O caso que está a abalar a fé do movimento MAGA em Trump

  • Joana Abrantes Gomes
  • 13:45

Congressistas republicanos e membros do movimento MAGA estão contra a decisão do Departamento de Justiça dos EUA de não divulgar os “ficheiros Epstein”, contrariando uma promessa de Trump.

Depois de um período inicial de lua-de-mel marcado por uma lealdade aparentemente inabalável dos republicanos e do movimento MAGA (“Make America Great Again”) em relação a Donald Trump, começam agora a ver-se sinais de desgaste na base de apoio do Presidente dos EUA, regressado à Casa Branca há apenas meio ano e com uma taxa de aprovação no índice Reuters/Ipsos em queda.

Nas últimas semanas, o descontentamento com a posição da Administração norte-americana em relação ao Irão e ao apoio à Ucrânia deu lugar a fortes críticas contra o recuo na sua promessa de divulgar documentos que, segundo sugerido anteriormente, conteriam revelações importantes sobre Jeffrey Epstein, acusado de crimes sexuais e financeiros, incluindo abuso sexual de raparigas adolescentes e organização de uma rede de pedofilia e de tráfico sexual, e do qual está documentada a proximidade com Donald Trump.

O caso Epstein — que foi encerrado após a confirmação da sua morte, por suicídio, na prisão de segurança máxima de Manhattan, em Nova Iorque, em 10 de agosto de 2019 — tem estado no centro de uma nova polémica nos Estados Unidos, após o multimilionário Elon Musk, em rutura com Trump, ter levantado a suspeita, numa publicação na rede social X entretanto apagada, de que o líder da Casa Branca está implicado nos ficheiros em causa.

A indignação subiu de tom depois de o Departamento de Justiça (DOJ, na sigla em inglês) e o FBI (Departamento Federal de Investigação) terem publicado um memorando, na semana passada, em que concluem que não há provas de que Epstein tenha mantido uma “lista de clientes” ou tenha sido assassinado. Além disso, divulgaram 10 horas de imagens de segurança da prisão que mostram que ninguém entrou na cela do milionário norte-americano no dia em que ele morreu por suicídio.

Jeffrey Epstein, acusado de crimes sexuais e financeiros, incluindo abuso sexual de raparigas adolescentes e organização de uma rede de pedofilia e de tráfico sexual, morreu na prisão em 2019.

Entre os devotos apoiantes do Presidente norte-americano que exigem a divulgação de mais informações sobre o caso está Marjorie Taylor Green. “É uma reversão total do que foi dito antes, e as pessoas simplesmente não estão dispostas a aceitar“, afirmou a deputada do Partido Republicano na Câmara dos Representantes, conhecida por ser adepta de teorias da conspiração de extrema-direita, numa entrevista à NBC News.

Marjorie Taylor Green, que sempre foi uma das mais fervorosas apoiantes de Trump no Congresso, criticou duramente a decisão do DOJ de não divulgar mais informações sobre Epstein: “Não o aceito e acho que mais ninguém o deveria aceitar. Acho que é um murro no estômago quando as pessoas normais vão para a prisão a toda a hora, quando fazem asneiras e fazem algo de errado, e depois parece sempre que as elites ricas e poderosas escapam.

Nancy Mace, também membro do Partido Republicano na Câmara dos Representantes, eleita pela Carolina do Sul, contou que tem sido bombardeada por eleitores furiosos que exigem mais transparência da Administração Trump sobre o caso. “É a única coisa de que ouvimos falar nas últimas 100 horas. Está em todas as plataformas de redes sociais, em todas as chamadas telefónicas para o escritório. Se se vê esse interesse num problema, é preciso dar resposta”, disse citada pelo The New York Times.

A congressista republicana defende a ideia de nomear um conselheiro especial para investigar se alguém destruiu provas e quem mais poderia estar envolvido no tráfico de meninas e mulheres jovens, apelando para que o Departamento de Justiça seja “mais transparente” nesta matéria.

O Republicano Mike Johnson, líder da Câmara dos Representantes e um fiel apoiante de Trump, também veio apelar à divulgação da informação sobre o caso Epstein.Lusa

O presidente da Câmara dos Representantes, Mike Johnson, juntou-se aos pedidos para a divulgação dos documentos adicionais. “É um assunto muito delicado, mas devemos divulgar tudo e deixar que as pessoas decidam. Quer dizer, a Casa Branca e a equipa da Casa Branca têm conhecimento de factos que eu não conheço. Esta não é a minha área e não estive envolvido nisso. Mas concordo com o sentimento de que precisamos de divulgar os factos”, respondeu, quando questionado num podcast de direita se apoia que a associada de longa data de Epstein, Ghislaine Maxwell, testemunhe perante o Congresso e se quer que o DOJ divulgue tudo o que tem sobre Epstein.

Grande parte da ira, ainda assim, tem sido dirigida à procuradora-geral Pam Bondi, também leal a Trump e que foi acusada por influenciadores de extrema-direita de ser cúmplice de encobrir o caso Epstein. Neste contexto, depois de ter despedido vários funcionários do Departamento de Justiça que trabalharam com o procurador especial Jack Smith na investigação sobre a retenção de documentos confidenciais por Trump e os seus esforços para reverter os resultados das eleições de 2020, esta quinta-feira despediu Maurene Comey, a filha mais velha do ex-diretor do FBI James Comey — que já tinha sido demitido por Donald Trump durante o seu primeiro mandato na Casa Branca, e está atualmente sob investigação juntamente com o ex-diretor da CIA, John Brennan — e a procuradora federal no caso de Ghislaine Maxwell, que conseguiu condenar a uma sentença de 20 anos de prisão em 2022.

Acho que é um murro no estômago quando as pessoas normais vão para a prisão a toda a hora, quando fazem asneiras e fazem algo de errado, e depois parece sempre que as elites ricas e poderosas escapam

Marjorie Taylor Greene

Deputada do Partido Republicano na Câmara dos Representantes dos EUA

No entanto, para os democratas, é Trump que não quer que os documentos se tornem públicos. “Definitivamente, esta não é uma razão para ela [Pam Bondi] se demitir, porque é claro que Donald Trump é quem está a dar o tom aqui”, disse o deputado democrata Jamie Raskin, membro da Câmara dos Representantes eleito por Maryland.

Trump cede à pressão para divulgar mais material

Para tentar amenizar a intensa pressão do seu contingente de apoiantes, o Presidente norte-americano anunciou que autorizava a procuradora-geral a divulgar publicamente “testemunhos pertinentes” relacionados com o acusado de tráfico sexual.

“Com base na quantidade ridícula de publicidade dada a Jeffrey Epstein, pedi à procuradora-geral Pam Bondi para produzir todo e qualquer testemunho pertinente do grande júri, sujeito à aprovação do tribunal“, escreveu Donald Trump numa publicação na Truth Social, na quinta-feira à noite. “Este esquema, perpetuado pelos democratas, deve acabar, agora mesmo!”, acrescentou.

Republicando a mensagem do líder da Casa Branca, Pam Bondi disse que faria esse pedido no tribunal federal na sexta-feira: “Presidente Trump — estamos prontos para pedir amanhã ao tribunal para revelar as transcrições do grande júri”.

O anúncio do Chefe de Estado norte-americano foi feito horas depois de o The Wall Street Journal ter publicado uma investigação sobre uma carta que Donald Trump terá enviado a Jeffrey Epstein em 2003, por ocasião do 50.º aniversário do milionário acusado de tráfico e abuso sexual de menores, para ser incluída num álbum que continha cartas de outros associados de Epstein e que estava a ser preparado por Ghislaine Maxwell.

Segundo o jornal, a carta contém várias linhas de texto datilografado, contidas dentro do contorno de uma mulher nua, desenhada alegadamente pelo atual Presidente dos EUA com um marcador. A assinatura do republicano surge rabiscada abaixo da cintura da mulher, “imitando pelos púbicos”. A carta conclui ainda com uma citação de Trump: “Feliz aniversário e que cada dia seja mais um segredo maravilhoso”.

No mesmo artigo, o The Wall Street Journal afirma que entrevistou o líder da Casa Branca na terça-feira, tendo este negado ser o autor da carta e ameaçado processar o jornal caso publicasse a notícia.

As alegações de que Epstein tinha abusado sexualmente de raparigas tornaram-se públicas em 2006, sendo preso pela primeira vez nesse ano. Epstein morreu em 2019 na prisão, depois de ter sido detido uma segunda vez e acusado de conspiração de tráfico sexual.

Em junho do ano passado, Trump — cuja ligação a Epstein está bem documentada, existindo, inclusive, fotografias dos dois juntos em eventos sociais — foi questionado, numa entrevista à Fox News, se iria divulgar os ficheiros do caso se fosse eleito. O então candidato presidencial republicano respondeu inicialmente. “Sim, libertaria”. Porém, ao mesmo tempo, também expressou algumas reservas. “Não se quer afetar a vida das pessoas se houver lá coisas falsas, porque há muitas coisas falsas em todo o mundo. Mas acho que sim”, ressalvou.

Não é claro se o material recolhido pelo grande júri, um órgão de investigação nos EUA que ouve depoimentos de testemunhas e emite intimações, inclui informação que fará compreender melhor o caso Epstein, visto que não se trata de um registo completo da investigação — apenas o suficiente para obter uma acusação.

O Departamento de Justiça deverá pedir a divulgação de material adicional, que normalmente é mantido em segredo — mas não se sabe que argumentos usarão para convencer o juiz a divulgar documentos que foram retidos para proteção das vítimas e dos acusadores.

Já as notas do FBI e entrevistas conduzidas fora do processo do grande júri são ficheiros, por norma, muito mais volumosos, que, mesmo que não sejam relevantes para o processo criminal, podem melhorar a compreensão pública do caso.

Donald Trump, que nas últimas semanas tem-se ocupado sobretudo com a política externa, tem agora um espinho cravado na sua imagem doméstica, que está a provocar fortes críticas até de fervorosos apoiantes.

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