Associação de Jovens Empresários vende sede à Câmara do Porto para pagar contas e salários
Imóvel comprado pela autarquia por 4,3 milhões permite à ANJE "assegurar liquidez financeira e estabilizar as finanças", após prejuízos causados por um “modelo financeiro e operacional insustentável".
A Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) vendeu o edifício-sede à Câmara Municipal do Porto por 4,3 milhões de euros “devido à necessidade imperativa de assegurar liquidez financeira e estabilizar as suas finanças, que se têm vindo a deteriorar ao longo de vários anos, fruto de um modelo de negócio e de funcionamento que se esgotou”.
Em declarações ao ECO, o presidente da ANJE, Carlos Carvalho, reconheceu que a transação, assinada esta semana com o município, depois do visto favorável do Tribunal de Contas, foi “uma solução necessária para garantir o cumprimento de compromissos com colaboradores e fornecedores, mas, acima de tudo, para continuar a cumprir a missão essencial da associação: fomentar, dinamizar e modernizar o empreendedorismo em Portugal”.
“Os resultados financeiros da ANJE dos últimos exercícios refletem o contexto financeiro desafiante que motivou a venda do edifício. (…) Especialmente nos últimos anos, a associação enfrentou dificuldades significativas, com resultados negativos que motivaram medidas estratégicas urgentes, como esta alienação patrimonial. Estas dificuldades têm raízes profundas num modelo financeiro e operacional que se tornou insustentável, justificando plenamente a necessidade da reestruturação que estamos agora a implementar”, explica o dirigente associativo.
A nova direção da ANJE decidiu propor a venda do edifício-sede ao município do Porto devido à necessidade imperativa de assegurar liquidez financeira e estabilizar as suas finanças, que se têm vindo a deteriorar ao longo de vários anos, fruto de um modelo de negócio e de funcionamento que se esgotou.
Carlos Carvalho, que em julho do ano passado substitui Alexandre Meireles na liderança da associação empresarial, justifica a escolha “natural” do município para a venda com o “vínculo histórico existente com a ANJE, incluindo as condições iniciais associadas ao terreno e ao edifício” situado junto à Foz do Douro.
Quando ao valor da transação, que foi definido mediante uma “avaliação externa”, o responsável sustenta é “justo e coerente com as condições de mercado e com as características do imóvel, especialmente considerando o ónus resolutivo sobre o terreno originalmente cedido gratuitamente pelo município”.
Em causa está um imóvel de seis pisos e logradouro localizado na Rua de Paulo da Gama, junto ao parque da Pasteleira e com vistas sobre o rio. É a sede da ANJE desde 2008 e usado como centro empresarial, onde presta serviços a pequenas empresas, incluindo a cedência de espaços.
Foi construído numa parcela de 3.100 metros quadrados entregue pelo município em junho de 1992, tendo em dezembro de 2003 a autarquia cedido à associação “de forma definitiva e gratuitamente” o direito de propriedade do solo sobre a referida parcela de terreno, como detalhado na proposta de compra.

No entanto, apesar deste encaixe financeiro imediato, a ANJE vai continuar a ocupar este espaço por mais dois anos, mediante um contrato de arrendamento no valor mensal de 24.875 euros.
Durante este período, Carlos Carvalho compromete-se a “implementar as medidas previstas para a restruturação e reorganização interna” da organização, que soma cerca de 5.500 associados e emprega mais de meia centena de pessoas. Acrescenta que “neste momento, o pressuposto assumido é que não continuará a ocupar o espaço” após o término deste contrato de 24 meses, que não prevê renovação.
O também CEO da tecnológica Adyta salienta que, embora a “missão não se esgote nas paredes dos edifícios” que ocupa, a ANJE “dispõe atualmente de outros espaços na cidade do Porto e noutras localizações no país, prevendo inclusivamente, fruto do crescimento e expansão das suas atividades, ocupar novos locais de norte a sul de Portugal”. Organizada em diversos núcleos regionais (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve), no verão passado cancelou a edição do Portugal Fashion por não ter conseguido reunir os apoios necessários.
Imóvel acolhe novo hub para empreendedores
De acordo com a proposta aprovada no final de janeiro pelo Executivo liderado por Rui Moreira e que mereceu críticas do BE e da CDU, no final do período de arrendamento, o imóvel será entregue ao município “em perfeitas condições de uso e livre de quaisquer ónus ou encargos, nomeadamente dos derivados de possíveis arrendatários, comerciais, industriais ou de outra natureza, que serão da total responsabilidade da ANJE”.
Sobre o futuro das entidades que são subarrendatárias, o autarca independente – atinge o limite de três mandatos e abre uma luta renhida pela Câmara, com pesos pesados e underdogs já no terreno – assegurou nessa altura ao vereador socialista Tiago Barbosa Ribeiro que só há um contrato de arrendamento com uma entidade, que explora o restaurante, sendo os restantes de serviços de incubação virtual, coworking e gabinetes com mais de 50 empresas.

Daqui por dois anos, a Câmara pretende transformar o edifício num centro multifuncional de apoio ao empreendedorismo, com espaços de incubação, formação empresarial, coworking, escritórios privados, auditórios, áreas de networking e para programas de aceleração e apoio à internacionalização. Um projeto que a autarquia da Invicta espera que contribua para “atrair investimentos, gerar emprego qualificado e mitigar barreiras como os elevados custos de escritórios, que limitam startups em fases iniciais”.
Questionado sobre se este plano foi discutido ou negociado consigo e sobre se a ANJE poderá ter uma participação direta na futura gestão do espaço, Carvalho respondeu que “embora não tenha existido uma negociação ou acordo formal prévio sobre o projeto específico que será desenvolvido no espaço, a iniciativa terá enquadramento com a sua atividade histórica e missão, pelo que reitera a sua total disponibilidade para colaborar com o município do Porto, tal como com qualquer município do país, na implementação de políticas públicas de empreendedorismo e em iniciativas complementares”.
Esquerda questiona apoio “encapotado”
Foi com os votos favoráveis do movimento independente “Aqui Há Porto”, PSD, Chega, PS e PAN, a abstenção de dois deputados do movimento independente que apoio Rui Moreira nos últimos 12 anos, e com o voto contra da CDU e do Bloco de Esquerda que a aquisição do imóvel foi aprovada pela Assembleia Municipal do Porto.
Durante a sessão, realizada a 3 de fevereiro, o comunista Rui Sá defendeu que este “não [era] o melhor negócio” e questionou mesmo a razão pela qual a compra acontece “em fim de mandato” autárquico, a poucos meses das eleições. Moreira respondeu que o objetivo passa por responder à procura de espaços para acomodar startups na cidade e falou numa proposta “transparente”.
Já Susana Constante Pereira, eleita pelo Bloco de Esquerda, denunciou “um interesse em dar apoio à ANJE num momento difícil”. Citada pela agência Lusa, a deputada municipal contrapôs nessa reunião da assembleia municipal que “se há uma vontade de apoiar financeiramente a ANJE, [então] que a proposta seja feita” de forma direta.
Rui Moreira ripostou então que o município não está a fazer “favor nenhum” à associação que representa os jovens empresários nacionais e tem sede na cidade – e a autarquia que até teve a possibilidade de fazer um “negócio por um preço justo”.
“Não devemos inventar a ideia de que há aqui alguma coisa obscura”, sentenciou o autarca portuense.
Já dias antes, a 27 de janeiro, quando o Executivo aprovou a compra do imóvel e o Bloco de Esquerda foi o único a votar contra, Sérgio Aires, vereador sem pelouro, tinha criticado a decisão. Apelidou-o como “um grande negócio” para a associação e disse “parecer um valor encapotado” disponibilizado à ANJE, depois de “todos os benefícios públicos que já obteve”.
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