Presidente da Casa do Douro admite “lacunas”, mas pede às empresas de vinho para saírem da “trincheira”

  • ECO e Lusa
  • 27 Janeiro 2025

"Não sei se há receio de perda de capacidade de empurrar os preços para baixo”, refere Rui Paredes, depois de AEVP admitir recorrer ao tribunal para contestar a constitucionalidade da lei.

O novo presidente da Casa do Douro, que foi restaurada pelo Parlamento como associação pública de inscrição obrigatória, diz não entender a posição da Associação das Empresas de Vinho do Porto (AEVP) para impedir o regresso desta instituição, salientando estar disponível para o diálogo e construir pontes.

“Da minha parte estarei sempre disponível para construir pontes e, por isso, não entendo esta tomada de posição, penso que é ficar entrincheirado. Não sei se há receio de uma perda de capacidade de empurrar os preços para baixo”, afirmou Rui Paredes, que toma posse esta segunda-feira.

Como o ECO noticiou a 8 de janeiro, a AEVP diz que “tudo fará” para impedir o regresso da Casa do Douro, admitindo recorrer ao tribunal para a apreciação da constitucionalidade da lei que restaurou a instituição.

Criada em 1932 para representar os produtores de vinho da mais antiga região demarcada e regulamentada do mundo – o Douro –, a Casa do Douro viu os seus estatutos alterados em 2014, passando a ser uma associação privada de inscrição facultativa, depois de anos asfixiada em dívidas ao Estado e a credores privados. Depois de uma tentativa em 2019, primeiro vetada pelo Presidente da República e depois considerada, em algumas normas, inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, a associação foi restaurada em janeiro de 2024.

“Naturalmente, acho que passa muito por uma discussão com a própria AEVP, para perceber que este modelo – da reinstitucionalização da Casa do Douro – é um modelo que está em constante melhoramento, porque sabemos que há lacunas. É um modelo de partida”, afirmou Rui Paredes, defendendo que o “viticultor não pode continuar a ser o parente pobre da atividade, como tem sido”.

Rui Paredes, presidente da Casa do DouroPedro Sarmento Costa / LUSA 18 dezembro, 2024

“Tem sido a pessoa que anda de chapéu na mão para vender o seu produto, a não ganhar dinheiro, e isto não pode continuar a acontecer. Se eventualmente, neste modelo, entendem que passam a ser eles o parente pobre, não, nunca o serão. Nós entendemos que tem de haver um comércio forte, mas também tem que haver uma viticultura e um pequeno e um médio e um grande viticultor”, realçou.

O novo presidente defendeu que é preciso “dar empoderamento ao viticultor”, para que se sinta realizado, sinta novamente prazer em trabalhar a vinha e para que a vindima volte a ser uma festa com alegria e não com a tristeza de não saber o que vai acontecer às uvas.

“A economia da região vive do que é a vinha e o vinho, se nós retirarmos desta equação a vinha e o vinho estamos a contribuir para um maior empobrecimento da região e isto não pode continuar a acontecer. Os concelhos do Douro não podem frequentar os últimos lugares do que é o rendimento per capita do país”, frisou.

Rui Paredes deixou ainda um repto para o Estado que tem a ver com a “componente regional do que é a faturação das grandes empresas e que não está definida”. “Na realidade, a sede está no Porto e é no Porto que fazem o pagamento dos impostos, é no Porto que criam riqueza e é no Porto que fica tudo o que é retirado da região. E nós o que entendemos é que cada vez mais este tipo de empresas tem de estar sediado no Douro, tem de contribuir para a economia regional e não pode só retirar daqui o que é o melhor e depois levar para outra região”, referiu, assumindo que “esta é uma discussão difícil”.

Esta segunda-feira, no salão nobre da Casa do Douro, no Peso da Régua, distrito de Vila Real, tomam posse os órgãos eleitos a 21 de dezembro: conselho regional de viticultores e direção. O mandato é de três anos e Rui Paredes terá como vogais Fernando Alonso e Justina Teixeira. O conselho regional é composto por 51 membros eleitos por sufrágio direto dos associados singulares, sendo depois designados representantes das adegas cooperativas, cooperativas agrícolas e associações de viticultores.

Incorporação de aguardente no vinho do Porto

Por outro lado, o presidente da ‘nova’ Casa do Douro sublinha que quer “criar laços e “desatar muitos nós” que a região teme que “precisam de ser desatados”, além de trabalhar nas fundações e atribuições da instituição e ajudar na tomada de medidas, como a aguardente regional.

Nesta primeira fase da ‘nova’ associação, Rui Paredes quer passar uma mensagem de entendimento. “Que estamos imbuídos do mesmo espírito, na defesa do pequeno e médio viticultor, de toda a região. Nós temos de trabalhar muito nas fundações da nova Casa do Douro, ou seja, estruturá-la de uma forma que permita mantermo-nos como um legado eterno e não como algo efémero”, referiu.

As competências da instituição estão definidas na lei, mas, segundo o responsável, para as efetivar será necessário “um envelope financeiro que as sustente” e uma discussão grande com os vários parceiros deste processo, como o Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) e o Governo. Em simultâneo, acrescentou, é necessário continuar a trabalhar em medidas que ajudem os viticultores, a região, a crise nas vendas de vinhos e uvas e um “certo fundamentalismo” contra o setor.

Esta estruturação da Casa do Douro será algo que nos vai levar algum tempo. Agora, nada disto pode impedir a tomada de medidas urgentes, e isso é algo que nós não podemos deixar para um momento mais oportuno. Não. O momento oportuno era ontem.

Rui Paredes

Presidente da Casa do Douro

“Esta organização, esta estruturação da Casa do Douro será algo que nos vai levar algum tempo. Agora, nada disto pode impedir a tomada de medidas urgentes, e isso é algo que nós não podemos deixar para um momento mais oportuno. Não. O momento oportuno era ontem”, realçou, salientando que se quer “empoderar o viticultor”. Na sua opinião, “é importante que o viticultor não se sinta como um parente pobre, como alguém que anda sempre de chapéu na mão”.

Foram já tomadas medidas como o fecho da região à importação de vinhos, o Governo descativou verbas do IVDP para aplicar na promoção e a vindima em verde está vertida como uma proposta a ser apoiada caso haja necessidade este ano. “O consumidor tem de perceber que quando consome um vinho do Douro está efetivamente a consumir um vinho que tem atrás de si toda uma história, uma tradição, um saber fazer e fruto muito da sua especificidade enquanto região, tem custos”, defendeu.

Um dos grandes debates na região tem a ver com a produção de aguardente para incorporar no vinho do Porto a partir dos excedentes do Douro. A medida tem sido discutida no interpessoal e até deveria ter sido votada neste mês de janeiro, mas, segundo Rui Paredes, há um compasso de espera por um esclarecimento por parte do IVDP e do Governo.

A decisão é considerada importante para a região e foi muito reclamada por viticultores que, na última vindima, não conseguiram vender todas as uvas ou as venderam a preços baixos. “Uma outra situação que depois vai impactar com isto tudo é a definição de qual é o custo de produção”, afirmou.

A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) está a realizar um estudo que, segundo explicou, vai ajudar a perceber quais são os gastos do viticultor na sua vinha e os custos de produção que o produtor do Douro tem e irá apurar um preço abaixo do qual se está a vender abaixo do custo de produção.

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