Fim da isenção fiscal aos biocombustíveis ameaça investimentos

A iniciativa do Governo de retirar uma isenção que beneficia os biocombustíveis levanta algumas preocupações em termos do preço, mas também da descarbonização e dos investimentos na cadeia de valor.

O Governo avançou com uma proposta de lei para revogar a isenção fiscal de que beneficiam os biocombustíveis avançados. O setor assume que, como consequência, os preços destes combustíveis vão encarecer, mas o aumento poderá não ser substancial, de acordo com algumas das associações setoriais. Em contrapartida, alertam para o risco de a medida desincentivar investimentos e impactar negativamente os esforços de descarbonização do país.

Entre as Resoluções do Conselho de Ministros da passada sexta-feira era mencionada uma proposta de lei através da qual o Executivo pretende “revogar a isenção total do imposto sobre os biocombustíveis avançados”. Sendo uma medida fiscal, terá de passar pelo Parlamento. A isenção representa entre 70 milhões a 100 milhões de euros, o que pode, em algumas circunstâncias, dependendo das condições de mercado, aumentar o preço dos combustíveis em Portugal, alerta o grupo parlamentar do PS.

No laboratório são exibidas amostras de vários tipos de biocombustível e combustíveis renováveis.Hugo Amaral/ECO

A Associação Bioenergia Avançada (ABA), que promove a utilização de biocombustíveis avançados, produzidos a partir de resíduos, prevê que a revogação da isenção fiscal resulte em “produtos mais caros”.

Por seu lado, a Associação Portuguesa de Produtores de Biocombustíveis (APPB), fundada pelos principais produtores de biodiesel em Portugal, indica que “os associados estão a medir a situação e a fazer as contas” e, embora seja expectável o encarecimento do produto, levanta duas hipóteses: ou os consumidores pagam, ou altera-se a margem de quem está no negócio. “A associação espera que, como é habitual, o mercado se ajuste de modo a ser o mais eficiente possível, e a eficiência é também proteção do consumidor“, afirma Jaime Braga, secretário-geral da APPB.

A Prio, que é associada da ABA e da APPB, também indica que o aumento de custos decorrente da isenção “vai refletir-se nos preços de venda aos consumidores”. Do lado das gasolineiras, a ANAREC – Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis apoia a versão dos produtores: “Acreditamos que o impacto [da medida] não será substancial, porém, originará sempre um aumento dos preços.” A Galp e a Epcol – Empresas Portuguesas de Combustíveis e Lubrificantes preferiram não tecer, para já, comentários.

Paulo Carmona, que presidia a APPB até ao passado mês de maio e foi vice-presidente da ANAREC até esse mesmo mês, acredita que serão mais os comercializadores a “sofrer” na respetiva margem, mas que o impacto “acaba por não ser significativo no preço final” – não deve chegar a um cêntimo, prevê. Filipe de Vasconcelos Fernandes, advogado especialista em Fiscalidade da Energia, também defende que “há uma probabilidade séria” de os preços destes combustíveis encarecerem, mas afirma que ainda é cedo para se perceber o impacto ao longo da cadeia de valor.

Investimentos e descarbonização podem ser afetados

As consequências da isenção não se ficam pelo preço. “Acreditamos que a revogação total deste imposto pode prejudicar avanços já alcançados e, futuramente, inibir ou mesmo fazer reduzir investimentos, que têm potencial de gerar empregos e soluções mais verdes”, afirma o CEO da Prio, Javier de Argumosa.

“Não nos parece é que faça sentido eliminar uma medida que deu um contributo positivo para a transição energética sem haver medidas alternativas ou propostas de alteração que surjam alinhadas com o mesmo propósito da transição energética”, acrescenta o líder da Prio, reconhecendo, contudo, que o atual quadro pode ser melhorado. Na mesma linha, a ABA afirma que a isenção “não deve ser eliminada antes de se considerarem alternativas ou propostas de melhoria”.

A ABA sublinha os “resultados positivos” que atribui ao incentivo criado pela isenção, como o desenvolvimento de uma indústria de recolha e tratamento de resíduos em Portugal, investimentos em tecnologias inovadoras e a oferta de produtos mais avançados e sustentáveis, como B15, B30, B100 e HVOs, “a preços competitivos”.

Carmona apoia a iniciativa do Governo, apontando que está a ser dada uma ajuda (a isenção) em cima de outra ajuda (o sistema de dupla contagem que se aplica aos biocombustíveis e os torna mais rentáveis). Esta sobreposição “é ilegal”, indica — e, ao mesmo tempo, a isenção está também a beneficiar os biocombustíveis importados e que não enfrentam necessariamente as mesmas exigências que os produzidos em Portugal, sendo que têm sido alvo de suspeitas de estarem a usar matérias-primas virgens como o óleo de palma, em vez de residuais, prejudicando o ambiente.

Os associados da APPB têm vindo a exigir um controlo igual entre a produção nacional de biocombustíveis e as importações. “Os operadores nacionais estão sujeitos a reportes e inspeções frequentes, enquanto as importações têm apenas controlo burocrático”, explica Jaime Braga.

Os ambientalistas, na voz de Acácio Pires, da Zero, defendem que “não se justifica retirar a isenção sem uma análise mais fina” – há que distinguir os verdadeiramente sustentáveis e aqueles que não o são, e também os usos. Na visão desta organização, estes combustíveis são particularmente úteis para descarbonizar o setor da aviação e o marítimo, pelo que seria mais “adequado” cessar a isenção quando o desenvolvimento dos biocombustíveis no âmbito destas indústrias estivesse mais avançado. Por outro lado, realça, a retirada desta isenção “não é de todo a prioridade”, quando o Estado continua a subsidiar combustíveis totalmente fósseis através de descontos na taxa de carbono e no ISP do gás natural.

Um dos argumentos utilizados pelo Governo para justificar a proposta é o facto de as metas de incorporação dos biocombustíveis já terem sido atingidas. Foram ultrapassadas em mais de quatro vezes, indica Jaime Braga (a meta legal para a introdução destes combustíveis no mercado, em 2024, é de 0,7%, enquanto no final de 2023 o país atingiu os 3% e para 2030 o objetivo é 5%). No entanto, na opinião de Filipe Vasconcelos Fernandes, “o pressuposto da isenção não são as metas, mas sim a penetração dos biocombustíveis avançados na cadeia de valor. O facto de, conjunturalmente, num ano ou outro, as metas serem ultrapassadas, não é suficiente” para descartar os méritos da medida, entende.

A ANAREC alerta ainda que o fim da isenção prejudicará os revendedores dos postos de abastecimento de combustíveis que se encontram nas zonas fronteiriças, atendendo à diferença da carga fiscal em relação a Espanha. Por isso, considera que esta medida do Governo é negativa.

Oposição critica a medida

PS, Chega, Bloco de Esquerda e PAN são críticos quanto à retirada da isenção. O grupo parlamentar do PS “defende a isenção do ISP na incorporação de biocombustíveis avançados, acompanhada de um aumento da fiscalização dos biocombustíveis importados”. Já o PSD não respondeu às perguntas do ECO/Capital Verde.

O Chega afirma que importa, primeiro, conhecer a proposta concreta que o Governo irá enviar à Assembleia da República, mas afirma que o partido “tem como posição de princípio o desagravamento fiscal”. “Importa garantir um equilíbrio entre os objetivos económicos e ecológicos, reconhecendo que o consumo de biocombustíveis é ambientalmente mais responsável”, indica esta bancada.

O PAN diz-se “tendencialmente a favor” da isenção, mas sugere que esta seja mantida apenas para biocombustíveis que cumprissem requisitos de sustentabilidade, o que implicaria uma maior fiscalização para garantir que aqueles que são subsidiados são efetivamente verdes.

O Bloco de Esquerda defende que o fim da isenção deve obedecer a duas condições: a garantia de neutralidade no preço e também de que os óleos usados e outras matérias-primas residuais são usados para valorização e reutilização. “Os biocombustíveis só podem ser encarados como uma opção de recurso e absolutamente transitória, longe de estar isenta de riscos ambientais”, conclui o partido.

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