BRANDS' ADVOCATUS Não deixem que o Estado seja ridicularizado
Filipe Lobo d’Avila, Advogado, Country Manager Rödl & Partner, partilha a sua opinião sobre a fuga do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus.
Nos últimos dias o País assistiu de forma atónita, quase em directo, a mais um colapso da credibilidade do Estado. Primeiro, com a fuga do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus. Depois, com a conferência pública de diferentes agentes e forças do Sistema de Segurança Interna (de onde, em bom rigor, só se salvou o Diretor Nacional da Polícia Judiciária).
Perante o silêncio ensurdecedor da Ministra da Justiça o espaço público foi ocupado por 48 horas com diferentes representantes sindicais e com imagens sucessivas da famigerada escada da fuga que ridiculariza o Estado, ridiculariza a Direção-Geral dos Serviços Prisionais e ridiculariza, em geral, todos os agentes públicos.
Percebo que a Ministra preferisse falar quando estivesse munida de todas as informações relevantes. Percebo também que os Directores-Gerais têm que assumir responsabilidades, inclusivamente de comunicação (que saudades de Luis Miranda Pereira ou de Maria Clara Albino). Reconheço também que o excesso de comunicação pode ser pernicioso, sobretudo quando estamos a falar de políticos com provas profissionais dadas mas com reduzida – ou nenhuma – experiência política. E aí lamento dizê-lo mas não.
O Governo não falou no tempo devido. Falou tarde e falou mal. A comunicação efetuada – e a comunicação autorizada – em vez de tranquilizar levantou mais dúvidas. Em vez de clarificar trouxe perplexidade. Demonstrou que o problema é transversal e inclui igualmente Governos anteriores. Verdadeiramente, ninguém sai bem da fotografia.
"A ausência de comunicação, alimentada apenas com a comunicação do Director-Geral dos Serviços Prisionais foi um momento de gestão de crise absolutamente desastroso”
Momentos de crise não são momentos normais de comunicação (recordo a aprendizagem obtida com o Ministro Miguel Macedo ou mesmo com o Vice-Ministro Paulo Portas em diferentes momentos de crise, vividos no Ministério da Administração Interna nos anos da troika). Não quero ser injusto com a Ministra da Justiça, pessoa com reconhecidas capacidades profissionais e profundo conhecimento do sector, mas o estado de graça desapareceu ao ritmo dos 4 minutos fatídicos da fuga. Terá que ser a primeira a ter noção disso, já que fica sem margem de erro.
A ausência de comunicação, alimentada apenas com a comunicação do Director-Geral dos Serviços Prisionais foi um momento de gestão de crise absolutamente desastroso. Atrevo-me mesmo a dizer que depois das declarações públicas proferidas pelo Diretor-Geral não restaria outra alternativa que não fosse uma saída consensualizada ou a demissão imediata do cargo.
O Governo deve reconhecer isso mesmo para evitar que comunicacionalmente situações destas se possam repetir. Também elas contribuem para a ridicularização das instituições e do Estado.
Numa altura em que o País político se entretém a discutir e negociar um orçamento do Estado que todos fingem não querer aprovar, mas que naturalmente terá que ser aprovado, há estruturas centrais da Governação que merecem, seguramente, um processo negocial intenso e rápido das principais forças políticas. O objectivo pode ser bem simples: evitar que o Estado, no âmbito do exercício das suas funções de soberania, seja ridicularizado ou volte a ficar numa situação tão insustentável como esta de Vale de Judeus ou como a outra de Tancos.
Infraestruturas obsoletas, escassez de recursos humanos especializados, ausência de perspetiva de carreira, falta de condições de progressão e carreira. Se pensarmos nas estruturas centrais da Governação, onde o Estado assume funções de soberania – Segurança, Defesa e Justiça – chegamos à conclusão que o cenário actual é preocupante. Há uma degradação evidente e falamos de profissões que precisam de futuro.
Com isto, não quero desvalorizar a importância da aprovação do Orçamento do Estado. Os principais Partidos seguramente não deixarão de encontrar a narrativa necessária para aprovar o OE 2025. Seja invocando o sentido de Estado, seja o cumprimento do programa político, seja o benefício da dúvida, seja até o próprio interesse nacional. É óbvio que o Orçamento para 2025 terá que ser aprovado e julgo que nenhum responsável político está hoje convencido do contrário (mesmo que não subscreva as opções políticas, económicas e sociais do actual Governo).
O País não se pode dar ao luxo de transmitir uma imagem de imaturidade, de incerteza e de instabilidade. Do ponto de vista económico, social e político é tudo aquilo que o País neste momento não precisa. É tudo aquilo que empresas e famílias agora dispensam, sobretudo num momento em que existe a expetativa de se conseguir começar a recuperar alguma competitividade financeira e bancária com impacto directo no orçamento das empresas e das famílias.
Os políticos responsáveis não podem ignorar esta realidade. Aliás, mesmo Pedro Nuno Santos, se fizer bem as coisas, poderá ter aqui o volte-face que tanto ambiciona para mostrar também que acima do seu interesse pessoal e partidário está o interesse nacional. Por outro lado, isso obrigará a que PSD se concentre mais na governação a prazo e não numa governação preocupada com as eleições do dia seguinte.
Dito isto, este é também o momento para que os Partidos do arco da governabilidade se encontrem e possam debater em conjunto soluções para evitar a degradação do Estado e das instituições. Ela está aí e entra todos os dias pela televisão, seja nas prisões, nos quartéis, nas esquadras ou nos Tribunais. Nestas três áreas de soberania importa definir um caminho que possa ser imune às naturais alternâncias partidárias. Os Partidos que estiveram no Governo, os que estão novamente, têm todos responsabilidades sérias nestas três áreas e só uma infantilidade política-partidária justifica que não se entendam sobre linhas mestras de actuação.
Há que recuperar o edificado, há que reforçar equipas de agentes e funcionários públicos essenciais às funções de soberania, há que dar perspectiva de carreira e de progressão e há que valorizar profissões.
Estamos a falar de profissões essenciais a funções de soberania: militares, polícias, guardas de forças e serviços de segurança especializados, magistrados, oficiais de justiça, apenas para dar alguns bons exemplos. Não podemos repetir Tancos ou Vale de Judeus.
Alguém pode garantir que amanhã mesmo não poderemos ser confrontados com uma qualquer situação bizarra numa Prisão, num Quartel, numa Esquadra ou mesmo num Tribunal?
Não deixem que o Estado seja ridicularizado. Não há tempo a perder.
Filipe Lobo d’Avila, Advogado.
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