Grau de conflito de interesse vai decidir investigação interna ao CEO da Galp
Denúncia que está a ser investigada pela Galp coloca afastamento do CEO em cima da mesa. Especialistas em governança dizem ao ECO que grau de conflito de interesse é chave e recomendam celeridade.
O CEO da Galp GALP 0,71% , Filipe Silva, tem estado debaixo dos holofotes após ter sido noticiado, pelo ECO, de que está a ser alvo de uma investigação interna sobre um alegado relacionamento com uma diretora de topo da empresa. Os especialistas em governança consultados pelo ECO assumem que o afastamento do CEO poderá justificar-se, mas ressalvam que depende da gravidade que seja atribuída a eventuais conflitos de interesse.
Olhando a este caso, deve primeiro presumir-se a inocência, sublinha Maria João Guedes, professora de Governança no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). No entanto, “se havia relação, devia ter sido feito o disclosure [divulgação dos factos]”, defende. Agora, está nas mãos da Comissão de Ética da Galp.
“O problema pode estar no caso de estar em causa algum conflito de interesses que não foi acautelado. Sempre que se tem consciência que pode haver conflito de interesses, a própria pessoa devia levantar a mão”, assinala o presidente do Instituto Português de Corporate Governance, João Moreira Rato. Um afastamento do responsável pode justificar-se “quando a Comissão de Ética considerar que há uma quebra grave do código de conduta”.
Exemplo de uma quebra grave seriam “decisões condicionadas por questões de conflito de interesse”. Apesar de existir uma componente subjetiva, na sua ótica, as situações que põem em causa os princípios do código de conduta não são difíceis de avaliar.
Se se detetarem conflitos, o CEO deve sair voluntariamente para proteger a empresa.
“Se se detetarem conflitos, o CEO deve sair voluntariamente para proteger a empresa”, corrobora Maria João Guedes, professora de Governança no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). E, no caso de o CEO não tomar essa decisão, deverá ser o conselho de administração a assumi-la, acrescenta. O maior dano pode verificar-se em termos reputacionais, independentemente dos factos virem ou não a comprovar-se.
Por seu lado, o advogado David Carvalho Martins assinala que existem alguns casos de transição de gestão devido a conflitos de interesse, “designadamente para proteção da imagem, reputação e bom nome da organização”.
“Atendendo à sensibilidade do tema e aos riscos associados, as partes chegam, frequentemente, à conclusão de que a mudança, pacífica e tranquila, é melhor para todos os envolvidos e, em particular, para a organização”, explica ao ECO o sócio fundador e administrador da DCM Littler, especialista em Direito do Trabalho e árbitro do Conselho Económico e Social (CES).
Já Duarte Júlio Pitta Ferraz, sócio da Ivens Governance Advisors, consultora especializada em governança corporativa, entende que “as pessoas visadas têm de ter elevado nível de segurança para reportar” este tipo de situações, e isso passa por assegurar que as consequências não serão necessariamente negativas, aplicando-se em primeiro lugar medidas de mitigação, como a mudança de funções dos envolvidos.
Só no caso de não existir qualquer alternativa que possa resolver os conflitos de interesse é que se deve avançar para a saída da esfera da empresa e, ainda assim, o ideal é colocar do lado dos envolvidos a escolha de qual abdica do seu cargo, indica. “Estas situações têm de ser apreciadas caso a caso, e se necessário aplicadas medidas transitórias e depois permanentes”, remata o consultor, sublinhando que também é importante salvaguardar a reputação dos visados, e manter estes casos em confidencialidade enquanto se tiram conclusões.
Na opinião da fundadora e managing director da consultora de liderança Amrop Portugal, Maria da Glória Ribeiro, no contexto das melhores práticas de governança corporativa, o papel de uma Comissão de Ética “é essencial” para promover a integridade, a transparência e a responsabilidade dentro das organizações, ajudar a garantir que as empresas seguem princípios éticos, respeitam as normas regulatórias e mantêm o alinhamento entre os interesses dos stakeholders, mas “é importante que o seu âmbito de atuação seja bem definido, evitando que questões de foro pessoal, que não impactam diretamente a gestão corporativa ou o desempenho da organização, sejam alvo de análise ou intervenção desnecessária”.
Da relação direta ao reporte: as nuances determinantes
No código de conduta da Galp, não há nenhuma referência explícita ao procedimento no caso de existir uma relação interpessoal. No entanto, “mesmo não estando explicitamente definido no código de conduta, pode haver um conflito de interesses”, alerta Moreira Rato, indicando que o código de conduta não tem de ser altamente descritivo. “Os princípios de conduta podem ser quebrados sem estar escrito que constituem uma quebra. Por isso existe uma Comissão de Ética”, explica.
O código de conduta da Galp faz referência apenas à eventual existência de conflitos de interesse. “As pessoas da Galp têm a obrigação de reconhecer quando estejam, possam vir a estar ou possam ser percecionados como estando perante uma situação que configure conflito de interesses. Nas circunstâncias em que identifiquem estar perante um conflito de interesses, devem reportar através da plataforma existente para o efeito, por forma a que sejam tomadas as medidas que permitam eliminar ou gerir tais conflitos”, lê-se no documento.
Mesmo não estando explicitamente definido no código de conduta, pode haver um conflito de interesses
Mas então, o que constitui um conflito de interesse? Geralmente, este termo é aplicado em relação a situações de posse de ações em bolsa, ou no caso de compra por parte da empresa de bens dos quais o funcionário é dono.
No que diz respeito a relacionamentos interpessoais, “uma relação de dependência [entre os visados] pode aumentar a situação de conflitos de interesse”, indica Moreira Rato. A professora Maria João Guedes entende que a questão torna-se mais sensível caso exista uma relação direta, na qual um dos membros do relacionamento tenha poder de decisão sobre as funções, tarefas, salário e eventuais promoções do outro.
Em segundo lugar, retoma Pitta Ferraz, é importante perceber porque não existiu reporte por parte dos visados. A regra não estava clara? Não houve oportunidade? Esse reporte ia ser feito brevemente? Estas são algumas das questões que devem ser respondidas antes de haver um juízo.
A especialista em governança do ISEG considera que seria desejável um código mais explícito, na medida em que o da Galp deixa à interpretação o que é um conflito de interesses. O sócio da Ivens Advisors acrescenta que é importante clarificar, neste tipo de situações, que tipo de relação deve ser reportada e a partir de que momento faz sentido reportá-la.
Resolução deve ser breve
Seja qual for o desfecho, é importante que seja rápido e rigoroso, indicam os especialistas consultados pelo ECO/Capital Verde. O processo “requer celeridade” no apuramento de se existiram conflitos de interesse e uma consequente quebra na confiança em relação à liderança, e a decisão a tomar no final tem de ser “muito clara”, defende Maria João Guedes. Para a professora, deveria existir um desenlace “em poucos dias”.
Duarte Pitta Ferraz aponta que a regulação europeia define um prazo máximo de três meses. O presidente do IPCG afere que depende muito da complexidade da situação, mas também “do que se possa achar que seja a gravidade”, pois “se for grave, é normal que se queira agir rapidamente”.
Numa nota mais positiva, Moreira Rato sublinha que a investigação interna que está a ser levada a cabo “é um bom sinal”, pois se a denúncia chega ao ponto de ser considerada com seriedade pela Comissão de Ética, “é porque o sistema interno está a funcionar”.
O caso BP
Em maio de 2022, uma fonte anónima acusou o CEO da BP, Bernard Looney, de manter uma relação pessoal com colegas. De acordo com o Corporate Governance Institute, “foi recebida a confirmação escrita” de que não haveria matéria para discussão. Mas em setembro de 2023, uma segunda investigação revelou que Looney mantinha, de facto, relações que entravam em conflito com o código de conduta. O próprio demitiu-se depois dos factos serem tornados públicos.
O facto de o CEO da BP, num primeiro momento de inquérito, ter omitido informação relevante, “levou a que [o desenrolar do caso] tenha sido mais abrupto”, avalia Duarte Pitta Ferraz. No caso da Galp, não existe informação de que algo semelhante tenha ocorrido.
Na sequência do caso, o código de conduta da BP foi revisto, tendo sido adicionadas alíneas específicas sobre relações íntimas. Todos os gestores devem assinalar relações internas “familiares ou íntimas”, mesmo que não constituam um conflito de interesse. E não é permitido que um gestor tenha como subordinado alguém com o qual mantenha uma relação familiar ou íntima.
Atualmente, Bernard Looney é presidente da empresa Prometheus Hyperscale. “O que não é aceitável para uns, pode ser para outros. Há sítios onde isto não é um tema”, conclui Pitta Ferraz.
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