Um guia rápido da tragédia do Elevador da Glória (em quatro pontos e 11 alíneas)
O Gabinete de Prevenção apresenta nota preliminar do acidente no Elevador da Glória, que vitimou mortalmente 16 pessoas, em Lisboa. E aponta para relatório preliminar em 45 dias.
O cabo que unia as duas cabinas do elevador da Glória cedeu. Esta é a principal conclusão da “nota informativa”, com sete páginas, do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), divulgado este sábado, relativo ao acidente que ocorreu na quarta-feira, exatamente às 18h03, em Lisboa, e que vitimou mortalmente 16 pessoas.
“O GPIAAF publicará um relatório preliminar previsivelmente no prazo de 45 dias dando conta dos trabalhos de investigação realizados e das conclusões que estejam disponíveis nessa data“. Mas deixa já indicado quais serão os principais pontos de investigação, de que ressaltam quatro mais relevantes:
- Condições e exequibilidade de realização das operações de inspeção e manutenção;
- Formação, experiência e proficiência dos técnicos envolvidos nas operações de manutenção;
- Fiscalização da execução da prestação de serviços pela entidade contratante, incluindo meios e frequência;
- Critérios de seleção do prestador de serviços;
- Enquadramento legal do ascensor da Glória e da sua supervisão;

1. História e características técnicas
- Funicular de 1914, operado pela Carris desde 1926: “Tem um curso de 276 metros e vence um desnível de 45 m, com uma inclinação média de 18%. A sua velocidade máxima de funcionamento é de 3,2 m/s (11,5 km/h) levando no percurso pouco mais de um minuto. É constituído por dois veículos, designados por “cabinas” e numerados 1 e 2, cada um com cerca de 14 toneladas de tara e capacidade para 42 pessoas, 22 das quais sentadas e as restantes em pé, além do condutor (designado por “guarda-freio”)”.
- Sistema de tipo automotor, cada cabina com motores próprios: “As cabinas são ligadas entre si por um cabo, o qual equilibra o peso de ambas através de um volante de inversão de grande diâmetro localizado no cimo da Calçada da Glória num compartimento técnico subterrâneo. Contrariamente ao sistema mais comum adotado nos funiculares, este volante não é motorizado para acionar o movimento do cabo e dessa forma movimentar as cabinas, sendo antes do tipo designado na literatura por funicular automotor”.
- Cabo subterrâneo liga as duas cabinas, funcionando como elemento de equilíbrio central: “Esse cabo é fixado ao leito de cada cabina (designado por “truque”) através de um carrinho especial (“trambolho”), que desde o truque tem um prolongamento que entra na vala e ao qual o cabo é amarrado por um processo especial”.
2. Eventos do acidente
- 3 de setembro de 2025, início da viagem pelas 18h03. “Pelas 18h00 do dia 3 de setembro, o ascensor da Glória encontrava-se com as suas cabinas estacionadas em ambas as estações, a n.º 1 no cimo da Calçada da Glória e a n.º 2 em baixo, junto à Praça dos Restauradores, recebendo passageiros”.
- Cabo rompe-se na fixação do trambolho da cabina nº 1. “Alguns instantes após o início do movimento e quando não teriam percorrido mais de cerca de seis metros, as cabinas perdem subitamente a força de equilíbrio garantida pelo cabo de ligação que as une. A cabina n.º 2 recua bruscamente, sendo o seu movimento sustido cerca de 10 metros depois pela sua saída parcial além do final da via-férrea e enterramento do trambolho do lado inferior no final da vala do cabo. Já a cabina n.º 1, no cimo da Calçada da Glória, prossegue o seu movimento descendente aumentado a sua velocidade”.
- Cabina nº 2 recua mas imobiliza-se; cabina nº 1 desce descontrolada até ao embate final a ~60 km/h. “Estima-se, com uma margem de incerteza não negligenciável devido ao desconhecimento de alguns parâmetros, que o primeiro embate tenha ocorrido a uma velocidade da ordem dos 60 km/h, tendo todos estes eventos decorrido num tempo inferior a 50 segundos”.
- 16 mortos, 5 feridos graves, 13 feridos leves (alguns transeuntes).
3. Constatações iniciais
- Cabo tinha apenas 337 dias de uso, ainda dentro da vida útil (600 dias). “Tem fixada uma vida útil de 600 dias para este uso e aquele existente no momento do acidente havia sido instalado há 337 dias, tendo ainda uma vida útil de 263 dias até à sua substituição. É considerado pela entidade operadora do sistema que a vida útil definida para o cabo tem um coeficiente de segurança significativo”.
- Manutenção em dia, inspeção visual feita na manhã do acidente sem anomalias detetadas. “O ascensor está sujeito a um plano de manutenção a cumprir pelo respetivo prestador de serviços, o qual prevê variados níveis de intervenção com periodicidades diferenciadas de acordo com o âmbito e extensões das intervenções. Estes vão desde grandes revisões a cada quatro anos até inspeções visuais diárias rotineiras aos elementos de segurança visíveis, com diversas outras inspeções e intervenções com periodicidade intermédia”.
- O ponto crítico da rutura não era visível sem desmontagem. “O plano de manutenção previsto estava em dia e na manhã do dia do acidente havia sido realizada a inspeção visual programada, a qual não detetou qualquer anomalia no cabo e nos sistemas de frenagem dos veículos. A zona onde o cabo se separou não é passível de visualização sem desmontagem”.
- Freios pneumáticos e manuais atuaram, mas sem capacidade de travagem suficiente. “As evidências indicam que o freio pneumático e também o freio manual foram rapidamente aplicados pelo guarda-freio da cabina n.º 1, mas que na configuração existente os freios não têm a capacidade suficiente para imobilizar as cabinas em movimento sem estas terem as suas massas em vazio mutuamente equilibradas através do cabo de ligação”.
4. Fragilidades do enquadramento institucional
- O Elevador da Glória não está sob alçada do IMT. “Na presente data a investigação constatou que o ascensor não está na alçada da supervisão do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., não detendo neste momento a investigação informação fidedigna e confirmada sobre qual é o enquadramento legal do ascensor da Glória nem sobre qual é a entidade pública que tem a obrigação de supervisionar o funcionamento e segurança deste sistema de transporte público, para além da intervenção de uma entidade acreditada que, por iniciativa da empresa operadora, inspeciona o equipamento aquando das grandes reparações a cada quatro anos”.
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