Congresso ASF: “O Estado não pode resgatar todas as perdas com catástrofes naturais”

No congresso da ASF o ministro das Finanças estimulou a cooperação pública e privada para dar resposta às consequências financeiras de catástrofes naturais.

O ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, afirmou esta terça-feira que “catástrofes como as inundações recentes em Valência, Espanha, vêm demonstrar a importância de mecanismos robustos de prevenção e a existência de um sistema nacional de cobertura abrangente de fenómenos físicos, em que participem agentes públicos e privados“. O governante abriu o Congresso Anual da ASF, entidade supervisora do setor segurador e dos fundos de pensões que se realizou em Lisboa, com o tema “O papel do setor segurador na gestão de riscos de catástrofes naturais”.

Miranda Sarmento “aguarda com expectativa” as conclusões do trabalho da ASF sobre a constituição de um fundo sísmico em Portugal. Até ao final do ano estará pronto, garante a ASF.

Miranda Sarmento disse que o Governo “aguarda com expectativa” as conclusões do trabalho da ASF sobre a constituição de um fundo sísmico em Portugal, até porque em caso de catástrofe e de grandes perdas financeiras será o Estado chamado a assumir grandes perdas”. E é o Estado que, no final do dia, pode ser o ‘bailout’ [resgate] de todas estas perdas“, afirmou.

O ministro aproveitou o momento para explicar a uma audiência plena de reguladores do setor financeiro e de altos responsáveis por companhias de seguros as principais medidas e intenções contidas no orçamento de Estado de 2025, agora em fase de aprovação na Assembleia da República. Destacou o emprenho do Governo na baixa do IRC “para que a taxa marginal fique a meio da tabela e não como a 2ª mais elevada dos países da OCDE”, bem como o objetivo de em 2026 reduzir a dívida pública para menos de 90% do PIB, “porque 90% são os novos 60% do tratado de Maastricht”, disse.

A presidente da ASF adianta que “uma insuficiente subscrição de seguros que cubram catástrofes, pelas empresas ou particulares, pode ser justificada pela menor perceção da utilidade desses produtos”.

Problema: Iliteracia ou perceção de custo elevado de um seguro para cobrir catástrofes

Margarida Corrêa de Aguiar, anfitriã como presidente da ASF, salientou que só em 2023, as perdas económicas globais associadas a desastres naturais atingiram 280 mil milhões de dólares, das quais apenas 35% se encontravam cobertas por seguros, revelando assim um ‘protection gap’ significativo.

Em Portugal salientou os “incêndios florestais que marcaram tragicamente a última década, as vulnerabilidades geológicas associadas ao risco sísmico, as cheias que têm afetado algumas comunidades e a intensificação de tempestades são exemplos concretos dos riscos que enfrentamos”, disse.

Segundo Margarida Aguiar “o setor segurador confere resiliência ao país, assegurando a mitigação significativa das perdas resultantes da ocorrência de catástrofes naturais e o acesso a mecanismos especializados de assistência, de avaliação das perdas e de compensação financeira aos lesados, promovendo uma recuperação mais célere do tecido económico e social”.

Referiu um estudo recente, promovido pela ASF, que detetou lacunas de proteção relevantes em quatro principais áreas: o risco climático e de catástrofes naturais, o risco cibernético, o risco demográfico, nas vertentes da saúde e das pensões de reforma, e o risco pandémico, na vertente de interrupção de negócio em situações pandémicas.

O Fundo Sísmico será a criação de um tal sistema, “projeto em que a ASF se encontra empenhada, perspetivando-se para breve a entrega ao Governo de um primeiro documento com propostas concretas nessa matéria”. A presidente do órgão supervisor adianta que permitirá “reduzir o elevado ‘protection gap’ nacional existente e criar mecanismos para a acumulação de fundos ex-ante que possam ser canalizados para o ressarcimento das perdas potencialmente sistémicas decorrentes da ocorrência de um sismo”.

Também lembrou que, do lado da procura, “uma insuficiente subscrição de seguros pelas empresas ou particulares pode ser justificada pela menor perceção da utilidade desses produtos, devido à falta de uma cultura de risco e falta de literacia financeira e/ou pelo seu custo ser considerado demasiado elevado face ao rendimento disponível”.

Protagonistas no Congresso: Ricardo Mourinho Félix, Leigh Wolfrom, Pamela Schuermans, Margarida Corrêa de Aguiar, Hugo Borguinho, Edouard Vieillefond e José Galamba de Oliveira. Em falta Augusto Mateus.

“Políticas públicas precisam cada vez mais dos seguros”

O economista e ex-ministro Augusto Mateus focou a evolução da “indústria dos seguros” numa economia de riscos aumentados com as alterações climáticas, o envelhecimento da população e a fragmentação social. Afirmou que a mutualização dos riscos tem de ser feita de forma criativa exemplificando com “somos campeões dos fogos florestais porque não temos cadastro florestal”, disse acrescentando: “fiz cálculos para empresas de infraestraturas e concluí que essa falta de cadastro aumenta em 2,3% a 3,6% dos custos das obras”.

Augusto Mateus defende ter-se capacidade de gerir riscos para garantir rendibilidades que financiem a mudança. Na área da poupança referiu a anormalidade da pouca poupança existente em Portugal (cerca de 7% do rendimento das famílias) quando na China é 40%. A esta constatação juntou a ideia de “a meio deste século teremos uma taxa de substituição (proporção da primeira pensão em relação ao último salário) abaixo dos 50%. Qualquer atividade passa por uma sociedade mais resiliente, que depois se desenvolve.

Na área a saúde reafirmou que um sistema de nacional de saúde precisa dos seguros de saúde porque “sem liberdade de escolha o sistema será sempre de dificuldades, e esse sistema terá de ser focado na pessoa”. Daí afirmar que “precisamos de novos instrumentos de parceiras público-privadas nesta e noutras áreas” justificando que “políticas públicas precisam cada vez mais dos seguros”.

Concluiu afirmando “só nos salvamos pela inovação e não pela inovação parva!”

Públicos, privados, seguradores, resseguradores. A solução passa por todos.

Ricardo Mourinho Félix, diretor de Relações Internacionais e de Cooperação do Banco de Portugal, foi moderador convidado para o painel “O papel do setor segurador na gestão de riscos de catástrofes naturais”, em que a ASF juntou quatro insituições com experiência de prática e de estudo de como prevenir e enfrentar os efeitos financeiros de catástrofes naturais.

Edouard Vieillefond, CEO da CCR – Caisse Centrale de Réassurance, resseguradora estatal de França, descreveu o NAT CAT Scheme de França, um sistema de proteção que envolve seguradoras, resseguradoras, em várias camadas até atingir o Estado como último recurso financeiro, enquanto Leigh Wolfrom, analista na Capital Markets and Financial Institutions Division da OCDE descreveu a abordagem metodológica recomendada para montar um sistema de proteção financeira para responder a catástrofes.

Pamela Schuermans, especialista na Risks and Financial Stability Department da EIOPA salientou que na União Europeia “existe um protection gap de 75%”, incentivando maior literacia porque cada um “não deve haver o assumir de um risco moral ao esperar que outros avancem para resolver os problemas”.

José Galamba de Oliveira, Presidente da Associação Portuguesa de Seguradores (APS) revelou que as seguradoras portuguesas pagaram 800 milhões de euros desde 2010 em indemnizações para cobrir um valor estimado de 15 mil milhões de perdas económicas por eventos naturais. Salientou que apenas 47% das habitações em Portugal têm seguro, a maioria de incêndio e apenas 19% têm cobertura sísmica.

Apontou soluções para avançar neste tema, como controlar melhor a obrigatoriedade dos seguros, tornar obrigatória a cobertura multirriscos – em lugar de apenas incêndio -, e redução de infra-seguros, apólices com capitais reduzidos em que a regra proporcional torna difícil recuperar uma habitação.

O custo dos seguros de catástrofes para os consumidores foi lembrado como causa para lacunas de proteção. Galamba de Oliveira disse ainda que as simulações do prémio do seguro sísmico devem ser calculadas face aos custos de reconstrução e não pelo valor comercial do imóvel e advoga a criação de um sistema nacional em cooperação entre Estado e companhias de seguros, com adesão voluntária de alcance nacional, acumulando recursos em fundos apropriados para estarem disponíveis em emergências.

O problema cultural foi reforçado por José Galamba ao dizer que Portugal se habituou a ter um estado paternal que habituou as pessoas a intervir. Felizmente é menos grave do lado dos negócios. “As pessoas que pensam que têm seguro mas não têm as coberturas certas que as podem proteger”, concluiu.

Hugo Borguinho, Diretor do Departamento de Análise de Riscos e Solvência da ASF, encerrou a Conferência.

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