Rival europeia da Starlink com operação na Madeira procura financiamento para se manter à tona

A Eutelsat precisa de levantar capital para manter a constelação de satélites que adquiriu em 2023. A empresa opera o teleporto do Caniçal e diz-se um dos maiores exportadores de serviços do país.

A Eutelsat, rival europeia da Starlink, que opera um teleporto na Madeira e “faz parte da lista dos maiores exportadores de serviços de Portugal”, está à procura de um financiamento “significativo” para se manter à tona, perante a concorrência feroz da empresa norte-americana fundada por Elon Musk.

Em 2023, a empresa com sede nos arredores de Paris adquiriu a constelação de satélites de baixa órbita OneWeb, num negócio de cerca de três mil milhões de euros. A empresa anunciou então, num comunicado, que a fusão posicionava o grupo para “ser um líder global nas comunicações espaciais”, contando atualmente com 36 satélites geoestacionários e cerca de 600 satélites de baixa órbita — designados por Low Earth Orbit, ou LEO na sigla original em inglês. Estes últimos são vistos como a tendência mais recente no setor, em detrimento dos geoestacionários (também conhecidos por GEO).

Porém, a concorrência da Starlink, que tem mais de 7.000 satélites LEO e está a crescer a grande velocidade, alcançando já seis milhões de clientes em 140 países, tem levantado fortes desafios à Eutelsat, noticiou recentemente a Bloomberg. Não menos importante é o facto de a Starlink ser detida pela empresa de foguetões de Musk, a SpaceX, beneficiando de importantes sinergias, especialmente no lançamento.

Especificamente na Península Ibérica, o crescimento da Starlink terá acelerado depois do ‘apagão’ de 28 de abril, incluindo em Portugal, principalmente graças ao desconto de quase 50% feito pela empresa de Elon Musk no preço do equipamento necessário para se aceder à rede. Em alguns estabelecimentos de retalho nacionais, as antenas da Starlink Mini com router integrado voaram das prateleiras, como constatou o ECO no Auchan do Fórum Almada em meados do mês de maio.

À luz deste cenário, a Eutelsat tem vindo a trabalhar num plano de financiamento: Claramente, teremos agora de ir para um financiamento significativo”, admitiu em maio o CFO da Eutelsat, Christophe Caudrelier, durante uma chamada com analistas. “Temos discussões em andamento, diria, com potenciais fornecedores de capital, e estamos a avaliar várias soluções”, acrescentou, reconhecendo, novamente, que as necessidades de capital do grupo representam um “montante significativo”, sem adiantar um valor.

Questionada pelo ECO sobre as atuais necessidades de financiamento, a empresa não quis comentar. No entanto, fonte oficial recusou a ideia de que o grupo enfrenta concorrência da empresa de Elon Musk, sublinhando que “a Eutelsat não é um player B2C como a Starlink”, focando-se “apenas nos segmentos B2B e B2G” — dito de outra forma, que os clientes do grupo são “apenas” empresariais e governamentais, e não consumidores.

Todavia, em abril, Joanna Arlington, chefe do departamento de Comunicação e Relações de Investimento da Eutelsat, reconheceu numa entrevista à Renascença que existe um “interesse efetivo em saber se a Eutelsat poderia ser um substituto da Starlink”.

A Eutelsat opera o teleporto do Caniçal, na MadeiraD.R.

Segundo a Bloomberg, os problemas da Eutelsat poderão contagiar vários governos europeus, visto que a empresa é tida como estratégica perante o domínio tecnológico dos EUA. Aliás, aos analistas, o CFO admitiu que a empresa tem tido “muitas discussões com diferentes governos”, incluindo países europeus e “não só”, que procuram serviços de conectividade por satélite de origem “alternativa” aos EUA e à China. E em abril, num claro exemplo do valor estratégico desta empresa europeia, a Reuters noticiou que a Alemanha estava a pagar pelo serviço da Eutelsat para fornecer internet por satélite à Ucrânia.

O Governo francês, que se diz particularmente atento à situação, poderá ser chamado a fazer parte da solução para a Eutelsat, na medida em que França detém 13,59% da empresa. O processo até já estará em curso, com a Bloomberg a avançar que o Governo de França tem vindo a negociar com duas empresas francesas e com o governo britânico uma injeção de 1,5 mil milhões de euros na Eutelsat. Instada a confirmar esta informação, a empresa não comentou. O Reino Unido detém 10,89% da Eutelsat, enquanto o grupo indiano Bharti Global — maior acionista da British Telecom –, é dono da maior fatia do capital, 24,09%.

De resto, a Eutelsat também tem enfrentado alguma instabilidade interna. Recentemente, a anterior CEO, Eva Berneke, terá sido afastada, em simultâneo com a saída de quatro outros executivos, dando lugar a Jean-François Fallacher, anterior CEO da Orange, que assumiu a liderança da empresa de satélites este mês. De saída do grupo esteve também Dominique D’Hinnin, então chairman.

Já esta semana, o novo CEO encarou as informações de que a empresa esteja numa parca situação financeira. “Deixe-me corrigir um mal-entendido: a Eutelsat não está com dificuldades financeiras. Não. A Eutelsat tem uma necessidade de financiamento. Há uma diferença. Precisamos de financiamento para desenvolver a constelação [OneWeb] e continuar o nosso crescimento, que já começou e tem sido significativo, e para preservar esta capacidade estratégica única”, terá afirmado o gestor no Paris Air Show, citado pelo site Advanced Television.

Da Madeira para o espaço

Em Portugal, a Eutelsat detém a subsidiária WorldVu Unipessoal Lda. — de momento sem atividade — e apresenta-se como Eutelsat Madeira, empresa registada na Zona Franca da Madeira, com apenas um acionista, a Eutelsat SA. Em junho de 2022, a operadora espanhola de internet por satélite Eurona adquiriu à Eutelsat um portefólio de cerca de 1.000 clientes de internet por satélite, incluindo em Portugal, o que permitiu à Eurona anunciar a entrada no mercado português três meses depois. “A Eutelsat terminou todas as suas operações de distribuição de retalho em 2022”, confirmou ao ECO fonte oficial da empresa.

Nesse mesmo ano, num parecer enviado à Anacom ao abrigo de uma consulta pública sobre alocação de espetro para o 5G, a Eutelsat informou que “opera atualmente um teleporto localizado no Caniçal, Madeira, com mais de dez estações terrestres, ligadas à monitorização e controlo da frota do grupo e ao projeto Konnect, também do grupo, e com desenvolvimentos em curso no seu roteiro”.

A empresa afirmou-se ainda como “um dos maiores exportadores regionais”, fazendo “parte da lista dos maiores exportadores de serviços em Portugal, contribuindo ativamente para o PIB regional e nacional”, sublinhou.

Portugal foi um dos 17 membros fundadores da Eutelsat em 1977, enquanto entidade intergovernamental designada por Organização Europeia de Telecomunicações por Satélite, com o objetivo de fornecer “o segmento espacial necessário para a prestação de serviços de telecomunicações internacionais da Europa, incluindo serviços de radiodifusão”, recorda a Anacom. Décadas mais tarde, em 2001, os ativos da Eutelsat acabariam por ser transferidos para uma empresa privada, por ocasião da liberalização do setor das telecomunicações na Europa.

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