“Economia pode e deve ajudar a salvar a floresta portuguesa”

  • ECO
  • 8 Outubro 2024

Secretário de Estado das Florestas reforçou o compromisso do Governo em criar mecanismos que recompensem a gestão dos terrenos. Valor económico da floresta supera os 2,2 mil milhões de euros.

Desde o início do ano, já arderam em Portugal perto de 150 mil hectares, o terceiro pior valor da última década e o pior desde os grandes incêndios de 2017. “Precisamos de um pacto de regime não só entre partidos, mas com toda a sociedade. Acho que nos últimos 20 anos não aprendemos nada”, criticou António Luís Marques, diretor da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), durante a conferência “A Economia pode salvar a floresta?”. No evento – com organização do ECO e apoio do CCB, da Central de Biomassa do Fundão e da Toscca – juntaram-se empresários, investigadores e decisores públicos para refletir sobre o problema crónico do país com os fogos florestais.

António Luís Marques, diretor da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP)Hugo Amaral/ECO

Para o responsável da CAP, um dos grandes obstáculos à valorização económica da floresta “é a falta de atitude” na sua gestão, que em grande medida se deve ao “receio castrador” de falar “em economia, em privados, em investimento privado”. “A floresta pode salvar a economia”, sublinha. Mas para que isso seja possível, há problemas que é preciso superar e um deles é a dispersão da propriedade dos terrenos, que dificulta a gestão e torna, muitas vezes, a limpeza inviável.

Henrique Pereira dos Santos, arquiteto paisagista, que também participou no painel “Floresta e Economia: oportunidades de crescimento”, acrescenta o que considera ser “um problema de competitividade”. “O setor florestal não vale um caracol em Portugal”, aponta, distinguindo entre o que é o valor gerado pela produção florestal e a atividade industrial, onde realmente se gera valor. Porém, na opinião de Pereira dos Santos, é preciso criar mecanismos que recompensem aqueles que fazem gestão ativa da floresta e, com isso, assegurar que a mancha verde nacional se torna mais resiliente aos fogos.

Henrique Pereira dos Santos, arquiteto paisagistaHugo Amaral/ECO

Para Manuel Pitrez de Barros, diretor-geral da Centrais de Biomassa do Norte (CBN), é fundamental que haja “mais centrais de biomassa” em Portugal, a começar pelas áreas com maior risco de incêndio já “mapeadas pelo Governo”. “Após os grandes incêndios de 2017, deveriam ter sido lançados 61 MW de centrais de biomassa, mas ainda nenhuma foi adjudicada”, acrescenta. Sobre a importância da reflorestação, Pitrez de Barros lembra ainda que “uma árvore quando está a crescer consome sete vezes mais carbono do que uma árvore adulta”.

Manuel Pitrez de Barros, diretor-geral da Centrais de Biomassa do Norte (CBN)Hugo Amaral/ECO

A opinião de Pedro Pinhão, fundador da Toscca, vai no sentido de pagar aos proprietários os serviços de ecossistema, em particular a fixação de carbono, que deve ser paga “direta ou indiretamente por todos nós”. “O valor económico para a madeira está lá, mas num futuro próximo diria que a sequestração do carbono tem de ser algo pago”, insiste.

Conferência "A Economia pode salvar a floresta?" - 08OUT24
Pedro Pinhão, fundador da TosccaHugo Amaral/ECO

 

Floresta vale 2,24 mil milhões

O diretor do ECO, António Costa, assinalou esta manhã que “às vezes parece que temos vergonha de discutir o valor económico da floresta” e defendeu a necessidade de promover uma “discussão ativa e com tempo” sobre o tema. Alinhada com estas palavras esteve Lívia Madureira, professora da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), que apresentou os resultados do estudo ECOFOR – Valorização Económica dos Bens e Serviços dos Ecossistemas Florestais em Portugal. A investigadora lamentou que “o económico seja diabolizado” e reiterou a importância de permitir que “proprietários e agentes económicos possam capturar valor” a partir da floresta.

Na pesquisa do ECOFOR, os autores concluíram que o valor económico da floresta fosse de cerca de 2,24 mil milhões, com exceção do ano de 2017 em que se registou uma quebra acentuada na sequência dos grandes incêndios. Este valor inclui não apenas a madeira, mas também o sequestro de carbono, proteção dos recursos hídricos e dos solos ou até mesmo as atividades de recreio. Lívia Madureira sugere uma aposta na inovação em modelos de negócio, bem como uma melhor remuneração dos gestores deste património natural.

Navigator defende redirecionamento do Fundo Ambiental

Nuno Neto, diretor de Património e Produção Florestal da Navigator, revelou durante a conferência do ECO que a empresa registou incêndios em quase 2% da sua área florestal, acima da média habitual de 1,5%. Apesar do aumento, a multinacional consegue evitar perdas maiores não apenas pela gestão da floresta e investimento em prevenção, como também através do projeto de defesa que tem em parceria com a Altri. Trata-se de uma equipa com meios de combate a incêndios responsável por cerca de 200 mil hectares e que custa, em média, três milhões de euros por ano. “Em prevenção, gastamos seguramente mais do dobro disso entre as duas empresas. Algures entre 7 e 10 milhões por ano”, explicou.

Conferência "A Economia pode salvar a floresta?" - 08OUT24
Nuno Neto, diretor de Património e Produção Florestal da NavigatorHugo Amaral/ECO

O gestor diz ainda que “temos um investimento florestal gigantesco todos os anos em Portugal”, mas em “aviões, bombeiros e reconstrução de casas” que podia ser utilizado para os esforços de prevenção. “Alocar recursos no inverno vai fazer com que parte desses recursos não sejam necessários em época de incêndios”, acrescenta. O Fundo Ambiental, defende, deve ser mais redirecionado para a gestão dos combustíveis que alimentam os fogos.

No último painel da conferência, dedicado ao tema “Valor Económico da Floresta”, o diretor-geral da Biond lamentou que o eucalipto continue a ser visto como uma “espécie invasora” quando é, na verdade, aquela que mais potencial de rendimento apresenta aos investidores. “Essa é uma das espécies que mais atrai os investidores, que tem maior rendibilidade e que é das mais resistentes aos incêndios quando é bem gerida”, continuou Gonçalo Almeida Simões, lembrando ainda que o que mais arde no país, “na ordem dos 45%, são matos”.

Nuno Calado, diretor de sustentabilidade e floresta na Sonae Arauco, revelou que a empresa que representa tem dois perfis de gestão de propriedades: de minifúndio, com até quatro hectares, e das grandes áreas, com 500 ou 1.000 hectares. “O setor florestal é essencial para cumprir essa promessa [da neutralidade carbónica até 2045]. Isto não significa que não se corte madeira, significa que não pode arder floresta”, apontou.

No caso da Biond, a empresa promove programas operacionais em parceria com associações de produtores florestais com vista à gestão de combustível, mas também reflorestação. “Já investimos cerca de 19 milhões de euros nestes programas em 90 mil hectares”, diz Gonçalo Almeida Simões, acrescentando que estas iniciativas já impactaram “cerca de 10 mil proprietários”.

90 dias para conhecer plano de ação

A conferência contou ainda com a presença do secretário de Estado das Florestas Rui Ladeira, que reforçou o compromisso assumido pelo Governo no final de setembro para a apresentação, em 90 dias, do Plano de Intervenção para a Floresta 2025. “Este trabalho pretende que a nossa floresta seja mais rentável, melhor gerida e mais resiliente aos incêndios”, disse.

Conferência "A Economia pode salvar a floresta?" - 08OUT24
Rui Ladeira, Secretário de Estado das FlorestasHugo Amaral/ECO

Para que isso seja possível, o executivo quer “aumentar o rendimento de todos os agentes do setor” e, com recurso a todo “o conhecimento existente no país”, assegurar a “proteção dos ecossistemas”. “A economia pode e deve ajudar a salvar a floresta”, reiterou.

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