Tribunal de Contas Europeu aponta medidas “problemáticas” em Portugal nos fundos para o clima

Contributo do Mecanismo de Recuperação e Resiliência para a ação climática e a transição ecológica "não é claro". Portugal foi um dos países analisados pelo TCE e apresenta medidas "problemáticas".

O contributo do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) para a ação climática e a transição ecológica “não é claro”, afirma o Tribunal de Contas Europeu (TCE), na sequência de um novo relatório. Esta entidade calcula que “pelo menos” 35 mil milhões de euros do montante total que a Comissão Europeia afirma ter sido despendido em ação climática podem não ter fundamento. Portugal foi um dos países analisados e apresenta algumas medidas que o TCE considera “problemáticas”.

Os planos que executam [o MRR] são muito pouco precisos, há diferenças entre o planeamento e a prática e não se sabe bem quanto dinheiro foi aplicado diretamente na transição ecológica“, critica Joëlle Elvinger, membro do TCE responsável pelo relatório.

O MRR é um pacote de financiamento no valor de 700 mil milhões de euros que a União Europeia lançou na sequência da pandemia de Covid-19. Cabe aos países da União elaborarem planos de recuperação e resiliência que estabelecem marcos a alcançar e a estimativa dos respetivos custos. Na fase de planeamento, pelo menos 37% do financiamento tem de ser canalizado para a ação climática, contribuindo para o objetivo da UE de alcançar emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa até 2050.

Em fevereiro, a Comissão Europeia considerou que esta fasquia de 37% já havia sido ultrapassada: 42,5% das dotações teriam sido destinadas à ação climática, o correspondente a 275 mil milhões de euros.

No entanto, o TCE discorda da fórmula usada pela Comissão, falando no relatório de uma “sobrestimação provável”. Nas contas do tribunal,provavelmente o contributo do MRR para a ação climática é 34,5 mil milhões de euros mais baixo do que o comunicado“, lê-se no relatório.

Entre a estimativa da Comissão e do TCE, a diferença está nos coeficientes estabelecidos no regulamento do MRR para os setores ferroviário, linhas elétricas e novos edifícios, que permitem estimar o quanto o investimento nestas áreas contribui para a transição climática. “Estes coeficientes não têm em conta, por exemplo, as emissões de gases com efeito de estufa da fase de construção dos investimentos, o que faz com que o contributo climático real seja inferior”, explica o TCE.

Em paralelo, o Tribunal aponta que alguns projetos classificados como ecológicos não têm uma ligação direta com a transição ecológica.

O Tribunal de Contas afirma ainda que ” o quadro de desempenho não permite acompanhar o impacto de todas as medidas de apoio à transição ecológica e não abrange aspetos fundamentais”, como a redução das emissões de gases com efeito de estufa ou o contributo para os objetivos ambientais.

Portugal com medidas “problemáticas”

Para analisar o processo de conceção e a execução das medidas de transição ecológica nos PRR, o Tribunal selecionou quatro Estados-Membros para visitas no local: Grécia, Croácia, Portugal e Eslováquia. Na amostra de 24 medidas, 14 são “problemáticas”, indica o TCE.

Neste grupo “problemático” inserem-se as medidas “cujos indicadores não dão informações suficientes para se poder conhecer o desempenho climático”. E Portugal surge mesmo como exemplo. Em causa está uma medida que inclui ações de sensibilização e prevenção em matéria de incêndios florestais. O resultado esperado é que 30% da população portuguesa beneficie desta medida de adaptação, mas “o Tribunal considera que este indicador não fornece informações precisas sobre o impacto desta medida no clima, dado que vai além do alcance da medida”.

Além disso, Portugal financiou os projetos de arquitetura e as obras de renovação de centros de proteção civil em zonas rurais, com o Tribunal a considerar que “estas despesas têm apenas uma relação moderada com a adaptação às alterações climáticas”.

Também é descrita como “uma abordagem problemática” à avaliação do princípio de “não prejudicar significativamente” num grande investimento nos transportes públicos, referente à ampliação da rede de Metro de Lisboa. Portugal considerou que a medida não tinha um impacto potencialmente negativo nas alterações climáticas.

No entanto, “é inevitável que o projeto emita uma quantidade significativa de gases com efeito de estufa durante a fase de construção” e, como a avaliação do princípio não foi aprofundada, as autoridades nacionais não puderam verificar de que forma as emissões seriam compensadas pela poupança realizada quando o projeto estiver operacional, acusa o Tribunal de Contas.

no que toca a medidas cujo orçamento previsto “era demasiado elevado em relação à meta a atingir”, refere em Portugal uma medida de renovação de edifícios privados para melhorar a sua eficiência energética. O Tribunal constatou que os projetos financiados excederam 10 vezes a meta de área renovada (10 milhões de metros quadrados) com 41% dos custos estimados.

Por fim, o Tribunal deteta “atrasos na execução” nos projetos de produção de hidrogénio. Estes “têm de passar por um processo moroso para obter uma autorização de exploração”, indica, sendo que os atrasos na obtenção de licenças e as perturbações na cadeia de abastecimento terão abrandado a execução. Em Portugal, à data da visita do Tribunal (julho de 2023), apenas um dos 23 projetos aprovados tinha recebido um adiantamento para iniciar os trabalhos. Esta medida ascende a 255 milhões de euros e financia 277 megawatts de potência adicional para produzir hidrogénio a partir de fontes de energia renováveis e hipocarbónicas.

Foram analisadas seis medidas em cada país. Em relação às medidas portuguesas de “descarbonização da indústria” e “bioeconomia” o documento não tece conclusões.

TCE recomenda melhor acompanhamento

Neste sentido, o TCE recomenda à Comissão que “estime melhor” as despesas relacionadas com o clima no quadro de futuros instrumentos de financiamento e que garanta uma “conceção adequada” dos mesmos, para que possam apoiar objetivos verdes. Já uma ótica de melhorar o desempenho das medidas de transição, o Tribunal urge a Comissão a colmatar a falta de uniformidade na aplicação do princípio de “não prejudicar significativamente”, até junho de 2025.

A mesma entidade sugere também que, até dezembro do próximo ano, caso as medidas relacionadas com a transição sejam revistas, deve ser assegurado que os marcos e as metas acompanham os progressos das medidas até à sua conclusão, a fim de permitir avaliar se as estas alcançaram os seus objetivos climáticos e ambientais.

Por fim, até ao final de 2026, o TCE recomenda que a Comissão publique as informações já facultadas pelos Estados-Membros sobre os custos reais das medidas relacionadas com o clima, que os compare com os custos estimados nos planos nacionais e recalcule o contributo climático efetivo para alcançar a meta de 37%.

 

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