A “dobradinha”, Sócrates vai ser julgado duas vezes na Operação Marquês
A decisão do Tribunal da Relação leva a que Sócrates seja julgado duas vezes, por diferentes crimes, no âmbito da Operação Marquês. Mas não será o único.
Na quinta-feira, o Tribunal da Relação de Lisboa reverteu a decisão do juiz Ivo Rosa e decidiu levar a julgamento José Sócrates por mais 22 crimes. O antigo primeiro-ministro estava até então apenas pronunciado por seis crimes e até está prestes a iniciar julgamento por esses crimes.
Isto quer dizer que José Sócrates vai ser julgado duas vezes, por diferentes crimes, no âmbito da Operação Marquês. Uma vez pelos seis crimes pronunciados pelo juiz Ivo Rosa – três de branqueamento e três de falsificação de documento –, e a outra pelos 22 crimes adicionados pelo coletivo de juízas do TRL – três de corrupção, 12 de branqueamento e seis de fraude fiscal.
À Advocatus, Paulo Saragoça da Matta confirmou que os processos seguem “cada um a sua vida”. “Claro que inicialmente é que foi errado separar para julgar uma parte. Aliás, o juiz de julgamento à primeira vez recusou aceitar a separação que lhe foi enviada”, referiu o advogado.
Assim, os julgamentos vão ser separados em dois, uma vez que o TRL não tomou nenhuma posição sobre os crimes pelos quais o antigo primeiro-ministro já tinha sido pronunciado. Desta forma, os dois processos decorrem em paralelo.
“A ideia que tenho é que o TRL diz expressamente que não olha para os factos dos processos que foram separados e isso vai dar raia. Leia-se: haver factos repetidos num lado e noutro, com diferente enquadramento e isso não pode ser“, referiu fonte oficial à Advocatus.
Um dos julgamentos de Sócrates, o de seis crimes, está breve a começar. Segundo avançou no início do ano a Sic Notícias, o antigo primeiro-ministro poderá começar a ser julgado no primeiro semestre deste ano, uma vez que a juíza de instrução acelerou a Operação Marquês e recusou decidir sobre as alterações do Ivo Rosa à acusação.
Salgado e Vara também fazem dobradinha
Sócrates não é o único que vai a julgamento duas vez no mesmo caso. Também Armando Vara e Ricardo Salgado vão fazer “dobradinha”, uma vez que ambos já foram condenados pelos crimes pronunciados pelo juiz Ivo Rosa.
Armando Vara, ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos, foi o primeiro a saber o desfecho no processo. No dia 13 de julho de 2021, o antigo ministro foi condenado a dois anos de prisão efetiva pelo crime de branqueamento de capitais. O juiz Rui Coelho afirmou que o tribunal “deu como provado quase todos os factos” da acusação do Ministério Público e que ficou “demonstrado objetivamente o circuito de dinheiro” relacionado com os dois milhões de euros que Vara colocou em contas na Suíça e que depois trouxe para Portugal.
No âmbito da Operação Marquês, Armando Vara cumpriu a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, de 9 de julho a 16 de outubro de 2015, totalizando três meses e sete dias o período em que esteve com medida de coação privativa da liberdade.
Mas agora, o TRL volta a pronunciar Vara neste processo por um crime de corrupção e um de branqueamento de capitais.
Já Ricardo Salgado foi condenado a 7 de março de 2022 a uma pena total de prisão de seis anos pelos três crimes de abuso de confiança de que estava acusado. Decisão que a defesa de Salgado tentou recorrer com o argumento da doença de Alzheimer do ex-líder do BES.
O tribunal considerou como provados “quase todos os factos constantes da acusação”, segundo explicou o juiz Francisco Henriques. Mas o magistrado diz que “não ficou provado a questão da gestão centralizada do BES”. Quanto à doença de Alzheimer, o magistrado diz que ficou provada essa condição física de Ricardo Salgado, bem como as condições socioeconómicas do arguido.
O tribunal decidiu condenar Ricardo Salgado pela prática de um crime de abuso de confiança relativamente à transferência de 4.000.000 de euros, com origem em conta da “Espírito Santo Enterprises, S.A.” para conta da “Credit Suisse”, titulada pela sociedade em offshore “Savoices, Corp”; um crime de abuso de confiança relativamente à transferência de 2.750.000 euros, quantia proveniente de transferências da conta da “Espírito Santo Enterprises, S.A.” para conta titulada pela sociedade “Green Emerald Investments, Ltd.”, controlada por Hélder José Bataglia dos Santos – da conta da “Green Emerald Investments, Ltd.” para conta da “Crédit Suisse“, titulada pela sociedade em offshore “Savoices, Corp“, controlada pelo arguido.
O terceiro crime de abuso de confiança a que Salgado foi condenado é relativo à transferência CHF 3.900.000,00 (3.967.611 euros) – quantia proveniente de transferências da conta da “Espírito Santo Enterprises, S.A.” para a conta da “Pictet & Cie, S.A.” titulada por Henrique Manuel Fusco Granadeiro – da conta da “Pictet & Cie, S.A.” e com destino a conta da “Lombard Odier Daries Hentsch and Cie” titulada pela sociedade em offshore “Begolino, S.A.”, controlada pelo arguido.
Agora, Salgado vê-se de novo de braços dado com a justiça, ao ver acrescentados os crimes de corrupção e de branqueamento de capitais. O coletivo de juízas decidiu pronunciar o antigo presidente do BES por um crime de corrupção ativa de titular de cargo político, para atos ilícitos, relativo a negócios entre o grupo Portugal Telecom (PT) e o Grupo Espírito Santo (GES) “no que concerne aos pagamentos efetuados ao arguido José Sócrates”.
A decisão pronuncia também Salgado por outros dois crimes de corrupção ativa, para atos ilícitos, relativos a negócios entre a PT e o GES, por pagamentos efetuados aos antigos administradores da PT Zeinal Bava e Henrique Granadeiro.
“A prova indiciária de que Ricardo Salgado terá corrompido Henrique Granadeiro (ex-chairman da PT) e Zeinal Bava (ex-CEO da PT) com cerca de 50 milhões de euros, para favorecer a compra de títulos de dívida do GES, é suficientemente forte”, referiram as juízas.
Quem vai a julgamento?
Na quinta-feira, a acusação do Ministério Público foi quase toda reposta na íntegra pelas juízas desembargadoras do Tribunal da Relação de Lisboa. Do total de 189 crimes que estavam na acusação do DCIAP, agora são 118 crimes que levam os arguidos a julgamento, ao invés dos 17 decididos pelo juiz de instrução Ivo Rosa.
“Atento aos indícios existentes relativamente à prática, dos factos, pelos arguidos, parece-nos que, pese embora a acusação não ser uma peça sem mácula, os factos alegados, ainda que alguns sejam factos instrumentais, cujo relevo não decorre diretamente, permitem um enquadramento dos ilícitos. Deste modo, entendemos que os factos expurgados devem regressar à acusação e, consequentemente, à pronúncia”, disse o coletivo de juízas.
As juízas acabam por voltar a pronunciar quase todos os arguidos de um dos processos mais mediáticos da justiça portuguesa: José Sócrates, Armando Vara, Ricardo Salgado, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, Carlos Santos Silva, Joaquim Barroca, Helder Bataglia, Luís da Silva Marques, Diogo Gaspar Ferreira, Rui Horta e Costa, José Paulo Pinto de Sousa, Rui Mão de Ferro, João Perna, Sofia Fava, Gonçalo Trindade Ferreira e Inês do Rosário.
Do lado das pessoas coletivas, voltam também ao estatuto de arguidas pronunciadas as duas empresas do Grupo Lena e a RMF. De fora ficou Bárbara Vara, pelos crimes de branqueamento, e a sociedade Pepelan.
Na decisão instrutória do juiz Ivo Rosa, em abril de 2021, não foi validada grande parte da acusação da Operação Marquês e decidiu pelo arquivamento na decisão instrutória de 172 dos 189 crimes que constavam da acusação original, restando apenas 17 crimes, e com a acusação mais grave, de corrupção, a cair com a decisão do juiz Ivo Rosa.
O juiz decidiu pela não pronúncia de José Sócrates no que toca aos crimes de corrupção de que estava acusado. José Sócrates, Ricardo Salgado, Henrique Granadeiro, Carlos Santos Silva, Zeinal Bava, Armando Vara — e mais 20 arguidos — conheceram em abril de 2021 a decisão do debate instrutório.
No recurso, os procuradores pediam à Relação de Lisboa que reponha a acusação original da Operação Marquês, de outubro de 2017, e pediam o julgamento de José Sócrates três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 13 crimes de branqueamento de capitais e três crimes de fraude fiscal. Os seis crimes de falsificação de documento imputados na acusação que estarão sob perigo de prescrição.
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