BRANDS' ECO Nuria Enguita: “No mundo em que vivemos, a colaboração é a base”
Nuria Enguita, diretora artística do CCB, reflete sobre a nova programação do centro cultural, que explora intimidade e dinâmicas urbanas, e destaca os desafios e parcerias no cenário cultural atual.
Nuria Enguita, Diretora Artística do MAC/CCB, partilha a visão por detrás da nova programação do centro cultural, que inclui exposições como Intimidades em fuga e Homo Urbanus. Além disso, abordou os desafios de equilibrar relevância local e internacional, o papel das instituições culturais na inclusão social e na educação artística, e as colaborações necessárias para o futuro das artes em Portugal.
Imaginamos que desenhar a programação cultural de uma instituição como o MAC/CCB para um ano seja uma tarefa desafiante, mesmo para alguém com a sua experiência. Como é que funciona este processo?
É de facto uma tarefa que mistura experiência com imaginação e que, no meu caso, tem em conta as caraterísticas de cada museu ou instituição. No caso dos museus com coleções, parece-me fundamental estudar o espólio para estabelecer um diálogo com as coleções, mas também com a história do museu e com o contexto geográfico, bem como tentar investigar novas formas de pensar as artes, oferecendo artistas mais contemporâneos e talvez mais desconhecidos.
A nova programação do MAC/CCB, com exposições como Intimidades em fuga e Homo Urbanus, aborda questões sobre intimidade e a relação entre pessoas e espaços urbanos. Qual foi a visão por detrás destas escolhas?
Homo Urbanus é uma exposição que fala sobre os usos humanos da arquitetura e dos ambientes construídos, neste caso as cidades — como nos apropriamos delas, do seu espaço público. No caso de Intimidades, a exposição mergulha nas coleções do MAC/CCB para estabelecer narrativas latentes. O trabalho de Nan Goldin foi o detonador desta ideia pela relação que estabelece com a forma como os artistas trabalham com estas noções de intimidade enquanto instrumento para contar a vida, para mostrar questões que têm que ver com o que cada um de nós é, nos termos da nossa sensualidade, sexualidade, memórias, espaços e tempos partilhados.
Em Homo Urbanus, a cidade é vista como um ecossistema. Como espera que esta exposição dialogue com o público lisboeta e com as dinâmicas urbanas locais?
É disso que se trata: pode dizer-se que as cidades são iguais e diferentes, que as dinâmicas são muito diversas, e são esses usos que marcam as formas de relacionamento de acordo com as diferentes maneiras de nos deslocarmos, de nos divertirmos, de viver, pensar ou sonhar. Bêka e Lemoine estão inclusivamente a rodar um filme sobre Lisboa, com estreia marcada para o dia 5 de março no MAC/CCB. Fiquem atentos!
Há alguma exposição ou iniciativa que gostasse de destacar?
A exposição de Fred Sandback, que também fala do espaço que partilhamos, da sua estrutura. É uma bela exposição que nos mostra a quase materialidade do espaço, do vazio. As crianças compreendem perfeitamente a exposição, e também os adolescentes — é muito interessante ver o comportamento das pessoas no museu, como se relacionam com a obra.
As parcerias com instituições como a RTP, a Cinemateca Portuguesa e o Instituto Francês de Portugal mostram um esforço de colaboração. Este espírito de colaboração entre instituições fortalece o impacto das iniciativas culturais? Seria desejável que apostássemos mais no trabalho conjunto?
As parcerias são sempre fundamentais. No mundo em que vivemos, a colaboração é a base: não podemos trabalhar sozinhos. A interdependência é absolutamente necessária e multiplica a eficácia. As nossas instituições devem trabalhar em conjunto para aumentar o seu alcance.
"Tenho muito respeito por todas as práticas artísticas, mas estou interessada naquelas que refletem sobre o mundo através da arte”
A sua abordagem parece focar-se menos na celebração individual e mais em processos coletivos e narrativas sociais. Porquê?
Tenho muito respeito por todas as práticas artísticas, mas estou interessada naquelas que refletem sobre o mundo através da arte. O artista brilhante e egocêntrico, herdeiro da imagem romântica, é muito problemático atualmente. Não tem nada que ver com categorias artísticas ou com trabalho social — há artistas que trabalham sozinhos nos seus estudos, mas cujas obras dialogam com o presente, o passado e o futuro do humano e mais-do-que-humano.
O MAC/CCB ocupa um papel central na promoção da arte contemporânea em Portugal. Quais são os desafios de equilibrar relevância local e apelo internacional?
Para mim, os contextos são importantes. Não é que seja localista, mas é sempre necessário trabalhar em ondas expansivas. Lisboa, neste caso, funciona como um nodo em diálogo com outros, distantes e próximos. O ecossistema é global, mas a sustentabilidade também implica trabalhar no contexto da escala local — sempre em independência e com um âmbito global, no entanto.
Num cenário de crescente digitalização e mudanças nos hábitos culturais, como é que o MAC/CCB adapta a sua programação para atrair um público diverso?
Estamos a trabalhar em diferentes abordagens, com o objetivo de atrair mais público: jovens, de diferentes classes sociais, e especialmente os mais desfavorecidos, os que pensam que o museu não é para eles, mas também pessoas com diversidade funcional, pessoas idosas — e sempre atentando no nosso público mais fiel. O Serviço de Educação e Mediação do MAC é muito ativo e conta com pessoal muito profissional. Temos de estar conscientes de que uma grande parte das artes visuais, plásticas, performativas, etc., tem de ser presencial. As tecnologias devem ajudar a criar o desejo e encorajar a vivência com estas manifestações, sem deixar de respeitar as suas especificidades.
Que papel tem o MAC/CCB na construção de pontes entre diferentes disciplinas artísticas, como a arquitetura, o cinema e a literatura?
Está no seu ADN. A ideia de um «chão comum», de uma «construção coletiva», etc., que são os nossos lemas, tem que ver com esta intersecção entre disciplinas muitas vezes distanciadas por uma ansiedade classificatória. Dada, o grande movimento de vanguarda, incluía artes visuais, design, performance, teatro, música e cinema. E estávamos nos anos vinte do século XX!
A programação cultural em Portugal enfrenta, muitas vezes, limitações orçamentais. Que soluções vê como viáveis para assegurar maior apoio público e privado às artes?
Uma maior consciência por parte dos nossos governos de que a cultura é necessária para a sociedade, e de que o sector público é importante para manter a igualdade de oportunidades. A colaboração privada é essencial, e Portugal tem uma tradição invejável de mecenato, pelo que intensificar estas relações é também um desafio que enfrentamos.
A recente dissolução da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo abriu novos desafios e oportunidades para a programação cultural. Como é que essa mudança afeta o MAC/CCB?
Não trabalhei na Fundação de Arte Moderna e Contemporânea — Coleção Berardo, pelo que não posso comentar as diferenças, mas o MAC/CCB, como um dos museus mais importantes de Portugal, tem um enorme desafio. Sendo uma fundação pública, tem também oportunidades de maior abrangência em termos de programação, considerando também as quatro coleções que alberga atualmente e com as quais trabalho: a própria Coleção Berardo, a CACE, a Coleção Ellipse e a Coleção Teixeira de Freitas.
"Sem cair no localismo, o museu deve preservar a diversidade do contexto e alargar o seu raio de ação.”
Qual é a sua visão sobre o papel das instituições culturais em Portugal para lá das exposições, nomeadamente em termos de educação artística e inclusão social?
Ainda não conheço muito em pormenor os programas educativos, mas creio que Portugal também foi pioneiro na implementação da mudança de paradigma em torno da ideia do museu como centro educativo, como local de encontro, como criador de discurso público, como arena política. Os departamentos de mediação são muito importantes, o que revela um compromisso encorajador.
Num mundo globalizado, como é que as instituições culturais podem preservar e promover as especificidades locais, enquanto evitam um certo apagamento cultural?
Como já referi, os contextos locais são fundamentais. Sem cair no localismo, o museu deve preservar a diversidade do contexto e alargar o seu raio de ação. É fundamental para um museu trabalhar com artistas, públicos e comunidades locais, e planear uma programação específica, sempre em diálogo com outras instituições fora de Portugal.
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