Empresas na mira do instituto de governança melhoram desempenho
Está a crescer a implementação de boas práticas de governança entre as empresas que são avaliadas pelo Instituto Português de Corporate Governance, apesar da resistência a algumas recomendações.
Num ano de código “renovado”, com mais ênfase na sustentabilidade, as empresas monitorizadas pelo Instituto Português de Corporate Governance (IPCG) conseguiram melhorar a prestação no que diz respeito às suas práticas de governança. O presidente da direção, João Moreira Rato, deteta contudo alguma resistência na aplicação de determinadas recomendações, que dão uma sensação de “perda de controlo” por parte dos principais acionistas sobre assuntos centrais.
Em 2023, 87% das recomendações do Código de Governança Societária do IGCP foram acolhidas, no universo de empresas monitorizadas. Este grupo, que é avaliado quanto às suas práticas de governança voluntariamente, é constituído não só pelas 16 empresas que integravam o índice bolsista PSI à data, como também por empresas tão distintas entre si como a Caixa Geral de Depósitos, Cofina, Flexdeal e Sporting Club de Portugal.
Face ao ano anterior, nota-se “uma evolução positiva quanto à percentagem global de acolhimento”, lê-se no relatório anual de monitorização, que aponta uma subida de quatro pontos percentuais face aos 83% alcançados em 2022. No entanto, olhando apenas às empresas do PSI, o cenário é de um decréscimo de quatro décimas, que dita um acolhimento de 94% em vez dos anteriores 95%.
Quanto à descida, embora ligeira, verificada no universo do PSI, João Moreira Rato desvaloriza. “Não daria muita importância a este decréscimo, pode facilmente vir de um caso específico. Basta alguém num ano ter decidido não seguir tão à letra uma recomendação, ou deixar de a seguir”, indica.
“O grau de acolhimento é elevado [apesar das exigências reforçadas]. Acho que essa é uma surpresa positiva”, considera Moreira Rato. Ao mesmo tempo, pode sugerir que a revisão do código chegou “atrasada” em relação às práticas, concede. Ainda assim, “o código desempenha um bom papel em cristalizar boas práticas. Ajuda a difundir um pouco mais, e a consolidá-las”, defende.
Recomendações mais rejeitadas relacionadas com medo de “perder controlo”
Após seis exercícios de monitorização concluídos, é possível “identificar já com um elevado nível de rigor as áreas onde o relato das boas práticas de governo das sociedades é mais robusto e aquelas que continuam a merecer maior atenção”, lê-se no relatório. O presidente da direção do IPCG esclarece que, onde existe “uma resistência grande” é no papel dos órgãos de fiscalização, no envolvimento destes na definição da estratégia, e na designação de administradores independentes.
Mas porquê? Na opinião de João Moreira Rato, a resistência estará relacionada com a raiz familiar de muitas das empresas nacionais, mesmo aquelas que estão cotadas no principal índice. Grande parte das empresas portuguesas, identifica, são controladas por um grupo muito fechado de acionistas, não possuindo um capital tão disperso no mercado como noutras geografias. Deste modo, “acionistas controladores podem ter medo de perder esse controlo”, quer através dos administradores independentes como através da constituição de comissões especializadas em matéria de risco, que terão palavra a dizer em assuntos muitos centrais.
Num debate que decorreu esta quarta-feira, no estúdio do ECO, a propósito da apresentação do relatório anual, Rui Pereira Dias, membro da CEAM — Comissão Executiva de Acompanhamento e Monitorização do IPCG, reforçou que existe uma “menor sensibilidade” por parte das empresas em Portugal para os temas da independência nos conselhos de administração, questão que associa também à concentração de capital das empresas nacionais.
Já Abel Sequeira Ferreira, diretor executivo da AEM — Associação de Empresas Emitentes de Valores Cotados em Mercado, sublinhou na mesma ocasião que “não existe evidência empírica de que a existência de mais administradores formalmente independentes ou de mais comissões contribua para uma maior criação de valor nas empresas — sendo que a criação de valor é o objetivo de respeitar as boas práticas de governança. Nesse sentido, “há empresas que muito saudavelmente discutem” estas questões, sendo que algumas “até têm mecanismos que logram atingir os mesmos objetivos”, enquadrou.
Acionistas controladores podem ter medo de perder esse controlo [ao aplicar as recomendações com menor adesão]
Confrontado com o tipo de ação que o IGCP pode tomar para alterar este padrão, Moreira Rato afirma que “o IPCG tem de continuar a sua pedagogia, e mostrar às empresas que este tipo de mecanismos criam valor para o acionista“.
As duas recomendações menos acolhidas no âmbito do código foram a designação de uma comissão especializada para a nomeação dos membros dos órgãos sociais e a designação de um coordenador para os administradores independentes, ambas com uma percentagem de acolhimento de apenas 50%. Em terceiro lugar, com apenas 52% de adesão, ficou a recomendação de constituir uma comissão de acompanhamento e apoio às designações de quadros dirigentes.
Ainda no “top 10” das recomendações menos respeitadas encontra-se o apelo a que não exista um número inferior a um terço de administradores não executivos que cumpram os requisitos de independência, ou o diferimento do pagamento de remuneração variável por três ou mais anos, assim como a exigência da criação de uma comissão especializada ou de um comité composto por especialistas em matéria de risco.
Em oposição, há dez recomendações que são aplicadas pela totalidade das empresas monitorizadas. Neste grupo está a elaboração de atas das reuniões dos órgãos de administração e de fiscalização, a divulgação online da composição dos órgãos de administração, de fiscalização e das comissões internas e a “não-delegação” por parte do conselho de administração de tarefas como a definição da estratégia e tomada de opções estratégicas para a empresa. No mesmo nível estão ainda a fixação de remunerações nos órgãos de administração por parte de uma comissão própria para o efeito ou assembleia geral, tal como a liberdade da comissão de remunerações para contratar serviços de consultoria “necessários ou convenientes” para o exercício das suas funções. Por fim, todas as empresas fazem uma gestão de riscos, identificando-os e monitorizando-os.
Novas recomendações bem acolhidas
A mais recente versão do Código de Governo das Sociedades, em 2023, reforçou as recomendações no que toca à sustentabilidade e ao uso da inteligência artificial, tal como o ECO/Capital Verde avançou. No âmbito deste relatório de monitorização, conclui-se que as empresas acolheram de forma relevante as novas recomendações.
No que diz respeito à sustentabilidade, o Código de Governo das Sociedades adicionou a recomendação de que as empresas instituam processos para processar dados relacionados com a sustentabilidade ambiental e social, alertando o órgão de administração sobre os riscos em que a sociedade esteja a incorrer nessas matérias e propondo estratégias para a sua mitigação”. Em segundo lugar, recomenda que a empresa informe no reporte sobre o modo como as alterações climáticas são consideradas na organização e sobre como pondera a análise do risco climático nos seus processos de decisão.
O acolhimento destas recomendações situou-se, respetivamente, nos 85% e 79%. No contexto das empresas do PSI, o acolhimento é de 100% em ambas as recomendações.
No que toca à inteligência artificial, o código recomendava que a sociedade informe, no relatório de governo, sobre os termos em que foram utilizados mecanismos de inteligência artificial como instrumento de tomada de decisões pelos órgãos sociais. Esta recomendação teve uma taxa de acolhimento de 82% no universo total das empresas monitorizadas, subindo essa percentagem para 88% no caso das empresas que compõem o PSI.
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