Quem atribui as concessões aos casinos e como?
Lei do Jogo mudou em 2019 para dar mais poderes às autarquias. O setor é supervisionado pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos, do Turismo de Portugal, sob tutela do Ministério da Economia.
O caso Solverde, que revelou que a empresa familiar do primeiro-ministro recebe 4.500 euros deste império do jogo, está a levantar questões sobre a existência de conflito de interesses, porque Luís Montenegro representou o grupo nas negociações de contratos de concessão de casinos com o Estado. Afinal, como funcionam os acordos entre o Estado e as concessionárias?
A atribuição de um casino em Portugal envolve a abertura de um concurso público no qual podem participar as empresas que cumprirem um conjunto de critérios (ver abaixo) e é daí que surge o contrato de concessão para o vencedor – que depois pode ‘ficar’ com o espaço durante vários anos, porque não existe um limite específico para o número de concessões a serem atribuídas.
No processo de concessão, estão envolvidos os membros do Governo com a pasta do Turismo e das Finanças, além do Turismo de Portugal.
O advogado Ricardo Henriques esclarece que a iniciativa inicial cabe ao Governo, que tem de aprovar as peças procedimentais, cabendo a iniciativa ao membro do Executivo responsável pela área do turismo, sendo que antes houve um parecer das Finanças. A documentação prevê o “prazo da concessão, localização do casino, acervo dos bens afetos à concessão, critério de adjudicação, contrapartidas devidas como contraprestação pela concessão da exploração, montante das cauções a prestar pelos concorrentes e o modo de prestação das mesmas”, enumera.
A lançar dados para esta ‘roleta russa’ está também o júri das concessões, a quem cabe avaliar as candidaturas. É nesta etapa que existem critérios objetivos de análise (conhecimento, estrutura e capacidade dos operadores…) e outros subjetivos, como o nível de fomento do turismo que preveem para a região cujo casino querem conquistar. Ou seja, quem investir mais nos hotéis e atividades turísticas sai beneficiado.
Os jurados elaboram um relatório e apresentam uma proposta para o resultado do concurso. Há três anos, o júri analisou as duas propostas para a concessão de casinos em Lisboa e Estoril e defendeu a exclusão dos espanhóis da Bidluck, que até tinha proposto um valor mais alto do que a empresa portuguesa, e a concorrente acabou mesmo por sair de cena por incumprimento dos critérios do concurso.
Com base na recomendação do júri, o Governo aprova a decisão de atribuir a concessão.
É ao Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ) – que pertence ao Turismo de Portugal, e está sob tutela do Ministério da Economia – que cabe a responsabilidade de regular a prática e exploração de jogos de fortuna ou azar, tanto dentro dos casinos como nas apostas online. As licenças são emitidas pela Comissão de Jogos, interligada ao conselho diretivo do Turismo de Portugal.
Autarquias com mais poder de fiscalização
Em 2018, no âmbito da transferência de competências para as autarquias, a Lei do Jogo também sofreu alterações e passou a autorização de exploração das modalidades afins de jogos de fortuna ou azar – ou outras modalidades, entre as quais rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos – da administração direta do Estado para os órgãos municipais. Logo, a partir de 1 de janeiro de 2021, quando a lei entrou em vigor após o período de transição, a secretaria-geral do Ministério da Administração Interna deixou de intervir no assunto e os presidentes da câmara passaram a ter uma palavra a dizer.
“O presidente da câmara fixa as condições que tiver por convenientes para a exploração da modalidade afim de jogo de fortuna ou azar, as quais devem constar da autorização concedida, e determina o respetivo regime de auditoria. Cabe à assembleia municipal do respetivo município fixar o valor da taxa a cobrar pela emissão da autorização de exploração, que constitui receita do município”, explica a Abreu Advogados.
Desde então, as autarquias podem funcionar como entidade fiscalizadora e de validação dos concursos, bem como publicitá-los. No entanto, a atribuição de concessões para exploração de casinos continua debaixo do chapéu do Governo central.
Portugal tem mais de uma dezena de casinos
Atualmente, Portugal, tem em funcionamento um total de 12 casinos e uma sala de máquinas de jogo: Casino de São Miguel, Casino de Vilamoura, Casino de Monte Gordo, Casino de Portimão, Casino de Espinho, Casino da Figueira da Foz, Casino do Estoril, Casino de Lisboa, Casino da Póvoa de Varzim, Casino de Tróia, Casino de Chaves e Casino da Madeira. São estes que, a título de contraprestação pela concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, devem o pagamento de contrapartidas financeiras.
A concessão da Solverde para o casino de Espinho, que está no centro da polémica, termina em dezembro, porque teve uma extensão no pós-pandemia definido pelo Governo para compensar as empresas que tiveram as portas fechadas durante os confinamentos. É como o Estado tivesse oferecido os dois anos da Covid-19 (2020 e 2021) às gestoras do jogo. Tanto a zona de jogo Espinho com as do Algarve e Póvoa de Varzim foram esticadas até 31 de dezembro de 2025. No caso do Estoril e da Figueira da Foz (Sociedade Figueira Praia, da Amorim Turismo) até já tinham tido direito a mais um ano antes das restantes, dado que as respetivas concessões acabavam em dezembro de 2020 e o concurso não foi lançado.
Os operadores dos casinos são percecionados pelo mercado e pelos especialistas como “bem estabelecidos”, até porque a lista de empresas se tem mantido estável ao longo dos anos e garantem contratos anos após anos. “O setor do jogo terrestre tem-se mantido relativamente estável nos últimos anos e os operadores de jogos terrestres estão bem estabelecidos no mercado português. O quadro jurídico em vigor tem sido considerado adequado para salvaguardar o setor, uma vez que não foram introduzidas inovações importantes”, concluíram os advogados João Alfredo Afonso e Francisco Vieira de Almeida, numa análise à regulação do jogo publicada na Chambers.
No entanto, os advogados da Abreu questionaram-se sobre se a autarquias estão realmente “munidas das condições necessárias para a concretização desta sua nova competência”. “Caso contrário, antevemos diversas dificuldades no plano prático, colocando-se em risco a exploração das modalidades afins de jogos de fortuna ou azar em Portugal”, alertam.
Outras fontes ligadas ao setor questionam-se sobre se a tutela do jogo no Turismo de Portugal ainda faz sentido na era das apostas online e recordam que essa responsabilidade surgiu por causa do histórico negativo do jogo, que precisou de ser associado ao bem-estar e luxo.
Quais são os critérios para operar casinos em Portugal?
Para serem elegíveis para participar num concurso público para atribuição de uma concessão de casino, as empresas têm de:
- O operador deve ser uma sociedade anónima ou equivalente registado num Estado-membro da União Europeia ou qualquer país do Espaço Económico Europeu (EEE) e caso não se reja pela lei portuguesa deve ter sucursal em Portugal
- Mostrar comprovativos de solvabilidade – ou seja cumprir o rácio mínimo de capital próprio/ativo líquido previsto na Lei do Jogo
- A maior parte (60%) do capital social deve ser representado por ações que permitam ao emitente identificar, em qualquer momento, os respetivos titulares
A ligação entre a Solverde e Luís Montenegro remonta, pelo menos, a 2018, quando o escritório de advogados Sousa Pinheiro & Montenegro (SP&M) foi contratado pela empresa para prestar serviços jurídicos a troco de uma avença de 2500 euros. Os tais 4500 euros à Spinumviva surgiram poucos anos mais tarde, porque a sociedade só foi criada em 2021, revelou o semanário Expresso.
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