Relação de Lisboa rejeita contratos de trabalho entre estafetas e Uber Eats
Não há consenso nos tribunais sobre trabalho nas plataformas digitais. Depois de Relação de Guimarães ter reconhecido contratos, noutros dois casos, Relação de Lisboa rejeita subordinação.
Há mais duas decisões dos tribunais portugueses que rejeitam o reconhecimento de contratos de trabalho entre estafetas e a plataforma digital Uber Eats. Desta vez, foi o Tribunal de Relação de Lisboa a pronunciar-se: em duas decisões a que o ECO teve acesso, realça-se que os estafetas têm autonomia e até podem trabalhar para plataformas concorrentes (“inclusive em simultâneo”), pelo que não se entende que haja “indícios de contrato de trabalho”.
No centro destas decisões está a chamada Agenda do Trabalho Digno, pacote de alterações à lei do trabalho promovido pelo Governo anterior e que abriu a porta a que os estafetas sejam reconhecidos como trabalhadores por conta de outrem, desde que haja indícios de subordinação, como a fixação de retribuição e o poder disciplinar.
Com base nessas alterações legislativas, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) foi para o terreno e identificou centenas de estafetas, tendo o Ministério Público avançado com processos no sentido do reconhecimento de contratos de trabalho com as plataformas digitais.
De acordo com o relatório enviado pela própria ACT ao Parlamento, a maioria das decisões de primeira instância (e já são quase 70) não reconhece a existência de contratos entre os estafetas e as plataformas. No entanto, em vários desses casos, o Ministério Público recorreu, pelo que estão agora a ser conhecidas também as decisões de segunda instância.
Por exemplo, conforme escreveu o ECO, o Tribunal da Relação de Évora confirmou a sentença que ditava a inexistência de contratos de trabalho entre a Glovo e 27 estafetas. Mas o Tribunal da Relação de Guimarães reconheceu o contrato a um estafeta, argumentando que o estafeta está sujeito a diversas formas de “controlo e de avaliação algorítmica por parte da plataforma”.
Já, desta vez, foi a vez do Tribunal da Relação de Lisboa se pronunciar. O ECO teve acesso a duas decisões relativas ao Uber Eats e em ambos os casos as juízas rejeitam haver indícios de subordinação que justifiquem o reconhecimento de um contrato de trabalho.
Numa dessas decisões, as juízas frisam que os instrumentos de trabalho pertencem ao próprio estafeta, o qual é livre de escolher não só o horário durante o qual presta atividade, mas também o local e até o melhor percurso para as entregas.
Acresce que o estafeta não está sujeito a exclusividade e a Uber Eats não controla o desempenho do estafeta. “Dir-se-á que o algoritmo exerce tal controle e que os tradicionais indícios como sejam a ausência de dever de assiduidade ou não concorrência, e mesmo a circunstância de não se estar vinculado a um horário de trabalho não constitui obstáculo à presença de subordinação jurídica. Porém, isso não ficou demonstrado no caso concreto e, logo, não pode pressupor-se”, lê-se na decisão.
Além disso, as juízas o estafeta pode filtrar os pedidos, em função do preço por quilómetro, e não é obrigado a usar “roupa distintiva da marca Uber Eats”.
“Tudo ponderado não vemos no conjunto de factos cuja prova se obteve indícios de contrato de trabalho, não obstante se admitir a inserção numa certa organização, porém sem que os autos evidenciem o exercício de poderes de autoridade conformes à disciplina laboral“, sublinham.
Já na outra decisão, a Relação de Lisboa destaca a autonomia do estafeta, detalhando que este não tem de justificar ausências, pode fazer-se substituir, pode bloquear clientes e pode prestar atividade a plataformas concorrentes, “inclusive em simultâneo”.
A ministra do Trabalho, Maria do Rosário do Trabalho, já adiantou que o trabalho nas plataformas digitais será uma das matérias a revisitar, no âmbito da reavaliação das mudanças à lei do trabalho que foram feitas na primavera de 2023. A falta de consenso nos tribunais torna clara a necessidade dessa reflexão, assinalam também os advogados.
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