coletiva, acompanhando a generalidade dos países, que dispõem já destes sistemas”.
Estes regimes complementares poderiam ajudar a resolver o problema das baixas reformas para trabalhadores com carreiras contributivas mais curtas. “É essencial melhorar os benefícios e aprofundar a proteção dos trabalhadores precários, criando soluções que respondam a carreiras contributivas interrompidas ou desfavorecidas por contratos frágeis. Neste âmbito, é necessário avaliar a taxa de formação das pensões das pessoas que estiveram desempregadas ou que, em virtude da intermitência ou precariedade, veem a estimativa das suas pensões degradada“, defende no mesmo documento com que concorreu às diretas do PS.
Valorização da Administração Pública
Na senda do reforço do Estado social, Pedro Nuno Santos considera fundamental apostar na Administração Pública, dando continuidade à política de valorização dos funcionários públicos iniciada pelos governos de António Costa. O último fechou, em tempo recorde, mais de uma dezena de acordos com a Função Pública com um impacto orçamental superior a 1,3 mil milhões de euros.
Assim, “atrair e reter profissionais e dotar os serviços públicos de trabalhadores e dirigentes capacitados, qualificados e motivados, assegurando a sua valorização e estabilidade e garantindo perspetivas de futuro constitui, hoje, um dos maiores desafios do nosso Estado Social”, de acordo com a estratégia do novo líder socialista.
Para além disso, é necessário “combater a precariedade e reduzir o recurso à prestação de serviços”, assim como “reforçar os mecanismos de provisão pública direta”. “Nas áreas onde esta é ainda insuficiente, como sucede no caso da habitação e da ação social, importa prosseguir o aumento da oferta, expandindo a rede e a capacidade de resposta”, lê-se na moção, que foi coordenada pela ex-ministra da Presidência, Alexandra Leitão.
Contagem integral do tempo de serviço dos professores
O ex-ministro das Infraestruturas é apologista do descongelamento integral do tempo de serviço dos professores assim como de todas as carreiras da Administração Pública, ainda que de forma faseada.
“O Estado tem de perceber que tem de pagar para conseguir atrair e reter professores (…) o Governo deve procurar repor o que foi congelado em determinado momento (…) Defendo que se deve, de forma faseada, repor o tempo de serviço dos professores”, afirmou Pedro Nuno Santos em outubro.
Do mesmo modo, na moção da sua candidatura, lê-se: “Atrair para a Administração Pública pessoas qualificadas passa pela valorização das carreiras, das condições de trabalho e dos regimes funcionais e remuneratórios, incluindo a recuperação faseada do tempo de serviço congelado, mas também pela simplificação dos procedimentos de recrutamento, pela capacitação contínua e pelo desbloquear das pré-reformas voluntárias como forma de rejuvenescer os trabalhadores públicos”.
De salientar que Pedro Nuno Santos fez uma declaração de voto quando a bancada do PS chumbou a proposta do PSD que visava a reposição integral do tempo de serviços dos docentes em cinco anos. Nessa comunicação, o deputado demarcou-se da posição do grupo parlamentar, explicando que votou contra por existir disciplina de voto.
Concertação social e combate à precariedade
Pedro Nuno Santos, que se afirma herdeiro do “costismo”, vai prosseguir o reforço do diálogo, no âmbito da concertação social, cumprindo o acordo de valorização de rendimentos assinado com patrões e sindicados e que estabelece uma trajetória da retribuição mínima mensal garantida até aos 900 euros, em 2026, ano em que deveria terminal a atual legislatura, se não tivesse sido interrompida por uma crise política desencadeada pela demissão do primeiro-ministro. Mas, na moção, o novo líder do PS não detalha metas concretas quanto à progressão do ordenado mínimo, ao contrário do ex-rival, José Luís Carneiro, que tinha como objetivo chegar aos 1.100 euros em 2028.
Pedro Nuno Santos defende sobretudo a necessidade de “reforçar e aprofundar o diálogo e o modelo assente na concertação social, com o objetivo de tornar mais representativos os movimentos associativos patronais e sindicais”.
Neste quadro, uma das prioridades passa pelo combate à precariedade laboral, matéria que “merecerá um compromisso muito forte com a completa implementação da Agenda do Trabalho Digno”. Ainda assim, salienta que “é preciso evitar a tentação de fazer alterações à legislação”.
Mais do que mudanças constantes ao Código do Trabalho, que Pedro Nuno Santos considera nefastas, o que é preciso “é garantir que a lei é cumprida, prosseguir o reforço dos meios da inspeção do trabalho, tanto do ponto de vista dos meios humanos, como da modernização da atividade inspetiva”, defende.
Nova estratégia para as empresas públicas
Na frente empresarial, Pedro Nuno Santos defende a “transformação do perfil produtivo da economia nacional”, que vai permitir “pagar salários mais elevados e ter capacidade para oferecer oportunidades atrativas para os jovens qualificados”. E a sua alteração passa por “intensificar a sofisticação e complexidade dos bens e serviços produzidos”, ao mesmo tempo que definiu como prioridade na sua estratégia de políticas públicas o “investimento na ciência e investigação e na transferência desse conhecimento para as empresas”.
Nesta área, o Estado deve desempenhar um papel fundamental, sobretudo no investimento em infraestruturas. “O País carece de investimento em todos os modos de transporte: ferroviário, rodoviário, marítimo-portuário e aeroportuário”, lê-se na sua moção.
Pedro Nuno Santos defende mesmo uma “nova estratégia para as empresas públicas” como a Caixa Geral de Depósitos ou a CP – Comboios de Portugal, isto é, um reforço do seu papel na economia portuguesa.
“O regime jurídico do setor empresarial do Estado, criado em 2013 durante o programa da troika, introduziu um regime apertado de controlo financeiro sobre as empresas públicas. Embora muito importante, este controle deve ser complementado com uma estratégia em que as empresas públicas, dotadas de know-how e capacidade no investimento, possam assumir um trabalho de coordenação enquanto empresas-âncora, na dinâmica de modernização e sofisticação dos setores onde atuam”, lê-se no mesmo documento.
Contra a venda total da TAP
O recém-eleito secretário-geral do PS considera que a maioria do capital deve continuar na esfera pública: “Defendo a abertura do capital da TAP a um grupo de aviação, não a fundos ou instituições financeiras, mas que o Estado mantenha a maioria do capital”.
“É importante a TAP não ficar sozinha, e estar integrada num grupo de aviação, mas acho que a melhor forma de garantirmos uma TAP portuguesa, sediada em Portugal, a pagar impostos em Portugal, a cobrar às empresas portuguesas e a desenvolver o hub de Lisboa. A melhor forma de garantir isso, é ficar com essa maioria de capital”, afirmou em outubro, no seu espaço de comentário na SIC Notícias, ainda antes do primeiro-ministro se ter demitido e de o próprio ter anunciado a sua candidatura a líder do PS.
Novo aeroporto em Alcochete: “Mais vale feito do que perfeito”
Em relação ao novo aeroporto da região de Lisboa, e conhecidas já as recomendações da Comissão Técnica Independente (CTI) para a expansão da capacidade aeroportuária que elegem Alcochete como a melhor solução para a infraestrutura complementar à Portela, Pedro Nuno Santos não perdeu tempo a anunciar que então essa será a localização do futuro aeroporto se for primeiro-ministro de Portugal.
“Como diz o povo, mais vale feito do que perfeito”. É o slogan que Pedro Nuno Santos tem incessantemente repetido quando o tema lhe é colocado. “Já perdemos demasiado tempo com a localização do aeroporto. Não podemos paralisar, continuar a arrastar com os pés”, afirmou na quarta-feira passada.
“A CTI decidiu, não há dúvidas, nem se espera que Montijo volte à baila”, afirmaram ao ECO fontes próximas de Pedro Nuno Santos. “Aliás a solução Alcochete estava fechada com José Sócrates e só não avançou por causa da troika”, lembrou outra fonte consultada pelo ECO.
Impostos: prefere reduzir o IVA em vez do IRS e quer simplificar o IRC
Em matéria fiscal, Pedro Nuno Santos considera que o alívio da carga tributária não deve passar tanto pela redução dos impostos diretos, nomeadamente o IRS, mas mais pela diminuição dos impostos indiretos, nomeadamente o IVA.
“Sem diminuir a importância das várias reduções da tributação sobre os rendimentos do trabalho [IRS] que foram concretizadas – e a ponderação que devem merecer novas reduções no futuro dirigidas aos rendimentos médios -, é preciso lembrar que quase metade dos portugueses não aufere rendimentos suficientes para pagar IRS, pelo que, quando baixamos este imposto, estes contribuintes em nada beneficiam dessa redução“, lê-se na sua moção estratégica.
Para o líder do PS, mais importante seria “estudar formas de reduzir a tributação indireta”, como o IVA, “que mais impacta no rendimento disponível das famílias com mais baixos rendimentos”. “Ao mesmo tempo, devem ser encontrar formas de reduzir a fatura fiscal da energia, de modo a combater a pobreza energética”, de acordo com o mesmo documento.
A moção de Pedro Nuno Santos é omissa em relação ao IRC, mas, em entrevista ao ECO, o secretário-geral socialista: “Estamos disponíveis para revisitar o código do IRC e simplificá-lo. As pequenas e médias empresas têm mais dificuldade em aproveitar um sistema fiscal complexo do que as grandes empresas. Até por razões de igualdade, nós devemos olhar para o código de IRC e perceber se há espaço para a sua melhoria, para a sua simplificação”.
Quanto a um possível agravamento do Imposto Único de Circulação (IUC) como forma de combate às alterações climáticas, Pedro Nuno Santos é contra, revelou durante o seu espaço de comentário político na SIC Notícias: “Não sou adepto da medida”. De recordar que o polémico aumento do IUC, previsto no Orçamento do Estado para 2024, gerou elevada contestação social, tendo o PS acabado por recuar, eliminando tal medida da proposta orçamental.
Habitação: regulação das rendas e aumento da oferta pública
No arrendamento habitacional, o líder socialista prefere uma regulação mais forte em vez de um maior controlo das rendas. “O controlo de rendas não é errada por definição, mas no momento atual podia ter o efeito contrário e minguar o mercado de arrendamento”, afirmou Pedro Nuno Santos em maio do ano passado.
O socialista pretende “reforçar os mecanismos de provisão pública direta”, nas áreas onde a oferta é insuficiente. Ou seja, quer aumentar o parque público de habitação. Para isso, “é necessário criar um quadro legal que permita a conversão e transformação de espaços comerciais e de serviços em habitação de custos controlados, alterando para o efeito o regime jurídico da propriedade horizontal automática”, de acordo com a sua moção de estratégia.
Saúde: reforço do SNS e diminuição dos seguros privados
Na área da Saúde, Pedro Nuno Santos recusa uma maior complementaridade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com os setores social e privado. O candidato tem “consciência de que uma parte da população tem recorrido de forma crescente aos seguros privados de saúde, confia menos no SNS e recorre cada vez mais aos seguros privados de saúde.” A promessa de Pedro Nuno Santos é “conseguir que o SNS torne desnecessário esse recurso”. Isto é, que cada vez menos portugueses tenham de recorrer aos seguros de saúde e aos privados para conseguirem ser assistidos.
“Há sinais de uma crescente concorrência entre setores e de uma dependência cada vez maior do SNS em relação ao privado. Por isso, os instrumentos de regulação das relações entre o setor público e o setor privado devem ser reforçados e a participação dos privados no sistema nacional de saúde deverá ter por base um quadro operacional com critérios claros”, segundo a sua moção de estratégia.
Redução da dívida: “contas certas” mas com “equilíbrio”
O líder do PS afirma-se defensor das “contas certas”, mas num grau mais flexível do que o ainda ministro das Finanças, Fernando Medina. De recordar que, em 2011, no tempo da troika, Pedro Nuno Santos disse que Portugal não tinha de pagar as dívidas, que podiam tremer as pernas aos banqueiros alemães e que se estava a marimbar. Agora, reconhece, que a frase foi “infeliz”.
Assim, “a estratégia de descida da dívida é essencial”, lê-se na moção da sua candidatura. Contudo, “ela não pode ser vista como uma prioridade isolada; necessita sempre de ser avaliada e ponderada face a outros objetivos e necessidades que o País enfrenta”, de acordo com o mesmo documento.
“Uma política de excedentes orçamentais acelera a redução da dívida pública, mas pode reduzir excessivamente o espaço orçamental que o governo precisa para fazer o investimento público em infraestruturas e em serviços públicos e para apoiar as famílias e as empresas. Precisamos, assim, de encontrar o equilíbrio adequado entre a prossecução da estratégia de redução da dívida pública, os objetivos de crescimento económico, de investimento público e de transformação do Estado”, defende o secretário-geral socialista.
Neste sentido, é natural que o candidato se oponha à criação de um fundo soberano para o qual seriam canalizados os excedentes orçamentais, como propôs Fernando Medina.
“Se fôssemos um País que conseguisse extrair petróleo, por exemplo, e tivéssemos uma receita cuja economia era incapaz de absorver, o fundo teria mais justificação. Num quadro de uma economia como a nossa, tem menos justificação. Só faz sentido se tivermos margem orçamental para o financiar. E verdadeiramente não temos. Não podemos ter margens orçamentais à custa da perpetuação de vários problemas e, por isso, devemos usá-las para resolver os problemas que temos”, afirmou numa entrevista ao Público e à Rádio Renascença, durante a campanha para as eleições internas.
Regionalização: novo referendo
O líder do PS promete aprofundar o processo de descentralização das competências da Administração Central para as autarquias e as comissões de coordenação de desenvolvimento regional (CCDR), comprometendo-se com um novo referendo à regionalização nesta nova legislatura.
“A regionalização alicerçada num amplo consenso político e social e a descentralização, como formas de criar e reforçar níveis intermédios – regionais, locais e paroquiais – de decisão legitimados democraticamente que prossigam os interesses das populações e dos territórios que representam, são processos a implementar e aprofundar, respetivamente“, de acordo com a moção de estratégia que apresentou na corrida às eleições internas.
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