O gestor discreto a quem uma indiscrição polémica custou a chefia da Galp

A polémica da demissão do CEO da Galp, provocada pela falha de comunicação sobre um relacionamento, surpreendeu colegas e observadores que o descrevem como um gestor avesso à atenção mediática.

Low profile“, “discreto”, “cordato”. Tanto no setor da energia como no da banca, são estas as palavras usadas para descrever o estilo de Filipe Silva, que esta terça-feira se demitiu da liderança executiva da Galp Energia, citando “razões familiares” e em consequência da investigação da comissão de ética da companhia petrolífera por eventual conflito de interesses, na sequência de uma denúncia anónima sobre uma relação pessoal com uma diretora de topo mantida em segredo, noticiada pelo ECO na passada sexta-feira.

Filipe Silva assumiu as rédeas da Galp no primeiro dia de 2023. A escolha para CEO recaiu sobre o homem-forte das finanças da casa, já que a sua carreira está sobretudo ligada à banca e à gestão financeira da empresa. O seu último ano ficou marcado por uma descoberta que colocou a Galp na ribalta, a viabilidade comercial de uma exploração de petróleo na Namíbia, mas também pelo cancelamento dos projetos que a petrolífera tinha para a refinação de lítio.

Foi sempre minucioso, é um CFO, tem um perfil típico de um CFO, muito numérico”, descreve uma fonte do setor bancário.

O gestor segurava a pasta das finanças da Galp quando, em 2022, os acionistas quiseram entregar-lhe a gestão executiva da empresa, num voto unânime, na sequência do afastamento do antecessor Andy Brown.

“Se calhar foi precisamente pelo perfil discreto que foi promovido, depois de dois CEO mais combativos, digamos, havia necessidade de escolher alguém da casa e mais calmo”, considera um analista do setor. “E Filipe Silva percebe muito de números, que é algo muito apreciado pela família Amorim [que controla a Amorim Energia, maior acionista da Galp com 36,7%]

 

Filipe Silva, ex-CEO da Galp

 

A pasta das Finanças na Galp já estava sob a alçada de Filipe Silva desde 2012, pelo que este a carregou ao longo de praticamente uma década. E manteve-se com esta responsabilidade ao lado de três diferentes CEO: Manuel Ferreira de Oliveira, Carlos Gomes da Silva e, finalmente, Andy Brown, o nome que substituiu ao leme da empresa.

Na sede da Galp, na altura nas Torres de Lisboa, as conferências de imprensa de resultados eram prova do papel discreto do gestor. Chamado a falar sobre os números a seguir aos mais carismáticos CEO e de Thore E. Kristiansen, o norueguês que chefiou durante anos a exploração e produção da petrolífera, Filipe Silva era conciso e não corria riscos nas respostas perante os jornalistas.

“O Filipe nunca se preocupou muito com a comunicação seja interna ou para fora”, aponta um ex-colaborador, sublinhando que o CEO raramente dava entrevistas.

O estilo do gestor era notório dentro da empresa. “Nunca foi uma pessoa de galvanizar, de conhecer as pessoas, de circular pelo edifício, continuou a ser uma pessoa muito reservada, mais de gabinete”.

Este mês, no entanto, quando se contam pouco mais de dois anos desde o início do mandato como CEO, o lugar de Filipe Silva foi abalado por uma polémica precisamente ligada às relações internas. Uma denúncia anónima ditou que a Comissão Ética se debruçasse sobre um alegado relacionamento com uma diretora de topo da empresa.

Bandeira da transição deposta. Levanta-se a da Namíbia

O último ano da Galp, sob a gestão de Filipe Silva, teve dois claros destaques, algo antagónicos: primeiro, a empresa confirmou a viabilidade comercial da exploração de petróleo que detém na Namíbia. Mais tarde no ano, tomou finalmente uma decisão quanto ao projeto que tinha para a refinação de lítio: decidiu cancelá-lo.

As pistas em relação à Namíbia vinham a ser partilhadas já desde 2023, quando se deu o lançamento da campanha de prospeção na área PEL83, no país africano. Foi durante esse ano que se asseguraram os principais contratos e licenças, e que as equipas da Galp se lançaram no terreno. Já em 2024, as atividades de exploração nos dois poços confirmaram colunas significativas de petróleo leve e mostraram evidências de características positivas dos reservatórios em termos de porosidade e permeabilidade, recorda o relatório de contas relativo a 2023.

Em abril de 2024, a acalmia do domingo 21 de abril foi abalada pela divulgação da estimativa de que a Galp espera extrair 10 mil milhões de barris de petróleo, ou até mais. Um número capitalizado sobretudo pela Galp, que detém 80% da exploração, num consórcio com outros dois parceiros, Namcor e Custos Energy, que são donos dos restantes 20%, em partes iguais.

As ações da Galp dispararam, em poucos dias, de cerca de 16 euros para os 20,25 euros por ação, embora no final de 2024 já tenham regressado aos níveis “pré-Namíbia”, numa correção relativamente gradual ao longo dos meses. Em novembro, a petrolífera lançou a segunda “bomba” do ano, o cancelamento do projeto para uma refinaria de lítio que deveria ser erguida em Setúbal, em parceria com a Northvolt – a promessa sueca das baterias que anunciou a entrada em insolvência poucas semanas antes.

Um projeto que previa um investimento superior a 1,1 mil milhões de euros, no qual a Galp já tinha despendido 40 milhões, de acordo com o Expresso, e que acabou por cair por terra. A Aurora, uma joint venture criada pela portuguesa Galp e pela sueca Northvolt, trabalhava desde 2021 para estabelecer uma fábrica de conversão de lítio em Setúbal, visando abastecer a indústria de baterias, através do aproveitamento das reservas de lítio portuguesas.

No balanço que a petrolífera faz do seu ano de 2023, conta 585 milhões de euros de investimento no segmento de Upstream, que refere à exploração de petróleo e gás, de 196 milhões de euros no segmento Industrial e Midstream, e 142 milhões de euros em renováveis e novos negócios, sendo que este último número sofreu uma redução de 65% face ao ano homólogo, e o bolo total encolheu 15% no mesmo período. Um ano que, além do lançamento na Namíbia, ficou marcado pela venda de ativos de petróleo em Angola, por avanços na exploração de gás em Moçambique e pelo arranque do projeto petrolífero Bacalhau no Brasil.

Em paralelo, a Galp decidiu avançar com dois projetos de descarbonização: um eletrolisador de hidrogénio verde de 100 megawatts e uma unidade de biocombustíveis avançados. Além disso, mais que duplicou os postos de carregamento instalados na Península Ibérica e diversificou o portefólio de renováveis, com projetos de hibridização (ligando mais do que uma fonte de energia ao mesmo ponto de acesso à rede) no valor de meio megawatt e a decisão de instalar um piloto de sistema de armazenamento de energia em baterias.

Finanças na Galp, depois da banca

Não é unicamente a experiência na liderança máxima das finanças da Galp que faz de Filipe Silva um homem-forte da área. Antes de ter a sigla “CFO” no currículo, contava já com mais de duas décadas no setor da banca.

De 1999 a 2012, foi responsável do Deutsche Bank em Portugal. De acordo com o respetivo perfil de Linkedin, o gestor começou por chefiar a área de Investimento e Consultoria. Em paralelo, integrou a comissão executiva do banco, tornando-se CEO da célula nacional em 2008. Nestes papéis, esteve envolvido em operações de aquisição e fusão, privatização e project finance, em Portugal e no Brasil.

Antes, tinha sido o banco Finantia a abrir-lhe as portas, em 1987. Nesta instituição manteve-se como líder das Finanças Corporativas até à sua saída. Assumiu o cargo de diretor nesta casa de investimento enquanto terminava o mestrado em Gestão de Finanças na Universidade Católica de Washington, nos Estados Unidos, no qual ingressou após a licenciatura em Economia e Gestão de Finanças, terminada em 1986.

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