Apoios à biomassa com 45 pedidos mas setor alerta para custos elevados e falta de matéria-prima

Governo quer reforçar a aposta das autarquias na biomassa, mas operadores do setor alertam para dificuldades: a floresta não está a produzir resíduos suficientes e os que existem são caros.

A biomassa é um recurso relevante para a transição energética e para a defesa e preservação da floresta, que todos os anos é vítima de incêndios rurais. A realidade é reconhecida pelo Governo que, em 2023, lançou dois concursos para dinamizar o setor e para os quais foram submetidas 45 candidaturas — nove no âmbito do concurso para a construção de centrais de biomassa e 36 para a criação de ecopontos florestais ou de compostagem. Porém, de acordo com os operadores no setor ouvidos pelo ECO/Capital Verde, as dificuldades persistem: a floresta portuguesa não produz resíduos suficientes para abastecer as necessidades, e os que existem são caros.

No âmbito do concurso lançado pelo Fundo Ambiental que visava acelerar as pequenas centrais de biomassa em 19 autarquias, o Governo recebeu nove candidaturas, revela ao ECO/Capital Verde o Ministério do Ambiente e da Ação Climática (MAAC). Isto acontece depois de se ter feito uma alteração do regime especial e extraordinário que permite a instalação e exploração de novas centrais de biomassa nos territórios mais vulneráveis ao risco de incêndios rurais.

Para o Centro de Biomassa para a Energia (CBE), o impacto esperado deste concurso “é naturalmente positivo” e poderá “fomentar o aproveitamento máximo” deste recurso, porém, alerta para o risco de um potencial “gap entre o que espera e o que se vai efetivamente conseguir alcançar”. De acordo com o instituto especializado, para o negócio da biomassa para a energia funcionar corretamente “tem que haver disponibilidade fiável e sustentável da biomassa em quantidades suficientes e com preços razoáveis”, algo que não se verifica nos dias de hoje.

A preocupação é partilhada pelo presidente da Associação dos Produtores de Energia e Biomassa (APEB) que é também é um dos proprietários de duas centrais, localizadas em Viseu e Fundão. Ao ECO/Capital Verde, Carlos Alegria aponta que atualmente a biomassa “é escassa” e o seu preço “está constantemente a subir”, alertando que quanto mais longe das centrais a matéria-prima estiver localizada “mais caro” este recurso fica dado os custos de transporte.

Alegria revela que o preço por cada tonelada de tronco de pinho, em 2022 rondava os 30 euros, mas hoje ascende os 45 euros. Para produzir um megawatt (MW) são necessárias duas toneladas de biomassa. “É muito caro, não paga o investimento”, diz.

“As centrais estão aflitas para arranjar biomassa. As pessoas que se envolvem nestes concursos fazem-no porque a banca não financia. Com os preço da mão-de-obra e o gasóleo a subir, e com o peso da inflação, a biomassa esta caríssima e torna-se difícil para os operadores“, considera Carlos Alegria, alertando, simultaneamente, para a falta de tecnologia e recursos humanos com o know how que é necessário para tornar uma central operacional.

Ao ECO/Capital Verde, o presidente da APEB revela ainda que empresas como a Sonae Capital, que colocou à venda a central de biomassa de Mangualde, se estão a “afastar do setor” e outras com quem contactou “mostraram pouco interesse” em inaugurar novas instalações.

“No tempo do Sócrates, em 2006, foram lançados 11 concursos e só começaram a construir centrais em 2020 porque houve uma alteração da legislação. As centrais que estão no mercado, algumas estão à venda ou à procura de quem as compre. E não vejo grande interesse da pasta de papel, que podia ter interesse em comprá-la. Fizeram-nas elas próprias as centrais, umas com cogeração e outras não”, explica o responsável.

O primeiro concurso, cujas candidaturas encerraram no passado 20 de dezembro de 2023, contou com uma dotação de dois milhões de euros. O objetivo é apoiar 19 autarquias, e embora o MAAC não detalhe quais os concelhos que avançaram com uma candidatura, nem o valor desses projetos, fonte oficial do gabinete de Duarte Cordeiro revela ao ECO/Capital Verde que as candidaturas tiveram origem nos distritos de Faro, Vila Real e Coimbra, estando atualmente em fase de análise para o apuramento da sua viabilidade.

Para Carlos Alegria, das três localizações referidas, apenas Coimbra “faz pouco sentido” por ser um distrito com centrais de pellets e com “poucos recursos disponíveis”. Por seu turno, Faro e Vila Real são “pontos interessantes” por serem distritos onde há muita biomassa em consequência dos incêndios, e devido à existência de “particulares com interesse em explorá-la”.

A matéria-prima, se bem gerida e adequadamente e otimizadamente recolhida, poderá ser suficiente, mas efetivamente existem problemas nalguns locais. Outra questão, não é apenas a quantidade, mas sim a sua qualidade.

Centro de Biomassa para a Energia

De acordo com a associação ambientalista Zero, os resultados do concurso são “positivos” e permitem, ao mesmo tempo, corrigir uma má-prática levada a cabo pelas 13 centrais instaladas a nível nacional. A maioria destas instalações atuais só produz eletricidade e não aproveitam a componente térmica. “Este concurso permitirá às novas centrais aproveitarem ambos os recursos [energético e térmico]. É um aspeto positivo“, diz Nuno Forner.

Com este leilão, o Governo colocou a concurso 60 megawatts (MW) de capacidade para a injeção na rede elétrica de serviço público, sendo que cada central esteve limitada a concorrer a um máximo de 10 MW.

Embora não se saiba a potência de cada um dos nove projetos, para Carlos Alegria o risco é claro: “A E-Redes já nos disse: é difícil a encontrar pontos de interligação. Por questões de segurança, não podemos continuar a ligar unidades renováveis à rede sem corrermos o risco de ela se tornar insegura e de ficarmos sem luz”.

Governo quer mais ecopontos florestais

Simultaneamente, o Ministério do Ambiente lançou um apoio para a criação de ecopontos florestais ou de compostagem para o qual foram submetidas 36 candidaturas, revela o ministério de Duarte Cordeiro ao ECO/Capital Verde. A dotação do apoio ascendeu os 1,5 milhões de euros e visa apoiar autarquias que pretendam instalar ecopontos florestais, nos quais serão armazenados os sobrantes da limpeza de terrenos, com vista a reduzir a queimas e queimadas. Posteriormente, os excedentes florestais e agrícolas serão recolhidos e encaminhados para compostagem ou centrais de biomassa.

A aposta na criação destes ecopontos aos olhos das fontes consultadas é, de forma geral, positiva, uma vez que permite aumentar a quantidade de matéria-prima disponível nas regiões de maior escassez. No entanto, será necessário definir regras. Por exemplo, a CBE defende que o sistema deve incluir, além dos ecopontos, toda “a rede logística associada” incluindo os sistemas de tratamento, nomeadamente, os de destroçamento e compactadores.

Por seu turno, e considerando a ambição do Governo de reduzir as queimas e queimadas, Carlos Alegria vai mais longe e defende que nas juntas de freguesia onde existam ecopontos, esta prática deve ser proibida, sendo, por oposição “obrigatório depositar os resíduos nos ecopontos“. Os fogos resultantes das queimas libertam CO2 para a atmosfera, “sem necessidade, ou retorno”.

 

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