Dentista de Ronaldo usa IA para ‘combater’ doenças. ‘Missing link’ procura investidores

Miguel Stanley, dentista de personalidades como Ronaldo, quer pôr a Inteligência Artificial a detetar infeções orais com impacto na saúde. Procura 1,5 milhões para o projeto Missing Link.

Estima-se que mais de duas dezenas de doenças, entre as quais diabetes ou asma, possam estar relacionadas com uma inflação oral não tratada. O dentista Miguel Stanley quer colocar a Inteligência Artificial (IA) a ajudar a medicina a detetar essas inflamações, com impacto no bem-estar e saúde dos pacientes, através do Missing Link. O projeto, criado em conjunto com uma equipa ucraniana, está à procura de um investimento de 1,5 milhões.

“Há dez anos fui a uma conferência internacional e comecei a ficar mais atento ao impacto dos tratamentos fracassados, dos dentes impactados, tratamentos antigos e como é que isso poderia afetar o sistema imunológico dos meus pacientes”, explica Miguel Stanley, fundador da White Clinic e cofundador do Missing Link, com o empreendedor ucraniano Alex Ousach.

“Não há um tratado de Tordesilhas entre a boca e o resto do sistema. Os dentes saudáveis, mas também os dentes doentes, estão embutidos no nosso crânio, no osso, e o sangue circula. Portanto, o sangue que passa pelo coração, pelo cérebro, pela próstata, pelo rim, a cada minuto, passa por aquela zona inflamada”, descreve.

Situação que pode ter impacto em várias patologias. “Um estudo recente feito no centro de investigação da Egas Moniz School of Health and Science (Instituto Universitário Egas Moniz), em Lisboa, de 2022, liderada pelo Dr. [José] Botelho — e publicado na Nature Communications — descreve que 23 doenças não comunicáveis estão diretamente ligadas à inflamação oral. Entre os quais Alzheimer, doenças cardiovasculares, diabetes, etc.”, aponta.

Mas se o paciente não tiver dor — “a medicina dentária é, infelizmente, em muitas áreas um produto de consumo, é o paciente que dita quando vai ao dentista — e como “o tempo médio de uma consulta em Portugal, e no mundo, não é a ideal, e as primeiras consultas muitas vezes não têm o suporte tecnológico necessário“, como máquinas de raio-X panorâmicas, muitas vezes essas inflações orais não são detetadas.

O dentista dá conta dessa realidade no seu dia dia. Na White Clinic, diz, há mais de uma década que esse tipo de raio-X panorâmico é usado nas consultas. “Mais de 50% dos nossos utentes estavam totalmente ignorantes perante problemas graves que tinham na sua saúde oral, muito para além daquilo que os trouxe aqui: vieram para branquear os dentes e têm um quisto enorme à volta de um dente do siso impactado”, relata. “Depois faz-se um questionário médico e dentário e vê-se que têm problemas de origem inflamatório sistémico graves, e que os médicos estão a arranhar a cabeça, a tentar descobrir porque é que as terapias não funcionam”, continua.

Ligar a medicina à saúde oral

Miguel Stanley fala em “desconexão” entre a medicina e a saúde oral. E é para colmatar essa desconexão, esse elo que falta, que surge o Missing Link. A ferramenta usa IA para, através da leitura de raio-X panorâmicos, “localizar potenciais fontes inflamatórias”, explica o também vice-presidente da Digital Dentistry Society, organização que, entre outros, tem como objetivo educar profissionais de saúde oral sobre o uso de tecnologias na medicina dentária, definindo standards e boas práticas.

“Ao longo de quase três anos estivemos a treinar o modelo de machine learning para identificar quatro a cinco coisas que não deveriam estar numa panorâmica de uma pessoa saudável: desvitalizações; implantes dentários; zonas edêntulas (zonas em que falta dentes); dentes impactados (dentes que não saíram); e por último, artefactos. Por exemplo, restos que podem ter sido deixados após uma extração dentária, como mercúrio”, presente nas antigas amálgamas e chumbo, descreve.

A ferramenta IA — que está a ser desenvolvida por uma equipa ucraniana e portuguesa de 15 especialistas em IA — foi pensada inicialmente como um produto B2C, mas Miguel Santley acredita no potencial desta ferramenta para seguradoras, por exemplo.

Mais do que dinheiro, procuramos talento e pessoas com um track record já provado nesta área, porque a pior coisa que se pode fazer é simplesmente ser mais um ramo na árvore dos investimentos destes grandes grupos.

Miguel Stanley

Cofundador do Missing Link

Hoje no website os pacientes podem fazer upload dos seus raio-X panorâmicos e, “em uma hora — porque temos uma equipa médica dentária a fazer o double check nesta fase — é feito um relatório. “Não fazemos um diagnóstico, fazemos um screening, uma análise e uma sugestão: ‘Você tem aqui coisas que não deviam estar numa boca saudável. Procure uma clínica dentária que tenha TAC e um médico dentista especialista nisto para confirmar o diagnóstico'”, descreve Miguel Santley.

“Usamos o benchmark dos sites dos testes genéticos, que apesar de ser algo muito complexo, a linguagem utilizada é para o paciente comum”, continua. O Missing Link “está online há perto de oito meses. O feedback tem sido fenomenal“, assegura.

Fazer link com investidores

No projeto já foram investidos cerca de 1,5 milhões de euros sendo que neste momento estão à procura de mais capital para “ampliar o negócio e a equipa”: um total de 1,5 milhões de euros, avaliando a empresa entre cinco e seis milhões. “Mais do que dinheiro, procuramos talento e pessoas com um track record já provado nesta área, porque a pior coisa que se pode fazer é simplesmente ser mais um ramo na árvore dos investimentos destes grandes grupos”, diz Miguel Stanley.

“O flagelo da doença crónica pode estar associado a tratamentos dentários antiquados, mal executados ou simplesmente uma infeção oral que o próprio paciente não sabe que tem. Tenho fé que um bom grupo de saúde em Portugal agarre nisto, que fique com este projeto e que eu possa trabalhar com eles no desenvolvimento desta visão“, diz otimista.

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