Banqueiros centrais, em Sintra, entre o otimismo contido e a busca de confiança
Primeiro dia de debates do Fórum do BCE, em Sintra, ficou marcado pelas poucas pistas de Christine Lagarde e Jerome Powell sobre novos cortes nas taxas de juro. Banqueiros querem mais dados.
Quebrando a tradicional neblina que muitas vezes assombra o Fórum do Banco Central Europeu (BCE), em Sintra, o sol brilhou no Penha Longa, no primeiro dia de debate, mas nem por isso o otimismo entre os banqueiros centrais deixou de ser contido. Ao longo do primeiro dia de trabalhos, a mensagem foi-se repetindo entre membros do Banco Central Europeu (BCE) e da Reserva Federa norte-americana (Fed): o processo de desinflação está a fazer progressos, mas é preciso maior clareza.
Os primeiros avisos chegaram ainda antes da abertura da ordem de trabalhos, pela voz do vice-presidente do BCE Luís de Guindos. Em entrevista à CNBC, o responsável espanhol afirmou que a instituição não tem “uma trajetória pré-determinada para os juros da zona do euro” e afirmou que perante a incerteza as decisões serão tomadas reunião a reunião.
Apesar de esperar que a trajetória da inflação continue em sentido descendente, advertiu que os próximos meses serão desafiantes para a inflação na zona euro. Um alerta que horas mais tarde foi repetido pela presidente da instituição, Christine Lagarde.
No painel do debate dos governadores – antecipado este ano em um dia, devido ao feriado da independência dos Estados Unidos no dia 4, que leva alguns participantes a deixarem Portugal mais cedo do que o habitual -, no qual também participaram o presidente da Fed, Jerome Powell, e o governador do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, Lagarde considerou que os dados revelados pelo Eurostat, na manhã de terça-feira, que indicam uma desaceleração da taxa de inflação da zona euro para 2,5% em junho, são “positivos”, mas o percurso dos próximos meses vai ser acidentado.
Não precisamos ter a inflação dos serviços a 2%. Mas precisamos de ver os lucros a absorver os aumentos salariais
Lagarde repetiu a mensagem do jantar de boas-vindas de que a zona euro está “muito avançada no processo de desinflação” e que a inflação “está a seguir na direção certa”, mas é preciso ver, por exemplo, o comportamento dos serviços e os lucros a absorver os aumentos salariais, explicou a líder do BCE.
A inflação dos serviços é, aliás, uma das componentes às quais o BCE está mais atento. Os serviços registaram a taxa anual mais elevada em junho (4,1%, o mesmo valor face a maio) e, segundo Lagarde, não é apenas resultado do “efeito Taylor Swift” – em alusão à digressão da cantora pela Europa e que tem feito disparar, por exemplo, os preços dos hotéis nas cidades que recebem os concertos.
No entanto, os dados de junho “não foram suficientemente claros” relativamente aos serviços, de acordo com o economista-chefe, Philipe Lane, que em declarações à CNBC, à margem do evento, vincou que a instituição tomará decisões reunião a reunião e é prematuro avançar coma timeline.
Apesar de durante a manhã, economistas terem defendido que o BCE pode continuar a reduzir gradualmente os juros ao longo dos próximos meses, Lagarde não abriu o ‘jogo’ sobre a ação futura do Conselho de Governadores. Depois de na reunião de junho ter cortado as taxas de juro, pela primeira vez em cerca de cinco anos, os mercados já descontam que o BCE não avançará com uma nova descida na reunião deste mês. Contudo, continuam expectantes sobre a reunião de setembro.
Apesar de Lagarde sublinhar que são necessárias políticas restritivas, para o governador do Banco de Portugal haverá “mais alguns cortes de taxas do BCE este ano”. Em declarações à Bloomberg, Mário Centeno defendeu, contudo, que é preciso ser prudente com as taxas de juro.
Se Lagarde escondeu o jogo, o presidente da Reserva Federal norte-americana seguiu-lhe o caminho. Jerome Powell afirmou ser preciso maior confiança “antes de reduzir as taxas de juro”. “Precisamos de ver mais dados como os que temos visto recentemente”, explicou Powell, acrescentando que “os dados representam progressos significativos”.
Precisamos de estar mais confiantes antes de reduzir as taxas de juro. Precisamos de ver mais dados como os que temos visto recentemente
O responsável do banco central americano sublinhou que a Fed está a ponderar cuidadosamente os riscos associados a quaisquer mudanças que possam ocorrer no ciclo da política monetária. “Estamos bem cientes do risco de cortar demasiado cedo ou demasiado tarde. Os riscos estão a tornar-se muito mais equilibrados”, argumentou.
Ciclos da política monetária centram hoje atenções
Depois dos dois dos principais banqueiros centrais mundiais terem defendido cautela na condução da política monetária, o programa do segundo dia de debates abre com uma sessão conduzida por Luis de Guindos sobre os ciclos da política monetária. É neste âmbito que será apresentado a análise dos economistas Kristin Forbes, Jongrim Ha e M. Ayhan Kose, sobre o “efeito borboleta” das taxas de juro pela mão do BCE e da Fed, no qual consideram que a divergência da política monetária do BCE e da Fed confere complexidade ao ambiente económico atual, pelo que argumentam que prudência e gradualidade são essenciais na gestão das taxas de juro.
Segue-se uma apresentação sobre o passado, presente e futuro da produtividade na zona euro, um painel de debate sobre os drivers do equilíbrio das taxas de juro e uma conversa sobre o sistema financeiro internacional.
O dia como tradicionalmente com a cerimónia de entrega do Prémio Jovem Economista e com as declarações finais da presidente do BCE.
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