Fraude nos seguros: Da simulação de acidentes à manipulação de dados
Manuel Castro, presidente do Colégio Automóvel da CNPR explica as fraudes nos seguros e como a IA pode ser tanto uma aliada na deteção como uma ferramenta para sofisticar esquemas fraudulentos.
A fraude em seguros assume contornos complexos e sofisticados. Do furto de veículos ao empolamento de danos, passando pela manipulação digital de provas, os métodos utilizados pelos defraudadores estão em constante evolução, explicou Manuel da Silva Castro, presidente do Colégio Automóvel da Câmara Nacional de Peritos Reguladores (CNPR) e ex-diretor de sinistros da Companhia de Seguros Tranquilidade (atual Tranquilidade Generali).

Fraudes mais comuns: Acidentes e roubos simulados
O especialista explica que existem dois principais tipos de fraude em seguros: a ocasional e a organizada. A primeira ocorre de forma esporádica, como meio de resolver uma situação pontual. A segunda envolve grupos que lucram com esquemas sistemáticos.
No ramo automóvel, a tipologia de fraudes esporádicas mais comum é “a inversão da responsabilidade através de participações onde são deturpadas as circunstâncias em que ocorreram os sinistros”. Estes casos são comuns nos despistes em “apólices que não contemplam a cobertura de danos próprios”. Nestas situações, há quem peça a amigos ou até familiares que participem o sinistro assumindo a responsabilidade para “conseguir a reparação por conta do segurador”, explica o especialista.
A assunção de responsabilidades por terceiros também acontece quando um veículo embate noutro que é envelhecido e de baixo valor, assumindo o último a responsabilidade do acidente para a seguradora pagar pelos danos ao outro automóvel, mais caros. O “carro velho” é geralmente compensado pelos prejuízos que teve no seu veículo e pelo agravamento dos prémios de seguro.
Outra prática recorrente é o agravamento de prejuízos. Com a colaboração de reparadores, os danos preexistentes são incluídos nos pedidos de indemnização e deste modo “o lesado consegue um valor substancialmente superior ao devido”, refere Manuel Castro.
“Na fraude organizada, os casos mais comuns são os de furtos de veículos normalmente da gama alta que são depois desmantelados, sendo as peças postas à venda no mercado ou então utilizadas para repararem veículos muito danificados – os salvados – que, curiosamente, a maior parte deles são comprados, direta ou indiretamente, às próprias seguradoras”, explica o presidente do Colégio Automóvel da CNPR.
“Num futuro próximo iremos ter casos de tentativa de fraude em carros elétricos quando as baterias, que são extremamente caras, chegarem ao fim do seu tempo útil de vida”, prevê Manuel Castro.

Como se detetam as fraudes?
A deteção de fraudes ocorre, principalmente, em três frentes. A primeira acontece no momento da participação do sinistro. As seguradoras usam sistemas automáticos para analisar o histórico do segurado, o tipo de ocorrência e outros indicadores. “Após a triagem, os casos selecionados como sendo potencialmente suspeitos seguem para verificação por especialistas e, confirmando-se o grau de suspeita, os sinistros seguem para averiguação”, explica.
A segunda frente envolve os peritos avaliadores. Estes são os primeiros a observar os danos e identificar possíveis irregularidades. Se houver suspeitas, “o perito pode gerar um alerta e o caso segue para análise e eventual investigação”
A terceira etapa consiste na averiguação direta. Um perito investiga documentos, analisa o local do acidente e cruza informações. “Ao detetar contradições ou incongruências, realiza diligências no sentido de apurar a verdade dos factos, aprofundando a averiguação.”
Não há almoços grátis
“No caso da fraude em seguros, a IA pode ser de uma ajuda enorme às seguradoras, mas também pode ser usada pelos defraudadores para aprimorar a forma como praticam as fraudes” afirma Manuel da Silva Castro.
As seguradoras utilizam algoritmos avançados para identificar padrões suspeitos e prever fraudes. Com isso, os processos tornam-se mais rápidos e eficientes.
“Com IA, será possível, usar algoritmos mais apurados, que analisarão as participações de sinistros e verificarão elementos importantes constantes nas mesmas, de tal forma que poderão ser extraídos elementos que permitirão analisar o grau de probabilidade de fraude a partir do documento digital”, declara Manuel Castro.
“Com base nesta pesquisa automática, chatbots poderão fazer entrevistas telefónicas, que serão baseadas em perguntas tipificadas e, de acordo com as respostas obtidas junto dos intervenientes, será feito um relatório de análise prévia, onde constará uma decisão relativa à necessidade, ou não, de se continuar a averiguar.”.
O especialista acredita que a IA tornará mais fácil a resolução sinistros mais simples “tornando a vida útil dos processos mais curta, proporcionando às seguradoras a redução de custos e a afetação dos seus recursos humanos, nomeadamente peritos e averiguadores aos grandes sinistros ou aos casos mais complicados”.
Por outro lado, os defraudadores também recorrem à tecnologia. Redes organizadas podem IA para otimizar esquemas (gerir melhor as tipologias, os intervenientes e as formas de operar).
“Um dos elementos a que as seguradoras devem estar mais atentas é à matéria probatória que é facultada. Com técnicas de IA é hoje possível forjar documentos com um realismo incrível, que nem um especialista conseguirá detetar, pelo menos na maioria dos casos”. A manipulação de fotografias é uma das maiores preocupações para as seguradoras – com ferramentas avançadas, é possível alterar imagens de acidentes de forma quase indetetável.
“A manipulação de imagens através IA leva uma dúzia de segundos nalguns programas e o resultado é absolutamente fantástico, devido ao realismo. Realismo este que torna quase impossível definir, com certeza, se uma imagem foi ou não manipulada. Por este motivo, as seguradoras deverão prestar cada vez mais atenção à documentação que recebem.“, alerta o especialista.
Nem tudo o que parece é
Distinguir fraude de um simples desacordo pode ser um desafio. Nem sempre há intenção dolosa. Muitas vezes, os sinistrados desconhecem exclusões nas suas apólices e tentam obter indemnizações indevidas sem o saber.
“Neste caso, deverá ser feita uma investigação, na qual o perito deverá apurar com o maior rigor as condições que envolvem o sinistro, para que, nem a seguradora, nem o lesado sejam vistos como litigantes de má-fé devido à divergência de opiniões, e de responsabilidades, sobre o sinistro. Havendo dúvidas, a parcimónia será a melhor forma de resolver a contenda entre as partes”, conclui Manuel Castro.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Fraude nos seguros: Da simulação de acidentes à manipulação de dados
{{ noCommentsLabel }}