COP procura financiadores para angariar entre 100 mil milhões e um bilião
O grande objetivo da Conferência do Clima é conseguir consolidar as fontes de financiamento e engordar os valores dedicados à causa climática. Apesar das grandes ausências, acredita-se num acordo.
O quarto dia da 29.ª Conferência das Partes (COP29), esta quinta-feira, é dedicado especificamente ao tema “Finanças, Investimento e Comércio” — o tema forte daquela que já é apelidada a “COP das Finanças”, dado que os grandes objetivos estão precisamente debaixo deste chapéu. O grande número em cheque é a meta de 100 mil milhões de dólares que deveriam ser angariados, anualmente, para a ação climática, desde 2020. O desafio agora é acordar qual será o valor a angariar a partir de 2025, e quem irá contribuir para o novo “bolo”. Se a União Europeia concede uma duplicação do financiamento como objetivo, os ambientalistas querem puxar a fasquia até 1 bilião de dólares.
A Rede Internacional de Ação Climática (Climate Action Network) é uma das associações ambientalistas a considerar que, “no mínimo”, deve ser acordado um financiamento anual de um bilião de dólares por ano em subsídios públicos para apoiar os países em desenvolvimento. “Sabemos que é um valor que parece excessivo, e por exemplo a União Europeia aponta apenas para uma duplicação desse financiamento, mas este é um valor credível face às necessidades globais para mitigação e adaptação”, explica Francisco Ferreira, presidente da associação portuguesa Zero.
Mas a verdade é que, mesmo o valor atual, de 100 mil milhões de dólares, acordado na COP de 2009 para ser aplicado em 2020, só foi atingido — e ultrapassado — em 2022, quando os países desenvolvidos conseguiram angariar 115,9 mil milhões, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Fundos públicos suportaram 80% do total.
Para a ministra do Ambiente portuguesa, Maria da Graça Carvalho, que está a representar Portugal na COP em Baku, no Azerbaijão, o resultado deverá ser, “no máximo”, duplicar os atuais 100 mil milhões, apesar de reconhecer “necessidades muito grandes”. Para a responsável, o esforço deve centrar-se em “chamar a atenção aos países que, neste momento, não contribuem” pois, com uma base de doadores mais alargada, “a cada ano podia-se aumentar o valor e seriam mais a partilhar esse esforço”. Considera importante que não se feche um valor sem ter definido antes esta base.
A cada ano podia-se aumentar o valor e seriam mais a partilhar esse esforço [caso se alargue a base de financiadores]
A eurodeputada do PSD, Lídia Pereira, que vai presidir à delegação que vai representar o Parlamento Europeu na COP29, acredita que “mais do que estarmos a fixar novos valores, o importante é assegurar que todas as partes cumprem com o que se comprometem e que quem poluiu mais seja responsável por contribuir”. Para a eurodeputada, a expectativa parece estar ainda mais baixa: “qualquer valor que seja definido, inferior aos valores atuais de 100 mil milhões de euros, será um fracasso“, atira.
Mas esta “grande” meta não é a única em jogo. Espera-se que nesta COP seja operacionalizado o Fundo de Resposta a Perdas e Danos (FRLD), criado na edição do ano anterior. Em paralelo, a operacionalização do Objetivo Global de Adaptação (GGA), deve acontecer até 2025. Os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) apontam que só o custo global para adaptação deve ultrapassar os 140 as 300 mil milhões anuais até 2030, apenas para os países em desenvolvimento, realça o economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Rosa.
Qualquer valor que seja definido, inferior aos valores atuais de 100 mil milhões de euros, será um fracasso,
Maria da Graça Carvalho entende que o foco deve estar em engordar a meta global (NCQG, na sigla em inglês) e que os restantes objetivos sejam incorporados na mesma, de forma a que exista uma “maior flexibilidade de gestão”. Francisco Ferreira defende que “pode ser uma vantagem” incorporar o Fundo de Perdas e Danos como subobjetivo no âmbito do NCQG, “já que iria partilhar de um mesmo mecanismo de monitorização”
China, Médio Oriente e privados chamados a contribuir
Confrontados com a dificuldade em financiar a causa climática, os vários envolvidos na discussão apontam na mesma direção: da China e do Médio Oriente. Lídia Pereira considera que “não é razoável” que países como como a China, a Índia ou a Arábia Saudita se refugiem no estatuto de países em desenvolvimento e não contribuam. China e Arábia Saudita são “países em desenvolvimento que não só têm responsabilidades em termos de emissões, como são consideradas económicas emergentes, com capacidade financeira para fazerem contribuições avultadas”, sublinha Francisco Ferreira. “Não é fácil negociar com países como a China, mas penso que é da responsabilidade de países que têm conseguido um grande crescimento económico, e que têm parcerias com países mais pobres como os africanos, contribuir”, remata Maria da Graça Carvalho.
[China e Arábia Saudita] são países em desenvolvimento que não só têm responsabilidades em termos de emissões, como são consideradas económicas emergentes, com capacidade financeira para fazerem contribuições avultadas.
Fora a questão dos financiadores, é importante refletir sobre a divisão entre financiamento público e privado. “Se quisermos discutir o aumento dos totais só é possível aumentando também o montante de fontes privadas”, alerta Lídia Pereira.
“Financiar a NCQG a partir de 2025 exigirá uma combinação de financiamento público, mobilização do setor privado e adoção de formas inovadoras de captação e aplicação de recursos”, explica o economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Rosa. Apesar de, “provavelmente”, a contribuição pública dos países desenvolvidos continuar a arcar com a fatia de leão do financiamento, “como o setor privado está mais voltado para investir em projetos de mitigação da ação climática (por exemplo, energias renováveis, eficiência energética), essa área pode ser fortemente reforçada por capital privado, através de Incentivos fiscais e títulos verdes“, considera o economista.
Como o setor privado está mais voltado para investir em projetos de mitigação da ação climática (por exemplo, energias renováveis, eficiência energética), essa área pode ser fortemente reforçada por capital privado.
Na visão de Camille Leca, responsável de ESG [sustentabilidade] na Euronext, o setor privado servirá, sobretudo, para acelerar o investimento e a inovação, enquanto o financiamento público é “essencial” para o apoio à mitigação de riscos, “criando um ambiente propício para o envolvimento privado”. A Schroders sublinha que “atrair financiamento privado está dependente de criar as circunstâncias de risco e retorno adequadas”.
No que toca às perdas e danos, um objetivo”mais desafiador”, os fundos públicos e as contribuições solidárias deverão ser os mais frequentes, acrescenta Paulo Rosa. No entanto, ressalva a Schroders, um foco na adaptação e resiliência “pode diminuir significativamente a necessidade” de financiamento das perdas e danos. Neste sentido, um reforço no escrutínio dos compromissos de adaptação de das contribuições nacionais para o clima “são passos essenciais para balancear as exigências financeiras”.
"Atrair financiamento privado está dependente de criar as circunstâncias de risco e retorno adequadas.”
Ainda sobre o tipo de financiamento que faz sentido, Francisco Ferreira afirma que este deve basear-se em subvenções e não em empréstimos, assegurando um apoio a longo prazo, para que os países se possam adaptar às alterações climáticas sem agravar o peso da dívida, e salvaguardando o bem-estar das populações e da biodiversidade.
Em conformidade com o “princípio do poluidor-pagador”, a Zero sugere a criação de novas fontes de financiamento, como impostos sobre a indústria dos combustíveis fósseis e sobre outros setores com emissões elevadas. Já o mercado de emissões de carbono, na opinião de Lídia Pereira, “é uma forma inteligente e eficaz de encontrar financiamento alternativo” ao financiamento público para a transição climática.
Inovações como mercados voluntários de carbono, investimento de impacto e seguros climáticos podem desempenhar papéis transformadores.
A responsável de ESG da Euronext vê ainda espaço para “mecanismos inovadores” como financiamento misto, obrigações verdes e instrumentos financeiros ligados à sustentabilidade. “Inovações como mercados voluntários de carbono, investimento de impacto e seguros climáticos podem desempenhar papéis transformadores, se bem integrados”, reforça e complementa. Além disso, defende que “uma alocação equilibrada entre necessidades imediatas e sustentabilidade a longo prazo ajudará a maximizar o impacto dos fundos”.
Apesar de todas as entidades contactadas esperarem negociações difíceis, com obstáculos como as ausências dos grandes líderes e a sombra da vitória do negacionista Donald Trump nas eleições norte-americanas, ainda há esperança. “Acredito, sinceramente, que é possível conjugar esses objetivos e chegar a um consenso”, afirma Lídia Pereira. Maria da Graça Carvalho acredita que “iremos avançar alguns passos”, desejavelmente na base de financiadores mas também nos compromissos climáticos anteriormente definidos. Camille Leca acredita que “os avanços nos mecanismos de financiamento, responsabilidade e planos de ação podem ainda tornar a COP29 impactante”. A Zero conta que “o objetivo de financiamento alcançado seja suficientemente ambicioso”.
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