Défice do primeiro trimestre ainda permite excedente em 2024

  • Ânia Ataíde
  • 25 Junho 2024

Um défice orçamental no primeiro trimestre não dita qual o desfecho do saldo na globalidade do ano, mas há riscos, consideram os economistas consultados pelo ECO.

O défice de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) registado pelo Estado português no arranque do ano não se traduz automaticamente no risco de um saldo orçamental negativo no final de 2024. O argumento é sublinhado ao ECO por três economistas, que alertam antes para o impacto de eventuais decisões que se tomem no resto do ano.

Os dados divulgados, esta segunda-feira, pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam que Portugal voltou a registar um défice, em contabilidade nacional (a que conta para Bruxelas), nos primeiros três meses do ano, o que compara com o excedente orçamental de 1,1% alcançado em igual período do ano passado. O desequilíbrio no arranque do ano não é, contudo, inédito, antes pelo contrário. Apenas no ano passado se registou pela primeira vez (desde o início dos anos 2000, série histórica do INE) um saldo positivo neste período, correspondente a 692 milhões de euros.

Antes, no primeiro trimestre de 2022, por exemplo, Portugal registou um défice de 0,6% do PIB, enquanto nos primeiros três meses de 2021 o défice atingiu 5,7% e no mesmo período de 2019 o saldo foi neutro.

O défice de 0,2% do PIB nos primeiros três meses deste ano corresponde a -118,9 milhões de euros, resultado de um aumento da despesa (11%) superior ao da receita (7,3%).

“Com um défice de cerca de 100 milhões de euros digamos que está tudo em aberto”, considera o economista e diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, Pedro Braz Teixeira. O economista recorda, por exemplo, que o saldo é afetado pelo efeito extraordinário da alocação adicional de verbas ao Sistema Elétrico Nacional (SEN) para redução das tarifas de eletricidade.

“O resultado pode ser revertido”, acredita, acrescentando que “a herança não tem uma gravidade e expressão que ponha em causa o resto do ano”. Contudo, alerta que existe o “risco político” de medidas que venham a ser tomadas, devido à atual configuração do parlamento.

Por seu lado, o economista e coordenador do NECEP – Católica Lisbon Forecasting Lab, João Borges de Assunção, destaca que “os aumentos de despesa pública no primeiro trimestre (11,0% face ao trimestre homólogo) são algo preocupantes, mas resultam da aplicação do orçamento de Estado para 2024”. “Os dados parecem ser consistentes com a informação já veiculada pela Direção-Geral do Orçamento (DGO)”, refere, cujas dados apontaram para um défice de 259 milhões de euros até março, em contabilidade pública (na ótica de caixa).

Segundo os dados do INE, divulgados esta segunda-feira, o crescimento da despesa corrente resulta do aumento dos encargos com prestações sociais (11,6%), das despesas com pessoal (9,6%), dos encargos com juros (9,7%), do consumo intermédio (4,1%), dos subsídios (103,4%) e da outra despesa corrente (6,7%).

Para João Borges de Assunção, contudo, “ainda é cedo” para retirar ilações para a totalidade do ano. “Os dados das contas públicas são bastante voláteis na frequência trimestral mesmo quando anualizados. Há muitos efeitos sazonais e pontuais que limitam a possibilidade de tirar grandes conclusões para o resto do ano. Ainda mais numa altura em que houve mudança de governo”, refere.

No entanto, adverte que “neste momento a preocupação com as finanças públicas é real”. “Por um lado, a atual composição do parlamento é favorável a medidas que prejudicam as finanças públicas, e por outro vão entrar em vigor critérios ligeiramente diferentes para a condução da política orçamental nos países do euro com elevados níveis de dívida, como é ainda o caso de Portugal”, argumenta.

“Mas penso que vai demorar algum tempo até se conseguir ver nos dados trimestrais do INE sobre saldos e poupança dos vários setores institucionais, sinais inequívocos de preocupação com as contas”.

Por seu lado, Ricardo Ferraz, investigador no ISEG e professor na Universidade Lusófona, alerta que embora existam os resultados de apenas um trimestre, “ainda assim, as campainhas devem soar”. “É que o INE diz-nos que a despesa corrente cresceu 11% em termos homólogos, o que corresponde a um aumento de quase 2,5 mil milhões de euros; sendo que podemos considerar que a grande parte desse valor é despesa permanente”, justifica.

O economista adverte que “já foram adotadas novas medidas, agora no tempo do atual Governo, que também têm impacto nas contas do Estado”. “Parece-me evidente que há riscos que não devem ser desvalorizados. O Governo deve por isso estar muito atento e adoptar uma postura cautelosa na condução da política orçamental, caso contrário o excedente orçamental previsto para o conjunto de 2024 poderá ficar em causa”, afirma.

Novas regras ditam menor margem orçamental

Os dados do INE foram conhecidos depois de, na última sexta-feira, a Comissão Europeia ter transmitido bilateralmente a Portugal a trajetória de referência que o país deverá usar no desenho do plano orçamental estrutural de médio prazo.

O plano, que será negociado com Bruxelas durante o verão, já condicionará o Orçamento do Estado para 2025 e obrigará o Ministério das Finanças a um ajustamento orçamental, uma vez que o país ainda tem um rácio da dívida pública superior a 60% do PIB (99,1% em 2023).

Portugal é um dos oito países – entre os 12 com um peso da dívida superior a 60% do PIB – cujos novos critérios de Bruxelas determinam o ajustamento orçamental ao longo de períodos de quatro e de sete anos, a par da Áustria, Bélgica, Alemanha, Grécia, Hungria, Eslovénia e Espanha, de acordo com uma análise do think-tank Bruegel.

Ainda assim, o ajustamento pedido a Portugal será pequeno, porque o país já tem excedentes primários “consideráveis”, calcula o think-tank. Contudo, ao contrário da maioria dos países, que teriam de fazer maiores ajustamentos com o anterior quadro de governação, Portugal fica com menor margem orçamental com os novos critérios.

O país terá de fazer um ajustamento de 1% do PIB no caso do plano de quatro anos e de 0,7% no caso de sete anos. Este cenário irá condicionar o desenho do próximo Orçamento do Estado, tendo o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, avisado recentemente – ainda antes do arranque das negociações orçamentais – que as medidas da oposição serão analisadas dentro de um quadro que não coloque em causa o equilíbrio das contas públicas.

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