Setor vê como “difícil” que Portugal consiga quase triplicar instalação de renováveis até 2030

Da crise política aos processos de licenciamento morosos, os agentes do setor energético apontam vários obstáculos que se entrepõem entre os objetivos e a sua concretização. 

Portugal compromete-se a multiplicar por cerca de 2,5 a capacidade renovável de que dispõe ao dia de hoje, até 2030. Esta ambição, vertida na última versão do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) 2030, é bem vista do ponto de vista da intenção mas, na prática, os agentes do setor contactos pelo ECO/Capital Verde apontam várias dificuldades em cumprir o objetivo. Da crise política aos processos de licenciamento morosos, muitos são os obstáculos que se entrepõem entre os objetivos e a sua concretização.

No âmbito da 28.ª Conferência das Partes (COP28), 123 países comprometeram-se a, até 2030, contribuir para a meta global de triplicar a capacidade renovável dos 3.382 gigawatts (GW) existentes em 2022 para 11.200 GW, em 2030.

Portugal foi um dos países a assinar este acordo, mas isto não significa que o país triplique a respetiva capacidade. “Este objetivo global traduz-se em diferentes contributos nacionais, definidos por cada país, dependendo dos seus pontos de partida, trajetórias e abordagens”, explica fonte oficial do Governo ao ECO/Capital Verde. Considerando o país como “líder na transição energética” – portanto, com um ponto de partida já avançado – Portugal deverá manter a ambição patente no Plano Nacional de Energia e Clima 2030, que dita uma multiplicação não por 3, mas de cerca de 2,5 vezes da capacidade instalada.

Portugal, que, de acordo com os dados da Direção Geral de Energia e Geologia, tinha instalados 18,3 GW de capacidade renovável em outubro deste ano, compromete-se a atingir os 42,8 GW em 2030, suportados sobretudo pelo crescimento acentuado do parque solar.

A responsabilidade sobre a instalação dos cerca de 11.000 GW de capacidade renovável não se cinge, então, aos seus signatários, embora estes se afirmem empenhados em contribuir para este objetivo. O grande benefício deste acordo ao nível da COP28 passa portanto, esclarece Francisco Ferreira, presidente da organização ambientalista Zero, por criar mais um indicador a ser monitorizado no que toca à neutralidade carbónica, além da já acompanhada redução de emissões.

Crise política, licenciamento demorado, redes e inflação atrapalham

Temos todas as condições para atingir as metas, mas temos muito trabalho a fazer”, diz Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN). Mostra-se, contudo, preocupado com o efeito da mudança antecipada de Governo. Amaral Jorge acredita que os projetos que estão em curso terão continuidade, mas ficam em suspenso decisões relativas a leilões, ligação à rede de projetos. “Entendemos que as eleições provocam sempre um conjunto de atrasos. Esperamos que os impactos sejam o menos intensos possível, mas vão sempre acontecer”, indica.

João Amaral, responsável da Voltalia em Portugal, concorda que “triplicar a capacidade instalada é perfeitamente exequível”. Tendo em conta os projetos vencedores dos leilões de solar de 2019 e 2020, assim como aqueles que estão em lista de espera para se ligarem à rede através de acordo com os operadores de rede, o gestor considera que existe suficiente massa crítica de projetos para que, mesmo com alguns a ficarem pelo caminho, outros os substituam. No caso da energia eólica, também se mostra otimista, tendo em conta “a experiência enorme” que existe no país. Das tecnologias mencionadas no PNEC, só vê o hidrogénio como “um desafio maior”, tendo em conta a falta de maturidade da tecnologia.

"Mais vale atrasar um pouco do que depois ter tudo bloqueado. Mais vale prevenir conflitos do que depois procurar ultrapassá-los.”

Francisco Ferreira

Presidente da Zero

A dúvida, no caso do líder da Voltalia em Portugal, está na capacidade de adequar a disponibilidade de redes e as necessidades dos consumidores à eletricidade disponível. “É o mesmo que andar numa estrada congestionada. Não me interessa ter capacidade para andar na velocidade máxima se as condições da estrada não mo permitirem”, ilustra.

Assim, vê como essencial o reforço das redes elétricas mas também, e antes disso, a necessidade de serem criadas condições para os operadores investirem em soluções que deem flexibilidade à rede. As metas, indica, têm por base projeções de necessidades de consumo crescentes, apoiadas por exemplo no desenvolvimento da mobilidade elétrica, e que podem, ou não, verificar-se. Neste sentido, considera importante remunerar a flexibilidade, por exemplo a disponibilização de baterias. “As centrais têm disponibilidade, mas não podem ser penalizadas por não existir consumo suficiente, quando está a ser pedido que instalem para cumprir metas”, defende.

Francisco Ferreira concede que “não vai ser fácil” cumprir com o estipulado no PNEC, especialmente na componente mais ambiciosa: a do solar centralizado. “Temos de encontrar os sítios certos, com os menores impactos, garantir que temos rede elétrica a chegar lá… em 6 anos, é muito complicado”, avalia. E alerta que é importante que não existam “atropelos” nos processos, de forma a acelerá-los, correndo-se o risco de estes levarem a uma maior contestação por parte das populações, e que possam mesmo a vir bloquear o progresso mais tarde. “Mais vale atrasar um pouco do que depois ter tudo bloqueado. Mais vale prevenir conflitos do que depois procurar ultrapassá-los”, defende. Quanto às metas traçadas para o hidrogénio verde, também oferece reservas, sobretudo no que toca à exportação.

O contexto atual sugere prudência na implementação desta visão, nomeadamente pela inflação verificada nos últimos anos e pelo consequente aumento dos custos de investimento e financiamento, que, além de serem um obstáculo ao investimento direto em renováveis, têm principalmente provocado um atraso nas expectativas de eletrificação, e uma estagnação do consumo.

Endesa

Fonte oficial

A Endesa realça que o objetivo de triplicar a capacidade renovável até 2030 dará um forte impulso ao fornecimento de energia limpa, acessível e segura. Contudo, “o contexto atual sugere prudência na implementação desta visão, nomeadamente pela inflação verificada nos últimos anos e pelo consequente aumento dos custos de investimento e financiamento, que, além de serem um obstáculo ao investimento direto em renováveis, têm principalmente provocado um atraso nas expectativas de eletrificação, e uma estagnação do consumo”, indica fonte oficial da empresa.

Nesta ótica, “o esforço deve ser repartido de maneira equilibrada pelo investimento em nova capacidade, pelo desenvolvimento da rede e do armazenamento, e pelo incentivo à eletrificação”, num movimento acompanhado de meios humanos suficientes da administração pública, acredita a empresa.

Um “desafio grande”, apesar de “não ser impossível”, é como Duarte Sousa, diretor-geral da Engie Hemera, olha para as metas de capacidade renovável a que Portugal se propõe, sobretudo tendo em conta a “velocidade” a que se pretende concretizá-las. Tendo como foco o autoconsumo, o gestor identifica como maiores entraves a vertente administrativa e o licenciamento, assim como a limitação atual de injeção de até 1 megawatt na rede por parte de entidades com sistemas de autoconsumo. Isto porque, explica, cada vez mais empresas têm necessidades entre os 4 a 5 megawatts mas, se param a atividade durante o fim de semana, uma parte relevante da energia produzida é desperdiçada.

“Bastante ambiciosas” é como o fundador e administrador da Ertec, Celso Leão, classifica também as metas vertidas no PNEC, dado “o curto espaço de tempo”. Para o gestor, “a questão burocrática é um entrave enormíssimo”, alertando para o longo tempo de licenciamento. Neste caso, defende a responsabilização do promotor, de forma a que este não tenha de passar por todas as camadas burocráticas. A DGEG “não tem recursos humanos nem próximos do que devia ter. Tem hoje uma capacidade idêntica à que tinha nos anos 90”, realça. Em paralelo, sublinha que é necessária a aposta em redes inteligentes para otimizar a capacidade, “o que demora tempo a implementar”, sendo os seis anos até 2030 “manifestamente pouco”

Já João Nuno Serra, CEO da Enforce e presidente da ACEMEL — Associação dos Comercializadores de Energia no Mercado Liberalizado, afirma-se “muito cético”. “Penso que o país tem excelentes condições para triplicar a capacidade, e devíamos dar esse passo. Mas estão-se a construir castelos com pés de barro”, acusa. Na sua visão, a estrutura da administração pública “não tem capacidade para dar resposta a toda esta exigência”, uma vez que ainda não está resolvida a questão da morosidade dos processos. “O rei vai nu”, afirma, ilustrando com a estimativa de que os projetos selecionados em 2023 para serem ligados à rede por acordo com o operador da rede, só devem estar ligados em 2028.

De forma a solucionar o problema da falta de resposta administrativa, João Nuno Serra vê como solução que a DGEG assuma um novo estatuto, de instituto, que lhe permita contratar quadros em pé de igualdade com setor privado, “senão ninguém quer ir trabalhar para lá”, acredita, face às condições remuneratórias que considera “pouco competitivas”. Outra alternativa seria concessionar a privados o licenciamento, sugere. Em paralelo, o líder da ACEMEL queixa-se do peso que os operadores de rede têm nas decisões sobre ligações à rede. Nesta vertente da desburocratização, Pedro Amaral Jorge defende uma digitalização dos processos das várias entidades envolvidas, desde a DGEG até às câmaras municipais.

A EDP afirma que continua a desenvolver soluções inovadoras em diferentes regiões do mundo, incluindo em Portugal (desde os modelos híbridos a tecnologias de solar descentralizado), que contribuem ativamente para acelerar a transição energética, e ressalva que as iniciativas e medidas de ação climática devem ser promovidas não apenas pelos Estados, mas também por empresas, organizações internacionais, instituições financeiras e até sociedade civil.

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