Portugal sujeito aos novos limites dos EUA à compra de chips para IA

EUA têm novas regras para travar o avanço de países como a China na inteligência artificial (IA). A proposta da Casa Branca exclui os aliados mais próximos de Washington, onde Portugal não é incluído.

Portugal está entre os países abrangidos pelas novas restrições às exportações de chips que foram anunciadas esta segunda-feira pelo governo dos EUA. Deste modo, o país arrisca um acesso mais limitado a componentes que são críticos ao desenvolvimento de tecnologias de inteligência artificial (IA).

Na segunda-feira, a sete dias de terminar o mandato, a Administração Biden anunciou um novo quadro legislativo para a exportação de semicondutores (chips) utilizados, por exemplo, no treino de algoritmos de IA, com o objetivo de travar os avanços de potências como a China. As regras ainda são preliminares e caberá à nova Administração Trump, que toma posse no dia 20 de janeiro, decidir o desenho final deste diploma.

Ao abrigo desta nova regulamentação, 18 países considerados “aliados-chave” pela Casa Branca ficam isentos de restrições à compra de semicondutores americanos, como os fabricados pela gigante Nvidia. Entre eles estão vários Estados-membros da União Europeia, incluindo Alemanha, Bélgica, França, Itália e até Espanha, bem como o Reino Unido, mas também a Coreia do Sul, Nova Zelândia e Taiwan.

Portugal não surge nesta lista de países com “luz verde” para importar chips dos EUA, mas também escapa à lista negra onde estão nações hostis aos EUA, tais como China e Rússia, que estão impedidas de importar tecnologia avançada norte-americana. No entanto, Portugal está incluído num terceiro grupo, onde figuram também o Brasil, México, Suíça e Israel.

O ECO contactou o Ministério da Juventude e Modernização, que tutela a IA em Portugal, bem como o Ministério da Economia, para obter informação adicional sobre esta decisão da Administração Biden e um comentário à mesma, mas não foi possível obter resposta. Na segunda-feira, o Governo anunciou o início do “processo de auscultação” do mercado que irá conduzir ao desenvolvimento de uma Agenda Nacional de Inteligência Artificial.

Em Israel, um dos países colocados na mesma situação que Portugal, fontes da indústria disseram à imprensa local que a medida da Administração Biden irá impedir o país de competir na corrida global da IA. “O que significa na prática é que será mais difícil para as empresas israelitas criarem e treinarem novos modelos de IA, porque não temos o poder de computação”, explicou Eli Greenbaum, advogado da sociedade Arnon-Tadmor Levy, ao jornal The Times of Israel.

A medida também mereceu críticas da Nvidia e do próprio setor. Num comunicado, Ned Finkle, vice-presidente de assuntos governamentais da tecnológica, considerou que a medida terá o efeito contrário ao pretendido, “prejudicando os interesses dos EUA” sem fazer nada para melhorar a segurança. Trata-se de um “controlo burocrático” que “ameaça desperdiçar a vantagem tecnológica duramente conquistada pela América”, alertou.

Noutra declaração, John Neuffer, CEO da Semiconductor Industry Association (SIA), que representa empresas do setor nos EUA, avisou também que as novas regras “correm o risco de provocar danos não intencionais e duradouros à economia dos EUA e à competitividade global em semicondutores e IA”, cedendo “mercados estratégicos” a empresas concorrentes.

O novo quadro proposto pela Administração Biden, que abrange os chamados GPU (Graphic Processing Units), determina que encomendas de até 1.700 unidades ficam isentas de licença. “A esmagadora maioria de encomendas de chips estão nesta categoria, especialmente as colocadas por universidades, instituições médicas e organizações de investigação, para propósitos claramente inócuos”, explicou a Casa Branca num comunicado.

O governo americano apresenta ainda mecanismos de verificação que permitirão às organizações de países não isentos encomendar quantidades cada vez mais elevadas de GPU, até um máximo de 320 mil unidades num período de dois anos. Mesmo as entidades que não obtenham a verificação, incluindo entidades do setor da saúde, governos e empresas locais, poderão encomendar de forma condicionada até 50 mil GPU.

Desta forma, as regras apresentadas terão “em conta em conta o poder computacional da transação e, em certos casos, as medidas de segurança acordadas pelo destinatário”, lê-se no diploma do departamento da Indústria e Segurança (BIS – Bureau of Industry and Security), que acrescenta que está a estabelecer uma exceção da licença para “quantidades limitadas” de circuitos integrados avançados, ou seja, “muito abaixo” da quantidade necessária para treinar os modelos de IA mais avançados.

“Esta exceção de licença pode garantir que as transações não destinadas a contribuir para o desenvolvimento de modelos avançados de IA possam continuar sem impedimentos, desde que o exportador notifique o BIS”, detalha a agência governamental norte-americana.

Governo prepara estratégia e modelo de IA generativa

Estas informações surgem numa altura em que o Governo português prevê dar início a um “processo de auscultação” para desenvolver aquela que será a Agenda Nacional de Inteligência Artificial. “Realizam-se, esta semana, três sessões públicas dinamizadas pela Agência para a Modernização Administrativa, do norte ao sul do país – no dia 15 em Lisboa, no dia 16 em Évora e no dia 17 no Porto. A participação nestas sessões está aberta para qualquer cidadão ou empresa que queira partilhar os seus contributos”, avançou o Ministério da Juventude e Modernização em comunicado.

“A Agenda Nacional de Inteligência Artificial é uma das iniciativas da Estratégia Digital Nacional aprovada pelo Governo no passado dia 12 de dezembro, e tem como principal objetivo definir o caminho para o desenvolvimento e aplicação de IA no país, através da criação de um ecossistema robusto e inovador de Inteligência Artificial em Portugal”, explicou o gabinete da ministra Margarida Balseiro Lopes.

Também este ano o Governo prevê lançar, até ao final de março, uma primeira versão do modelo de IA Amália, que será uma espécie de alternativa nacional ao popular ChatGPT, um programa de IA que responde e executa pedidos dos utilizadores em linguagem natural. A agenda irá prever “a aquisição de capacidade de computação a ser utilizada para desenvolvimento tecnológico relacionado com a IA”, lê-se na nota do Governo divulgada esta segunda-feira.

Além disso, o país tem uma Estratégia Nacional para os Semicondutores, que foi publicada há precisamente um ano, com a previsão de um envelope com um montante máximo de 121,1 milhões de euros até 2027 para a implementação das medidas, a cargo da Fundação para a Ciência e a Tecnologia e da Agência Nacional de Inovação (ANI).

O plano, publicado pelo anterior Governo, estabelecia para os próximos três anos a promoção do acesso ao Chips Fund da União Europeia, para agilizar o financiamento de capital de risco, através da organização de workshops técnicos ou fóruns de discussão entre especialistas e agentes da indústria.

A proposta Bruxelas para a legislação europeia dos semicondutores, apresentada no início de fevereiro de 2022, prevê que este mercado duplique para 20% no Velho Continente, a mobilização de mais de 43 mil milhões de euros em investimento público e privado e recomendações aos Estados-membros para monitorizar e mitigar as perturbações na cadeia de abastecimento, entre outras medidas.

“Os semicondutores são elementos essenciais para a construção de produtos digitais utilizados em atividades quotidianas como o trabalho, a educação e o entretenimento, para aplicações críticas em automóveis, comboios, aeronaves, satélites, cuidados de saúde e automação, bem como para o funcionamento de infraestruturas essenciais de energia, mobilidade, dados e comunicações”, contextualiza o Executivo, na resolução publicada em Diário da República.

O Conselho de Ministros deu “luz verde” à Estratégia Nacional para os Semicondutores a 7 de dezembro de 2023 com a meta de promover “o crescimento do setor em Portugal, mobilizando e maximizando a participação portuguesa no EU Chips Act, potenciando assim novas oportunidades de cooperação institucional, industrial e de investigação, e contribuindo para o desenvolvimento de tecnologias inovadoras e competitivas no mercado internacional”.

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