Fixar tetos para ministérios antes do Orçamento do Estado é “inútil”, diz UTAO

O Governo aprova esta sexta-feira os plafonds para 2025, mas a UTAO alerta que, como essa obrigação não tem sido cumprida, "a regra é inútil para disciplinar a execução das contas públicas".

O Governo de Luís Montenegro deverá aprovar esta sexta-feira os limites de despesa dos vários ministérios para o Orçamento do Estado para 2025, uma obrigação que já deveria ter sido cumprida com a proposta de lei das Grandes Opções do Plano 2024-2028, que deu entrada no Parlamento a 2 de julho. Porém, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) alerta que “a regra é inútil para disciplinar o desenho e a execução das contas públicas”, tendo em conta que tem sido reiteradamente violada, lê-se no relatório de apreciação à Conta Geral do Estado de 2023.

Apesar de o estudo se reportar à execução de 2023, da tutela de Fernando Medina, na altura ministro das Finanças, a entidade liderada por Rui Baleiras chama a atenção que este “escrutínio” serve também “para enriquecer o debate político que se aproxima sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2025 e a primeira geração do Programa Orçamental Estrutural de Médio Prazo”.

A UTAO lembra que a quarta alteração à Lei de Enquadramento Orçamental, introduzida em abril de 2022, continuou a indicar a necessidade de apresentação dos tetos de despesa para o ano seguinte, antes da entrega do Orçamento do Estado. Porém, tal exigência “não terá nenhuma eficácia prática”, conclui.

“Na realidade, só servirá para dar trabalho aos técnicos do Ministério das Finanças que tiverem de o continuar a elaborar, pois aquela alteração veio dizer que basta uma simples declaração do Governo no relatório que acompanha cada proposta do Orçamento do Estado para afastar a imperatividade dos tetos que estiverem na lei das Grandes Opções”., argumentam os peritos. “A única regra genuinamente nacional de disciplina orçamental é um mero emblema formal”, critica a UTAO.

Por isso, “este instrumento de condicionamento dos orçamentos anuais com preocupações de médio prazo para nada de útil serve; aliás, revela a mesma ineficácia que teve o seu antecessor, o Quadro Plurianual de Programação Orçamental (QPPO)“, lê-se no mesmo documento. E, “nem com tanta possibilidade de excecionamento, os tetos legalmente vinculativos são cumpridos“, notam os peritos. “Como está, será preferível assumir a sua revogação. Ao menos, poupava-se o trabalho dos técnicos do Ministério das Finanças que, todos os anos, ainda têm que o elaborar”, defende a UTAO.

Nem os prazos para entrega dos quadros de despesa nem os seus limites têm sido cumpridos. O Executivo da Aliança Democrática (AD) ainda não entregou os tetos de despesa para 2025 e esses quadros já deveriam acompanhar as Grandes Opções do Plano 2024-2028. Mas não é a primeira vez que um Governo viola as regras orçamentais.

A UTAO indica que, em 2023, quando estava Fernando Medina ao leme das Finanças do Executivo de António Costa, “não foi respeitada a obrigação legal de o Quadro Plurianual das Despesas públicas (QPDP) fixar imperativamente os tetos de despesa a observar pelo Orçamento do Estado (OE) de 2023 antes da proposta deste orçamento começar sequer a ser elaborada”.

A Lei de Enquadramento Orçamental manda a Assembleia da República aprovar até 15 de maio de 2022 a lei das Grande Opções, da qual consta obrigatoriamente o QPDP aplicável ao período 2022 a 2026. Ora a lei das Grandes Opções “só foi aprovada, curiosamente, na mesma altura em que o OE para 2023 foi fechado na Assembleia da República”, lê-se no mesmo relatório.

“Situação tão ou mais estranha foi o facto de nem sequer alguns tetos aprovados pela Assembleia da República para o Orçamento do Estado para 2023 (OE2023) respeitarem integralmente os tetos desse QPDP“, sinaliza a mesma entidade. Por exemplo, o Orçamento do Estado para 2023 “cumpriu o teto global de despesa fixado no QPDP para o conjunto dos setores Administração Central e Segurança Social”, mas “o mesmo não sucedeu em alguns programas orçamentais”. Os especialistas em Finanças Públicas constatam que “avultam as ultrapassagens do teto imperativo atribuídas aos programas Finanças (892 milhões de euros) e Ensinos Básicos e Secundário e Administração escolar (690 milhões de euros)”.

Governo de Costa gastou quase mais 6 mil milhões face ao previsto

Para além disso, da análise da UTAO à execução do Orçamento do Estado para 2023 face aos tetos de despesa que tinham sido fixados, constata-se que o Governo de António Costa ultrapassou os limites de despesa em seis ministérios, representando um desvio de 5.971 milhões de euros.

Os ministérios do Trabalho e da Saúde foram os que sofreram maior variação, de 4.174 milhões e de 1.246 milhões, respetivamente, representando as duas rubricas 90,8% ou 5.420 milhões de euros da diferença global.

“Comparando a execução do Orçamento do Estado para 2023 com os tetos imperativos fixados no Quadro Plurianual das Despesas Públicas (QPDP), conclui-se que […] alguns programas orçamentais violaram os limites fixados na regra nacional de despesa”, alerta a entidade liderada por Rui Baleiras.

Em concreto, “houve seis programas orçamentais que ultrapassaram o limite de despesa”. No item relativo a Órgãos de Soberania, o Estado gastou mais 19 milhões de euros do que o previsto, na Representação Externa, o limite foi ultrapassado em 278 milhões, na área da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o desvio foi de 240 milhões, no Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, a despesa adicional ascendeu a 4.174 milhões, na Saúde atingiu os 1.246 milhões e, na Agricultura e Alimentação, foi de 14 milhões de euros, de acordo com a contabilização feito pelo ECO a partir dos dados disponibilizados pelos peritos que apoiam os deputados da Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (COFAP).

Fonte: Relatório da UTAO sobre a Conta Geral do Estado de 2023

Em sentido inverso, foram respeitados os plafonds, determinados pelo Quadro Plurianual das Despesas Públicas, na Administração Central e Segurança Social, cuja despesa ascendeu a “256.419 milhões de euros, em 2023, situando-se abaixo do limite fixado, de 339.870 milhões de euros”, aponta a UTAO. Ou seja, neste caso, o Estado gastou menos 83.451 milhões do que o estimado.

UTAO critica ingerência das Finanças na gestão das entidades públicas

Neste relatório, a UTAO tem um capítulo inteiro dedicado à “intromissão do poder político na gestão das entidades públicas”, designadamente através dos chamados instrumentos não convencionais de controlo de despesa, que passam por entraves à contratação de pessoal e aquisição de bens serviços em prejuízo da eficiência dos serviços públicos.

Por isso, e a cerca de dois meses e meio da apresentação do Orçamento do Estado para 2025, a UTAO indica que esta análise “pode ser usada pelos legisladores para preparar uma lei orçamental para 2025 mais amiga da eficácia na gestão pública e da qualidade dos serviços prestados pelo setor público aos cidadãos e à economia portuguesa”.

A UTAO considera que os mecanismos não convencionais de limitação de despesa das entidades públicas não têm utilidade alguma e têm “efeitos nocivos sobre a gestão pública e a qualidade dos serviços prestados pelo setor público”. “Em 2023, permaneceram em vigor restrições à autonomia das entidades públicas, em todos os subsetores das Administrações Públicas e no setor público empresarial, para contratar serviços e recrutar recursos humanos”, lê-se no mesmo relatório. A UTAO lembra que “a contratação de trabalhadores” depende “de parecer favorável do membro do Governo de que depende o serviço ou organismo em causa e de autorização dos membros do Governo responsáveis pelas áreas de Finanças e Administração Pública”.

Por isso, “a autonomia dos órgãos de gestão de empresas do setor público empresarial para decidir a substituição de trabalhadores continuou a ser fortemente condicionada em 2023”. “Os encargos com contratos de aquisição de serviços foram igualmente condicionados na lei orçamental de 2023, de forma idêntica ao que havia ocorrido no exercício orçamental de 2022. Para além da sujeição às restrições aplicáveis a aquisições de serviços em geral, a aquisição de serviços cujos objetos tenham sido estudos, pareceres, projetos e consultoria continuaram abrangidos por restrições específicas em 2023. Por fim, a celebração ou renovação de contratos de aquisição de serviços na modalidade de tarefa ou avença esteve dependente de parecer prévio vinculativo a emitir por três responsáveis políticos: membros do Governo responsáveis pelo setor, pela área da Administração Pública e pela área das Finanças”, observa o organismo, coordenado por Rui Baleiras.

A utilização destas restrições remonta a 2011 e tem sido repetida anualmente sem alterações significativas, lamenta a UTAO. Porém, “a eliminação destas restrições não aumentaria a despesa agregada face às dotações aprovadas pela Assembleia da República, seja a despesa nas rubricas pessoal e aquisição de serviços, seja a despesa total de cada entidade pública”, defende.

Alguns instrumentos, sublinha a UTAO, “introduzem limites à despesa inferiores aos tetos de despesa aprovados pela Assembleia da República”. “Se a intenção do legislador é limitar a despesa, questiona-se por que é que o proponente dos Orçamentos do Estado não se limita a fazer isso mesmo nos mapas orçamentais que envia para a Assembleia da República? Seria mais transparente e rigoroso na fixação das restrições orçamentais individuais para cada serviço/organismo”, sugere.

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