Demografia pode obrigar Portugal a ajustamento adicional para cumprir regras orçamentais
Sustentabilidade da dívida tem em conta projeções demográficas a longo prazo. Estudo coloca Portugal entre os países em que envelhecimento pode ser maior do que o esperado, obrigando a ajuste extra.
O envelhecimento em Portugal coloca o país numa posição de maior fragilidade para cumprir as novas regras europeias, podendo obrigar a um ajustamento orçamental adicional, de modo a ter capacidade para absorver eventuais choques externos.
A conclusão é de Martin Larch e Matias Busse, ambos do Conselho Orçamental Europeu (EFB, na sigla em inglês), num artigo publicado no Centre for Economic Policy Research (CEPR), que consideram que a análise da sustentabilidade da dívida (na base das orientações diferenciadas a cada país) faz todo o sentido, mas acarreta uma “incerteza substancial” em torno das previsões a longo prazo.
“Dado que muitos Estados-membros da UE enfrentam um declínio demográfico sustentado, é necessária uma avaliação cuidadosa da incerteza que rodeia as projeções demográficas“, referem, destacando que pode ter grandes impactos na política orçamental, particularmente para países com dívida elevada.
As novas regras orçamentais centram-se numa orientação mais forte a médio prazo, com a entrega do plano orçamental estrutural a quatro anos ou sete anos, construído com base na trajetória de despesa para esse período. O objetivo é garantir que os países asseguram contas públicas equilibradas e, com base numa análise mais abrangente e de sustentabilidade dívida, asseguram uma trajetória de redução sustentada do rácio.
As negociações entre os técnicos da Comissão Europeia e do Ministério das Finanças arrancam dentro de duas semanas, mas o ministro da tutela, Joaquim Miranda Sarmento, considerou que Portugal está confortável para cumprir os requisitos de Bruxelas.
Um dos indicadores a ter em conta será o saldo orçamental primário anual, que condiciona a evolução futura da dívida pública — refletindo as taxas futuras de crescimento económico, as taxas de juro e os custos do envelhecimento. É precisamente o envelhecimento que coloca a Portugal um risco acrescido. Segundo Martin Larch e Matias Busse, a dinâmica da dívida dos países com um rácio da dívida superior a 90% do Produto Interno Bruto (PIB), nomeadamente Portugal, Bélgica, França, Grécia, Itália e Espanha, é “particularmente suscetível a alterações no crescimento do produto devido ao efeito denominador”.
Um dos indicadores a ter em conta será o saldo orçamental primário anual, que condiciona a evolução futura da dívida pública – refletindo as taxas futuras de crescimento económico, as taxas de juro e os custos do envelhecimento. É precisamente o envelhecimento que coloca a Portugal um risco acrescido.
Ao mesmo tempo, estes países estão entre aqueles com as taxas de fertilidade mais baixas da UE e a sua população em idade ativa já começou a diminuir, prevendo-se que continue a cair “drasticamente em alguns casos”.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2023, a pressão demográfica sobre a população em idade atividade continuou a acentuar-se. Em 2012, por cada 100 jovens, residiam em Portugal 131,4 idosos, número que aumentou para 184,4 em 2022 e 188,1 em 2023, enquanto o índice de renovação da população em idade ativa, que corresponde ao número de pessoas dos 20 aos 29 anos por cada 100 pessoas dos 55 aos 64 anos, assume desde 2012 valores inferiores a 100.
Isto significa que o número de pessoas em idade potencial de saída do mercado de trabalho não é compensado pelo número de pessoas em idade potencial de entrada no mercado de trabalho. Em 2022 este indicador foi de 75,8 e em 2023 aumentou para 76,5. Os dados do organismo de estatística nacional indicam ainda que a idade mediana da população residente em Portugal, que corresponde à idade que divide a população em dois grupos de igual dimensão, passou de 46,9 anos em 2022 para 47,1 anos em 2023.
Numa análise divulgada em maio, a Comissão Europeia estimava que o crescente envelhecimento da população, a baixa taxa de fertilidade e a diminuição da migração líquida e da população em idade ativa se traduzam numa quase duplicação do rácio de dependência dos idosos (a proporção entre beneficiários e contribuintes do sistema de pensões) em Portugal até 2050. Segundo o executivo comunitário, este valor poderá atingir 62,8 %, o mais elevado dos Estados-Membros da União Europeia.
Dado o horizonte de projeção muito longo utilizado na análise ao país pelas regras orçamentais e o impacto de uma migração líquida mais volátil, Martin Larch e Matias Busse destacam que “as projeções da população total podem desviar-se significativamente dos resultados”. Os economistas exemplificam que as previsões do Eurostat divulgadas entre 2004 e 2010 e os resultados reais indicam uma sobreprojeção de cerca de dez pontos percentuais para Portugal e Grécia.
Utilizando as revisões médias com 20 anos de antecedência das projeções do Eurostat, específicas para cada país, os dois economistas do Conselho Orçamental Europeu simularam um choque demográfico adicional da mesma dimensão nas próximas duas décadas e concluíram que as projeções do Eurostat sobre a população em idade ativa em 2050 para os seis países são 13% mais elevadas do que nas últimas projeções.
Desta forma, consideram que no futuro “o rácio da dívida pode já não estar numa trajetória plausivelmente decrescente, mesmo que o Governo implemente o ajustamento orçamental inicialmente previsto”. No caso de não ser realizado qualquer ajustamento orçamental adicional, o rácio da dívida no final do horizonte da análise usada por Bruxelas à sustentabilidade da dívida poderá, em alguns países, acabar 10% do PIB mais elevado devido ao choque demográfico adverso.
Martin Larch e Matias Busse advertem que o desafio demográfico pode “não deixar margem para absorver outros choques que provavelmente ocorrerão”. Neste caso, para regressar a uma trajetória plausivelmente decrescente da dívida, os governos teriam de implementar um esforço orçamental adicional ou impulsionar o crescimento económico futuro.
Martin Larch e Matias Busse advertem que o desafio demográfico pode, deste modo, “não deixar margem para absorver outros choques que provavelmente ocorrerão”. Neste caso, segundo os dois economistas, para regressar a uma trajetória plausivelmente decrescente da dívida, os governos teriam de implementar um esforço orçamental adicional ou impulsionar o crescimento económico futuro, por exemplo, aumentando a produtividade ou o emprego.
“Nenhuma destas medidas é fácil de realizar, especialmente na escala necessária. Se os governos escolherem a opção da política orçamental, o ajustamento adicional necessário poderá, para alguns países com elevada dívida, atingir 0,2% do PIB anualmente no médio prazo“, estimam. Os economistas alertam que “isto pode parecer insignificante à primeira vista, mas acumulado ao longo dos anos e, somando-se ao já considerável ajuste orçamental necessário, representa um grande desafio para os governos”.
O plano orçamental estrutural de médio prazo será negociado durante o verão e, segundo Miranda Sarmento, entregue até 15 de outubro à Comissão Europeia. A data de entrega pelo Estados-membros para o primeiro bloco de planos de quatro anos está prevista para 20 de setembro, mas o prazo pode ser prolongado, por acordo entre a Comissão Europeia e o Estado-membro, por “um período razoável”, desde que de forma justificada, de acordo com o regulamento.
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