“Painéis solares têm mesmo de estar nalgum sítio” e simplex não trouxe “nada de positivo”

João Matos Fernandes identifica como desafios à descarbonização o licenciamento de projetos renováveis, mas também o consumo energético associado à digitalização e a gestão de materiais.

Numa altura em que têm sido divulgados casos de não aprovação de projetos de energias renováveis, o ex-ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, alerta: “os painéis solares têm mesmo de estar nalgum sítio“. Em paralelo, critica a simplificação que foi feita no licenciamento de projetos de renováveis, ainda com o anterior Governo. “O simplex ambiental não trouxe nada de positivo“, considera.

O ex-governante rejeita as críticas que “andam a atapetar Portugal”, no sentido de se estar a cobrir o país com painéis solares. Ainda assim, concede: “Sim, existe uma pegada ambiental associada à transição energética, mas temos de a saber cuidar“. Caso contrário, se as populações apoiarem a transição “em tese” mas não “no concreto”, “não vamos conseguir” cumprir com as metas a que nos propomos nesta área, prevê.

No âmbito da implementação dos projetos, “o simplex ambiental não trouxe nada de positivo“, considera, apontando para a pressão que se coloca sobre as entidades públicas para dar uma resposta no prazo de 100 dias, nalguns dos casos. Caso os licenciadores não consigam fazer a avaliação correta no calendário proposto, Matos Fernandes “não condena” que estes optem pelo indeferimento em vez de se avançar para o diferimento tácito que está previsto na lei.

Estas declarações foram proferidas na 4.ª Conferência Anual do Capital Verde, a Green Economy Forum, que decorre esta terça-feira, em Vila Nova de Gaia.

Esta perceção é dada na sequência de a Agência Portuguesa do Ambiente ter chumbado vários projetos de energias renováveis, incluindo duas centrais solares flutuantes da Finerge e o investimento em bombagem hidroelétrica da EDP em Alto Lindoso.

Durante a apresentação que fez no início da conferência, Matos Fernandes salientou que em 2027 estima-se que a produção de eletricidade a partir de fonte solar já tenha mais expressão em capacidade instalada do que o carvão. “O solar vai ser a principal fonte de eletricidade antes do final desta década. Em Portugal é muito evidente”, afirmou.

Eletricidade barata será motor económico

João Matos Fernandes é perentório na acusação: é “mentira” que Portugal tem a eletricidade mais cara da Europa. Pelo Contrário, o preço da eletricidade doméstica está 26% abaixo da média europeia e 5% abaixo do de Espanha. Na indústria, Portugal tem o quinto preço da eletricidade mais baixo da Europa. “Não conheço nenhum industrial que diga que a eletricidade em Portugal é cara“, rematou.

Para Matos Fernandes, o facto de a Península Ibérica ser uma “ilha energética” – dadas as parcas ligações elétricas com o resto da Europa e a oposição de França a que estas se desenvolvam – “é, em tese, uma coisa negativa”. No entanto, realça o reverso da moeda: “muito melhor que vender eletrões, é vender serviços e produtos prestados com eletrões verdes”, e o excesso de produção de eletricidade, que não possa ser escoada para alimentar o resto da Europa, “é absolutamente essencial para atrair projetos industriais para Portugal“. O valor acrescentado destes produtos e serviços “é muito maior que os eletrões que podiam passar na rede”.

Digitalização e materiais impõem dificuldades

O ex-governante alerta para o “impressionante” consumo de eletricidade dos centros de dados que estão a proliferar pelo mundo. “Depois de anos a dizê-lo com convicção, que a digitalização é essencial, hoje em dia temos de reabrir esta discussão“, considera.

Por outro lado, se é verdade que “já há um divórcio entre as emissões [poluentes] e a economia, sobretudo à boleia da evolução no setor da energia, “do lado dos materiais não temos feito quase nada”, denuncia. Isto, quando 45% das emissões está relacionada com forma como produzimos e consumimos. “Não temos feito nada na melhor gestão dos materiais. O consumo de materiais cresce em absoluto paralelo à criação de riqueza“, concluiu.

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