Taxa de esforço trava acesso de jovens à garantia estatal no crédito à habitação
Profissionais do setor dizem que alguns jovens não conseguem aceder aos 100% de financiamento por ‘esbarrarem’ no critério da taxa de esforço (que não pode ir além dos 35%).
O critério da taxa de esforço está a impedir alguns jovens de usar a garantia do Estado para comprar casa e há bancos que aumentam o spread quando o empréstimo é com garantia, disseram à Lusa profissionais do setor.
Dirigida a jovens entre os 18 e 35 anos de idade, a garantia pública, que ficou operacional no início deste ano, aplica-se a contratos de crédito à habitação assinados até final de 2026 e permite ao Estado garantir até 15% do valor da transação.
Apesar dos escassos dias de aplicação da medida, Catarina Matos, diretora adjunta da DS Intermediários de Crédito, disse à Lusa que as lojas da mediadora já fizeram três escrituras de compra de casa através de empréstimo com a garantia pública e tem várias marcadas.
“A procura pela medida tem sido muito grande. Estamos a registar uma grande adesão por parte de jovens casais”, precisou Catarina Matos, notando, contudo, há também muitas situações em que os pedidos vêm recusados pelo banco.
Algumas destas recusas, refere, englobam pessoas que conseguiriam ter o empréstimo aprovado se se tratasse de um processo normal – ou seja, se estivessem a pedir até um máximo de 90% da avaliação da casa – mas que, com o recurso à garantia e consequentemente até 100% de financiamento, não cumprem o critério da taxa de esforço.
Também Ana Paula Silva, da Century21, refere ter já registo de vários casos em que os jovens não conseguem aceder aos 100% de financiamento por ‘esbarrarem’ no critério da taxa de esforço (que não pode ir além dos 35%).
Na prática e conjugando esta garantia com as regras para a concessão de crédito à habitação, a medida permite que os jovens consigam obter 100% do valor da avaliação da casa, em vez dos 90% de limite que vigoram para a generalidade dos clientes.
“O que estou a detetar é que muitas pessoas não têm noção do rendimento que é necessário para acederem aos 100%, porque se mantém a questão da taxa de esforço e a maioria dos casos não têm viabilidade”, afirmou a consultora da Century21.
Das cerca de dezenas de situações que tratou desde o início do ano, apenas cerca de uma dezena tem condições para aceder aos 100% do financiamento, diz Ana Paula Silva, acrescentando que daquilo que até agora tem observado, os 100% apenas vêm ajudar quem já antes tinha condições para comprar casa – faltava-lhe era a reserva de poupança para dar de ‘entrada’ porque em muitos casos são pessoas que começaram a trabalhar há pouco tempo.
Outra das situações que apontam é uma ligeira subida do spread (margem de lucro do banco) por parte de alguns bancos quando a simulação do crédito é com a garantia estatal.
“Há uma ou outra situação em que, quando dizemos ao banco que é um empréstimo com garantia pública, o spread é agravado“, disse Catarina Matos, notando que esta é também das explicações para que alguns ultrapassem o limite da taxa de esforço.
Ana Paula Silva disse à Lusa que até agora, nos casos que lhe passaram pelas mãos, tem conseguido manter os spreads, mas adianta ter já ouvido situações em que houve agravamento.
O presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), Paulo Caiado, sublinhou, por seu lado, algumas das “falhas de informação” sobre a medida por parte dos jovens.
“Há um número muito significativo que fica surpreendido com a forma como funciona a garantia estatal porque estavam convencidos de que haveria algum tipo de financiamento do Estado para a entrada’ da casa, referiu Paulo Caiado.
Considerando que a informação sobre a garantia estatal “não passou da forma mais eficaz”, Paulo Caiado assinala que há jovens que acham que a parcela do empréstimo ao abrigo da garantia pública não conta parta a taxa de esforço.
O presidente da APEMIP reitera ainda que, apesar do impacto da medida ser pequeno – porque os jovens não são o grupo maioritário dos que compram casa –, veio criar ainda mais pressão num mercado sem oferta de casas a preços acessíveis.
“Se estamos a criar medidas que levam as pessoas a ir às compras, facilmente se incrementam os preços”, acentuou.
A diretora de comunicação e conteúdos do Dr. Finanças, Sara Antunes, reporta uma situação algo diferente, avançando à Lusa que, apesar de ainda não ter números sobre os processos que lhe chegaram com recurso à garantia estatal, estes não são a maioria.
“Não houve uma ‘corrida’ à garantia, pelo menos até agora”, disse, salientando que muitas pessoas fizeram a escritura no final do ano passado, sem esperar pela medida.
“A garantia pública possibilita que não se dê ‘entrada’. Mas fizemos muitas escrituras no final do ano passado e [as pessoas] não esperaram pela garantia porque tinham capitais próprios para avançar”, disse.
A garantia estatal pode ser usada por quem esteja a comprar a primeira de habitação própria permanente cujo valor não exceda 450 mil euros. Os beneficiários não podem ser proprietários de prédio urbano ou fração de prédio urbano e não podem ter rendimentos superiores ao do oitavo escalão do IRS (cerca de 81 mil euros de rendimento coletável anual).
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