Clima relegado nos debates. De assunto incómodo e secundário a oportunidade perdida junto dos jovens

É consensual que o tema clima não esteve tão presente nos debates como desejável face à sua urgência. Conheça as explicações e implicações, na visão dos partidos, politólogos e ambientalistas.

O confronto de ideias entre os oito partidos que têm assento na Assembleia da República foi feito através de um total de 30 debates. Na esmagadora maioria do tempo, notou-se uma ausência: o tema do clima e das alterações climáticas, concordam desde especialistas em política e ambiente até aos próprios partidos. As questões do clima ficaram para segundo plano face a assuntos como a habitação e saúde, ficando a sua exposição limitada às páginas dos programas.

O consenso aponta para alguma responsabilidade da parte dos moderadores mas também dos políticos, que não terão forçado suficientemente o tema. Fica assim com palco reduzido uma questão que importa em particular aos jovens, mas que é da maior urgência para toda a população, realçam os ambientalistas.

“Os temas relacionados com o ambiente e as alterações climáticas não têm estado presentes, praticamente, no discurso dos candidatos dos vários partidos. Existem algumas referências, mas a sensação com que fico é que não há um grande debate sobre o assunto”, acusa o presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS), Filipe Duarte Santos, para depois concluir que “não foi um tema central de modo nenhum”.

A politóloga Paula Espírito Santo aponta que o tema não só não teve presente nos debates como, fora deles, foi introduzido sobretudo como resposta a polémicas, como foi o caso das declarações do cabeça de lista da Aliança Democrática por Santarém e antigo presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Eduardo Oliveira e Sousa. Este afirmou que Portugal tem perdido investimento por “falsas razões climáticas”. Declarações que forçaram o líder da AD, Luís Montenegro, a garantir que esta aliança está “comprometida com o clima”.

A falta de debate sobre o clima e a transição energética entre os principais líderes políticos é preocupante” remata a Zero, atendendo também a que o clima e a transição energética afetam não apenas o ambiente, mas também a economia, a segurança e o bem-estar das populações.

Partidos remetem para campanha e programa e acusam moderadores

Os partidos, confrontados com esta ausência do tema climático e com o que isto diz sobre as suas prioridades, defendem-se assinalando a presença do clima nos respetivos programas, noutros momentos da campanha e até fora dela, ao mesmo tempo que apontam o dedo aos moderadores.

Embora nos debates de um para um tivessem existido algumas referências à questão climática, no debate mais longo, entre os líderes dos dois partidos com maior representação parlamentar — PS e PSD –, houve uma total ausência do tema. Já no debate que juntou os oito candidatos com direito a assento parlamentar, Inês Sousa Real, do Partido Animais e Natureza (o PAN) foi a única a fazer uma menção ao clima e, mais tarde, à economia verde.

Inês Sousa Real usou o seu primeiro tempo de antena para abordar o protesto que teve lugar no início do debate, no qual ativistas climáticos mancharam de tinta o estúdio. “Embora possamos discordar da forma [de protesto], não podemos ignorar o problema e a ansiedade em que vivem em relação às alterações climáticas. As forças políticas que estão em condições de formar governo não tiveram uma palavra a dizer sobre o assunto”, criticou, apresentando no final o PAN como uma alternativa que responde à ansiedade perante a situação climática.

No mesmo debate, quando questionada sobre os planos de reforma fiscal e económica do partido, Sousa Real sublinhou “o potencial que a economia verde tem para gerar riqueza para o país”, considerando que “Portugal não deve ficar para trás nessa corrida”.

Agora, no rescaldo dos debates, o PAN autoproclama-se “o partido que mais tem trazido este tema para cima da mesa, seja nos debates, seja nas ações de campanha”, e considera que temas de coligações e cenários pós-eleitorais têm dominado os debates e a campanha eleitoral, “não deixando espaço para os temas que verdadeiramente interessam”. Para o partido, “o tempo dedicado a estes temas é pouco”, sendo insuficiente para identificar as forças políticas “verdadeiramente comprometidas” com a crise climática e para compreender as respetivas propostas.

Para o PCP, “os critérios jornalísticos na condução dos debates e o seu formato terão a sua quota de responsabilidade nesta matéria” mas “há muito mais campanha e propostas para lá da realização dos debates”. O partido sublinha que “as questões ambientais estiveram presentes em muitas iniciativas da campanha eleitoral da CDU”, nas quais o partido afirma ter denunciado problemas ambientais e reunido com populações afetadas pela exploração dos recursos naturais.

Já fonte oficial do Bloco de Esquerda aponta que “mesmo que os moderadores não tenham dado centralidade a esse tema”, Mariana Mortágua abordou-o nos debates com Inês Sousa Real e Rui Rocha, e reforça que este é um “tema central” no programa eleitoral.

A Iniciativa Liberal reconhece que “para um tema tão determinante para o futuro [o clima] deveria ter tido mais destaque”, a par de outros assuntos como a defesa, sustentabilidade da segurança social ou a reforma eleitoral. No entanto, o partido garante que da sua parte “existiu preocupação e foco no tema”, nomeadamente na apresentação do seu “Manifesto para o Crescimento Sustentável” no debate com o PAN. “Iremos insistir em dedicar mais atenção para este debate na próxima legislatura”, prometem os liberais.

A responsabilidade pode ser atribuída tanto aos moderadores/televisões como aos líderes políticos, pois ambos desempenham papéis importantes na condução do debate público.

Zero

PS, Aliança Democrática e Chega foram contactados pelo Eco/Capital Verde, mas optaram por não se pronunciar. O deputado do PS Miguel Costa Matos, que foi coautor da Lei de Bases do Clima, concede contudo que o tema foi menos discutido do que devia, já que tem uma “enorme importância” para o país, quer da ótica de problemas prementes como a escassez de água, quer “pela oportunidade de negócio que representa”. Questionado sobre o porquê da ausência neste caso, Costa Matos remete para os moderadores, mas ressalva que o líder do seu partido, Pedro Nuno Santos, abordou a questão ao falar sobre “a necessidade de transformação económica”.

Os ambientalistas concordam com a quota-parte de “culpa” dos moderadores. “Fica evidente que houve uma tendência em direção a questões que provocam reações imediatas e emocionais, como saúde, habitação e salários”, balança a ANP/WWF. No entanto, contrapõe a mesma organização, “também é fundamental reconhecer a responsabilidade dos líderes políticos. Estes têm a oportunidade, durante suas intervenções, de introduzir e destacar questões cruciais”.

A Zero reforça que “dar mais espaço ao debate sobre estes temas pode aumentar a conscientização pública e pressionar os líderes políticos a agirem de forma mais decisiva nestas áreas”, sendo que a comunicação social tem “um papel crucial” na formação da opinião pública. Contudo, “a responsabilidade pode ser atribuída tanto aos moderadores/televisões como aos líderes políticos, pois ambos desempenham papéis importantes na condução do debate público e na abordagem de questões relevantes”.

De assunto incómodo e secundário a oportunidade perdida junto dos jovens

“Notamos que a duração previamente definida para os debates é bastante curta e limita a profundidade da discussão. Este facto, leva a que algumas questões sejam deixadas em segundo plano e infelizmente, foi o que aconteceu com as questões ambientais”, considera a ANP/WWF, em resposta ao Eco/Capital Verde, reconhecendo que saúde, habitação e salários “são temas que impactam de forma mais direta a vida de todos os cidadãos”.

Fora a culpa apontada aos moderadores e ao tempo curto de debate, Paula Espírito Santo afere que o tema das alterações climáticas é “incómodo em termos políticos”, já que não depende unicamente de estratégias de governos nacionais e “envolve uma avalanche de compromissos e de situações” ao mesmo tempo que não existem “resultados para o dia seguinte”.

Claro que os debates tinham pouco tempo, e acaba por se privilegiar os temas que podem mobilizar mais eleitorado

Paula Espírito Santo

Politóloga

Claro que os debates tinham pouco tempo, e acaba por se privilegiar os temas que podem mobilizar mais eleitorado”, continua. Estes são sobretudo questões como a habitação, a saúde e a educação, que afetam de forma mais evidente o quotidiano de grande parte dos eleitores que vão até às urnas, por regra com idades em torno ou superiores a 40 anos.

Apesar disto, o tema “pode mobilizar o eleitorado mais jovem”, relembra a politóloga, e os políticos” podiam ter trazido mais o tema para captar a atenção” desta franja, alguns ainda sem idade para votar. Além do protesto que decorreu durante o debate entre todos os partidos, jovens ativistas pelo clima também atiraram tinta ao líder da AD, Luís Montenegro, durante a campanha, criticando novamente a ausência do tema no discurso político.

Estratégias criativas de trazer estes assuntos mais para o quotidiano eram bem-vindas, defende a mesma especialista em política. Ao mesmo tempo, o tema clima podia servir para “interromper o marasmo de uma mensagem muito centrada nos mesmos temas”, e evitar desta forma o desgaste de uma mensagem “relativamente redundante”.

Filipe Duarte Santos reforça que “as pessoas não estão interessadas em coisas tão básicas como a água”, por oposição a assuntos como a habitação, saúde e custo de vida, “portanto o debate centra-se nessas questões”. Mas há assuntos em que “mais tarde ou mais cedo, se continuar a inação, também vão ser problemáticos”. O responsável pelo CNADS salienta que, embora em matéria de transição energética o país esteja a avançar com ritmo, em matérias de adaptação às alterações climáticas as respostas são muito insuficientes: “Se não chover, o que é que se faz?”, questiona.

Programas “salvam” o tema. Uns mais do que outros

A boa notícia é que nos programas eleitorais os partidos foram mais cuidadosos e, de maneira geral, manifestam alguma preocupação ambiental e climática, em maior ou menor grau dependendo do partido”, avalia a ANP/WWF, reconhecendo, contudo, que a população não tem por hábito ler os programas na íntegra, pelo que os debates têm mais impacto, e por isso “teria sido importante discutir esta temática” nos mesmos.

A boa notícia é que nos programas eleitorais os partidos foram mais cuidadosos e, de maneira geral, manifestam alguma preocupação ambiental e climática, em maior ou menor grau dependendo do partido.

ANP/WWF

Numa análise “semáforo” do conteúdo dos programas no que toca o ambiente, a Zero dá um avaliação positiva (verde) aos programas do Bloco de esquerda, Livre e PAN. No “amarelo” posicionam-se os dois maiores partidos, PS e PSD, assim como a Iniciativa Liberal e a CDU. Nenhum partido resvala para o vermelho, mas os programas do CDS-PP e do Chega têm a avaliação mais negativa, de cor preta, representando um “semáforo fundido”, por não endereçarem devidamente o problema.

No caso do CDS, explica a Zero, “o compromisso com a natureza referido como ‘a defesa do ambiente faz-se no campo, não se faz nas cidades’ ignora por completo a necessidade de um modo diferente de reposicionar a sociedade e a sua maneira de ver o mundo”. Já no caso do Chega, “o ambiente está simplesmente ausente do programa”, acusa a organização. O partido publicou, contudo, após duas apresentações do programa e a disponibilização de uma versão mais curta, uma última versão, mais completa, que dedica um capítulo ao “Equilíbrio na Defesa do Ambiente e do bem-estar animal”.

Olhando ao futuro governo, a ANP/WWF mostra-se algo otimista, entendendo que “nenhum governo poderá ignorar estas questões, ainda que durante a campanha não tenham dado atenção suficiente”. A sociedade civil “estará cá, atenta, para pressionar”, garante. Já a Zero acredita que a falta de debate sobre o clima e a transição energética “pode definitivamente” comprometer a lista de prioridades do próximo governo.

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