Marcelo trava decreto do Governo que impede regresso de funcionários públicos à CGA

O Presidente da República devolveu sem promulgação o diploma que impede trabalhadores de se reinscreverem na Caixa Geral de Aposentações e exige ao Executivo que apresente uma proposta de lei.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, “devolveu sem promulgação” o diploma do Governo que impede trabalhadores de se reinscreverem na Caixa Geral de Aposentações (CGA), uma vez tendo regressado à Função Pública e desde que tenham estado registados naquele sistema de proteção social antes de 1 de janeiro de 2006, data em que deixou de aceitar novos subscritores, segundo uma nota publicada esta quarta-feira no site de Belém.

Respondendo às reivindicações de federações sindicais, como a Federação Nacional dos Professores (Fenprof), que considerou o decreto-lei inconstitucional porque trata de forma desigual situações semelhantes, o Chefe de Estado exige ao Executivo que apresente uma proposta de lei a submeter ao Parlamento “assim permitindo conferir legitimidade política acrescida a tema que dividiu o topo da jurisdição administrativa e merece solução incontroversa”, de acordo com o mesmo comunicado.

O Governo já acatou a sugestão e vai aprovar uma proposta de lei que terá de ser aprovada pelo parlamento, segundo uma nota enviada pelo gabinete do Ministério da Presidência: “Na sequência da mensagem transmitida por Sua Excelência o Presidente da República […] e em consonância com a intenção aí manifestada, o Governo informa que aprovará na próxima reunião do Conselho de Ministros uma proposta de diploma legal, com conteúdo equivalente, que enviará à Assembleia da República”.

Caso Belém desse luz verde ao diploma, milhares de professores que viram os contratos interrompidos, após 1 de janeiro de 2006, com o fim do ano letivo, tendo depois regressado à escola pública com novo vínculo e outros funcionários públicos que saíram do Estado e foram para o privado tendo voltado depois a exercer funções públicas não teriam hipótese de se reinscreverem na CGA, uma vez que o mesmo decreto-lei só iria permitir a subscrição de trabalhadores que nunca saíram do Estado, mas que mudaram de carreira ou instituto, isto é, “que estiveram em continuidade na Função Públicas mas com vínculos diferentes”, como referiu o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, no briefing do Conselho de Ministros que aprovou a regra.

Na carta dirigida à Presidência do Conselho de Ministros, Marcelo Rebelo de Sousa justifica a decisão tomada com a “sensibilidade jurídica, política e social da matéria versada, a existência de jurisprudência de conteúdo contraditório ao mais alto nível da Jurisdição Administrativa – no Supremo Tribunal Administrativo“.

De facto, a matéria não é consensual entre os tribunais, muitos dos quais têm dado razão aos funcionários públicos que reclamam a subscrição na CGA, quando regressaram Estado, uma vez que já tinham estado inscritos naquele sistema de proteção social antes de 1 de janeiro de 2006.

Na sequência da mensagem transmitida por Sua Excelência o Presidente da República […] e em consonância com a intenção aí manifestada, o Governo informa que aprovará na próxima reunião do Conselho de Ministros uma proposta de diploma legal, com conteúdo equivalente, que enviará à Assembleia da República.

Presidência do Conselho de Ministros

Para além disso, Marcelo alerta que “o diploma que se pretende interpretar com efeitos a partir de 2005 é uma Lei da Assembleia da República” e como “o Governo assume explicitamente contar com alargado consenso nos partidos com representação parlamentar”, o Presidente da República decidiu então devolver sem promulgação o decreto, “solicitando que seja convertido em proposta de lei ou proposta de lei de autorização legislativa, assim permitindo conferir legitimidade política acrescida a tema que dividiu o topo da jurisdição administrativa e merece solução incontroversa”, escreve Marcelo na missiva enviada ao Ministério de António Leitão Amaro.

O comunicado do Conselho de Ministros indica que o diploma foi aprovado “após diálogo com os partidos com assento parlamentar” e que o mesmo decreto está “em linha com decisão do Supremo Tribunal Administrativo”. Mas, para o Presidente da República, não é suficiente.

O diploma do Governo baseia-se num acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 6 de março 2014 que restringe a possibilidade de voltar ao regime de proteção social da Função Pública aos trabalhadores com continuidade do vínculo público, mesmo que tenha havido mudança de instituição. Mas esta posição do Supremo contraria centenas de decisões de tribunais que foram favoráveis ao regresso de trabalhadores que saíram do Estado e voltaram mais tarde, daí a decisão de Marcelo não deixar passar o diploma do Executivo.

Até ao final de abril, foram reinscritos quase 11,7 mil trabalhadores

Até ao final de abril deste ano, foram reinscritos na CGA 11.669 trabalhadores, segundo dados do Governo avançados pela agência Lusa. A maioria, isto é, mais de 9 mil, são professores.

Com a aprovação do decreto, agora barrado por Marcelo Rebelo de Sousa, o Governo pretendia pôr fim a um braço de ferro criado, no final do ano passado, entre as estruturas sindicais representativas do Estado, nomeadamente a Frente Comum, e o Ministério do Trabalho liderado por Ana Mendes Godinho. Em julho de 2023, a CGA anunciou a possibilidade de os trabalhadores voltarem ao sistema, na sequência de várias sentenças de tribunais que deram razão aos funcionários públicos que estiveram inscritos antes de 1 de janeiro de 2006, depois saíram, e agora regressaram ao Estado. Mas o então Governo de maioria absoluta socialista decidiu suspender essa circular em novembro até avaliar os seus impactos. Ou seja, a CGA só estava a aceitar reinscrições de trabalhadores com sentenças favoráveis.

Se a norma do Governo passasse em Belém, a CGA só poderia reintegrar funcionários públicos que nunca saíram do Estado, mas que apenas mudaram de posição ou instituição pública e que, por esse motivo, cessaram a inscrição no sistema de proteção social. Ou seja, quem tivesse caído no desemprego ou tivesse ido para o privado, após 1 de janeiro de 2006, e agora voltasse a exercer funções pública ficaria excluído.

Uma das razões que levaram os funcionários públicos a querer voltar à CGA tem a ver com o regime das baixas por doença, que é mais benéfico do que o da Segurança Social. Assim, na Caixa Geral de Aposentações, nos três primeiros dias de incapacidade, não há direito a compensação alguma, sendo que a partir do 4.º e até ao 30.º dia de baixa o trabalhador recebe 90% do ordenado. Na Segurança Social, os primeiros três dias também não são remunerados, mas a partir daí e até ao 30.º dia, o subsídio corresponde a apenas 55% do salário.

A partir de 1 de janeiro de 2006, a CGA passou a ser um sistema fechado e deixou de receber novos subscritores. Assim, os trabalhadores que iniciaram ou reiniciaram funções depois de 31 de dezembro de 2005 passaram a estar inscritos no regime geral da Segurança Social.

(Notícia atualizada às 13h27)

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