Sem contrapartida, acionistas da Reditus podem ir contra a gestão

Sucessivos adiamentos de divulgação de resultados, que tinham levado a Euronext a colocar a Reditus no compartimento de penalização da bolsa em 2021, justificaram a exclusão. Reditus já não negoceia.

Desde esta segunda-feira, 16 de setembro, que as ações da Reditus já não negoceiam na bolsa portuguesa. O adeus ao mercado daquela que é a tecnológica mais antiga da praça lisboeta deu-se 37 anos após a estreia em bolsa, tal como o Negócios avançou esta segunda, e depois de a empresa ter estado mais de três anos no compartimento de penalização da bolsa portuguesa devido às falhas na divulgação de informação financeira ao mercado. Sem direito a uma contrapartida, devido à exclusão ter partido de uma decisão da Euronext, os investidores podem responsabilizar a gestão, liderada por José-Louis Pagés, pelos danos causados.

Passou pelo boom das tecnológicas, que levou os títulos a escalarem até uns inéditos 13,7 euros; chegou a cotar no principal índice da bolsa, onde entrou de mão dada com a outra tecnológica, a Novabase, no início de 2005; e ficou como um dos símbolos da euforia da bolha das “dot.com” no mercado português. No entanto, os últimos anos em bolsa foram tudo menos gloriosos. As falhas na divulgação de resultados [os últimos números conhecidos foram os lucros de 2022, que mais que triplicaram] colocaram a empresa no radar da gestora da bolsa, dos investidores e do regulador, culminando com a exclusão do mercado de capitais.

Os acionistas tinham acesso limitado à informação financeira da empresa, devido à ausência de relatórios anuais auditados nos últimos anos; as ações da empresa estavam no Penalty Bench há mais de 36 meses (passaram para este compartimento em Julho de 2021); a empresa continuava a não cumprir as obrigações regulamentares.

Fonte oficial da Euronext Lisbon

“A Euronext tomou a decisão de excluir a Reditus do mercado Euronext Lisbon após uma avaliação cuidadosa do seu incumprimento das regras do mercado a que está sujeita“, explicou fonte oficial da gestora da bolsa portuguesa ao ECO. Segundo a Euronext, “os acionistas tinham acesso limitado à informação financeira da empresa, devido à ausência de relatórios anuais auditados nos últimos anos; as ações da empresa estavam no Penalty Bench há mais de 36 meses (passaram para este compartimento em Julho de 2021); e a empresa continuava a não cumprir as obrigações regulamentares (Regra 61005/1)”, justifica.

A Regra 61005/1 da Euronext prevê a possibilidade de a gestora remover valores mobiliários listados nos seus mercados por sua própria iniciativa com base em qualquer motivo apropriado, incluindo situações em que exista o incumprimento manifesto do Emitente em relação às obrigações impostas e aos requisitos estabelecidos nas Regras ou no Formulário de Aplicação.

“Estar cotado significa privilegiar a transparência para que os investidores tenham informação para tomarem as suas decisões de investimento adequadamente”, aponta fonte oficial da bolsa portuguesa, acrescentando que, “quando uma emitente não cumpre esses deveres de informação, é avisada, e, caso não corrija, é colocada no penalty bench para que os investidores percebam que a empresa não está a prestar a informação a que é obrigada, havendo um acesso limitado à informação financeira da empresa”, o que aconteceu com a Reditus em 2021.

Três anos após estar “sob aviso” da Euronext e sem regularizar a situação, a Euronext decidiu avançar com a penalização mais grave: a exclusão. Esta decisão foi comunicada à empresa a 11 de julho e efetivada esta segunda-feira, dia 16 de setembro. Os títulos transacionaram no mercado de capitais pela última vez na passada sexta. A empresa abandona o mercado a valer 3,6 cêntimos por ação.

Questionada pelo ECO sobre a decisão da Euronext, a empresa apenas adiantou que “a exclusão de Bolsa das ações da Reditus é uma decisão da Euronext, sobre a qual a Reditus não faz comentários.” “De qualquer forma, a Reditus não deixará de cumprir com as suas obrigações para com todas as entidades, tendo inclusivamente já comunicado em agosto, que manterá a publicação de todas as informações relevantes para os acionistas no seu website“, acrescentou a tecnológica, que prevê agora divulgar os resultados do primeiro semestre de 2023, feita a 21 de agosto.

Contrapartida? Quem paga?

Uma vez que a decisão de perda de qualidade de sociedade aberta não partiu dos acionistas da empresa, é pouco provável que haja lugar à fixação de uma contrapartida para os investidores. Quer isto dizer que quem tem ações, as mantém, podendo negociá-las fora do mercado. Contudo, poderá ser difícil aos investidores encontrar um comprador para os seus títulos, forçando-os a manterem-se acionistas de uma empresa que agora já não está cotada em bolsa.

“Há uma alteração substancial da situação jurídico-económica e que quase garantidamente provoca danos aos acionistas e deveria ser fixada uma contrapartida”, explica Octávio Viana, presidente da Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais (ATM).

Há uma alteração substancial da situação jurídico-económica e que quase garantidamente provoca danos aos acionistas (…) Gestão pode ser responsabilizada.

Octávio Viana

Presidente da ATM

Octávio Viana recorda o caso da Brisa, onde a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários fixou uma contrapartida a pagar aos acionistas, após o pedido de perda de qualidade de sociedade aberta, por parte dos maiores acionistas da concessionária.

Neste caso, ainda que admita que fizesse sentido uma decisão semelhante por parte do regulador, o representante desta associação de pequenos investidores reconhece que “não há ninguém a quem exigir essa contrapartida. Não há a quem imputar, porque a perda de qualidade de sociedade aberta não resultou de nenhuma alteração pedida pelo acionista”, ainda que “a perda de sociedade aberta representa uma perda grande para os acionistas.”

Segundo Octávio Viana, uma vez que a expulsão do mercado “resultou de um comportamento da gestão”, ao não divulgar contas e adiar sucessivamente as datas indicativas de reporte da informação financeira, os investidores podem agir judicialmente contra a gestão: “causou prejuízo aos acionistas e por isso pode ser responsabilizada, podem avançar contra a gestão.”

Para já o representante da associação de pequenos investidores diz que não há ações a serem preparadas, mas um investidor com uma posição relevante no capital está a equacionar todas as possibilidades.

Não apresentar contas durante três anos é um facto gravíssimo, ainda por cima estando cotada e disponível para os investidores comprarem.

Pedro Lino

Presidente da Optimize

Não apresentar contas durante três anos é um facto gravíssimo, ainda por cima estando cotada e disponível para os investidores comprarem“, atira Pedro Lino, presidente da Optimize. Para o mesmo responsável, “infelizmente temos mais algumas situações de empresas nestas circunstâncias no mercado secundário.”

“É um mau sinal para os investidores, que só não tem impacto pela irrelevância da empresa no mercado português”, realça, notando que “nos EUA temos empresas cotadas em mercados secundários, as pink sheets, que são empresas que também não apresentam resultados ou estão perto da falência. Mas em Portugal torna-se mais uma empresa a dar prejuízo aos investidores.”

Pedro Oliveira concorda, apontando que “as empresas cotadas em bolsa têm de cumprir com diversos requisitos e quando os mesmos não são cumpridos há decisões que têm de ser tomadas pelas entidades competentes o que terá acontecido neste caso”

Para o trader do Banco Carregosa, “a mensagem que passa para os investidores é a necessidade de transparência das empresas cotadas em bolsa, a necessidade de as regras serem cumpridas e o facto de haver entidades reguladoras que estão atentas e que se esforçam por defender essas exigências.”

A saída de bolsa da Reditus acontece algumas semanas depois de outra cotada portuguesa, a Inapa, ter entrado com um pedido de insolvência, o que levou as ações da companhia a serem colocadas num compartimento especial da bolsa para empresas em processo de insolvência, em mais um caso que deverá resultar em perdas significativas – senão totais – para os pequenos investidores.

Miguel Pais do Amaral é o maior acionista da Reditus, com 25,6% do capital da empresa. A família Moreira Rato detém 10,12% e Daniel Bernardes Oleiro possui 6,05%, sendo que quase 50% do capital estava disperso em bolsa.

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