Fisco entope Supremo com recursos e custos são “devastadores”, acusa juíza conselheira do STA
Dulce Neto, do STA, conclui que ainda há "um notável grau de relutância" por parte da administração tributária "em adotar" a jurisprudência dos supremos, o que tanto "onera contribuintes e empresas".
A juíza conselheira e ex-presidente do Supremo Tribunal Administrativo (STA), Dulce Neto, acusa o Fisco de entupir a instância judicial com recursos, os quais têm custos nefastos para o país.
A Autoridade Tributária (AT) ainda demonstra “um notável grau de relutância em adotar” as “jurisprudências qualificadas” dos supremos tribunais, “fazendo escusadamente adiar o trânsito em julgado de muitas decisões com consequências devastadoras a nível de congestão e morosidade das decisões, o que tanto onera contribuintes e empresas”, mas também o “erário público”, afirmou esta terça-feira durante a sessão de abertura das Jornadas de Jurisprudência Fiscal, que decorreram na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa.
A jurisprudência que emerge da secção tributária do STA já não é vinculativa, como no passado, ou seja, não tem força obrigatória geral, no entanto, Dulce Neto salientou que “a jurisprudência mais qualificada” deve ser seguida “por todos os que interpretam a lei, desde juízes, árbitros ou decisores administrativos”.
“Contudo, ainda subserva um notável grau de relutância em adotar esta postura, designadamente ao nível da administração tributária, o que se torna particularmente grave por força do artigo 68.º da Lei Geral Tributária, segundo o qual a AT tem o dever de rever as suas orientações genéricas quando exista um acórdão uniformizador de jurisprudência do STA ou jurisprudência reiterada nos tribunais superiores manifestada em cinco decisões transitadas em julgado no mesmo sentido sem que existam decisões de tribunais superiores em sentido contrário igualmente transitadas em julgado, em número superior”, defendeu a ex-presidente do STA.
Assim, esta norma “interessantíssima”, que consta da LGT, “não tem sido cumprida ou pouco cumprida, ainda que o pleno da secção tributaria do STA tenha estado bastante atuante em relação aos seus acórdãos uniformizadores de jurisprudência”, destaca Dulce Neto.
Por isso, “continuam a ser frequentes os recursos interpostos para o STA pela AT, que já haviam acolhido jurisprudência consolidada, fazendo escusadamente adiar o trânsito em julgado de muitas decisões com consequências devastadoras a nível de congestão e morosidade das decisões, que tanto oneram não só contribuintes e empresas como também os seus advogados que esperam e desesperam por uma decisão em transitado em julgado e pelo seu cumprimento”, alerta Dulce Neto.
A juíza conselheira lamenta “este paradigma cultural que perdura em Portugal, em que o Estado, no sentido amplo, ao invés de dar o exemplo, resiste ao acatamento do cumprimento de decisões judiciais que lhes sejam desfavoráveis”. Esta atitude, “para além de agigantar o elevado número de pendências e de gerar a perceção pública da sua ineficiência, gera um rombo no erário público dado que para além da redistribuição do imposto e do pagamento de eventuais juros indemnizatórios terão de ser pagos juros de mora, quando é ultrapassado o prazo de execução espontâneo da decisão”, vinca.
Para Dulce Neto, “é fundamental que Administração Tributária seja ágil e célere na adequação da sua atuação à jurisprudência pacífica e reiterada dos tribunais superiores e que faça um maior esforço no sentido de conciliar a sua liberdade na interpretação da lei com o princípio da igualdade da lei para todos os cidadãos e empresas”.
E citou o professor Alberto dos Reis: “Que adianta a lei ser igual para todos se for aplicada de modo diferente a casos análogos? Antes a jurisprudência errada, mas uniforme, do que a jurisprudência incerta. Diante de jurisprudência uniforme cada um sabe com o que pode contar; perante jurisprudência incerta, ninguém está seguro do seu direito”.
Dulce Neto criticou ainda a carência de uma “consciência de cidadania fiscal”, muito provocada pela existência de “normais dispersas, complexas, ambíguas e difíceis de interpretar”, que são inseridas nas leis do Orçamento do Estado (OE), as quais “potenciam o incumprimento pelos cidadãos e empresas”.
“Todos os anos, ocorre uma reforma fiscal através da lei do Orçamento do Estado com repercussões ao nível da estabilidade, coerência e inteligibilidade no quadro legal vigente, que potenciam o incumprimento pelos cidadãos e empresas seja pelo desconhecimento seja pela dificuldade da sua compreensão”, sinaliza Dulce Neto. Para além disso, sublinha, há por vezes alterações legislativas que, “embora legítimas, vêm derrubar posições jurisprudenciais já consolidadas designadamente através de normas interpretativas”.
A juíza conselheira do STA foi escolhida pelo atual Governo para presidir o grupo de trabalho que vai definir a forma como devem ser tributados em sede de IMI as barragens, os parques eólicos e fotovoltaicos.
Segundo o despacho assinado pelo ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento e publicado em Diário da República, a unidade liderada pela ex-presidente do Supremo Tribunal Administrativo (STA), Dulce Neto, tem até maio para apresentar uma proposta de alteração ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), determina o mesmo diploma.
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