BRANDS' ECO Digitalização, sustentabilidade e escala determinam futuro dos transitários
O 20º Congresso da APAT, que decorreu nos dias 10 e 11 de outubro, em Évora, debateu os principais desafios do setor transitário.
Desafios como a digitalização, a automação e a transformação digital estão hoje no topo das agendas dos empresários do setor transitário. Esta mudança está, por um lado, a otimizar a cadeia de abastecimento, trazendo mais ganhos às empresas, mais segurança e mais eficiência, mas, por outro, está igualmente a ampliar desafios estratégicos, de liderança e de sustentabilidade. “O fator humano, novas competências e uma maior valorização profissional do setor, e a regulação adaptada às novas normas europeias complementam as exigências que se colocam aos transitários”, apontou Paulo Paiva, presidente da mesa da assembleia da APAT (Associação dos Transitários de Portugal) durante a sessão de abertura do 20º Congresso.

Uma atividade “cada vez mais fundamental para o desenvolvimento económico nacional, quer no mercado externo, quer para garantir a eficiência do mercado interno, e um setor que está entre os mais expostos ao contexto internacional”, como acrescentou Joaquim Pocinho. O Presidente da Direção da APAT recordou que os seus associados representam cerca de 1,35% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional, o que demonstra o peso desta atividade em Portugal.
Já no que se refere a desafios, Joaquim Pocinho destaca a globalização que “está a ser posta em causa com o aparecimento de novos polos económicos”, e o declínio da influência europeia na economia mundial que, acredita, “pode caminhar para a irrelevância”. A verdade é que, como sublinhou, “o mundo hoje está muito diferente daquele em que nascemos e que tomamos como adquirido”.
Sobre a atividade transitária, o presidente da APAT destacou a resiliência e a capacidade de adaptação do setor, mas alertou para a necessidade de “estar atento aos sinais dos tempos”. A digitalização, exemplificou, “é uma revolução profunda” que tem de ter em conta a mudança nos hábitos de consumo, as margens operacionais mais reduzidas, mas que tem de ser precedida “É preciso criar novas soluções para velhos dilemas”, reforçou.

Joaquim Pocinho referiu ainda, na sua intervenção, algumas das tendências atuais do setor transitário. Aumento de escala das operações, num mercado mais competitivo exigem, por exemplo, a criação de empresas maiores e mais produtivas, capazes de competir nos mercados globais. “As fusões e aquisições serão um processo natural para promover a escala, mas as PME serão igualmente fundamentais pela proximidade e capacidade de desenvolver soluções à medida”.
"Devemos começar por reformar as entidades do Estado que prestam serviço a este setor, mas também reformar a rodovia e a ferrovia, e os profissionais que têm de ser cada vez mais especializados”
Contudo, para que mais esta transformação seja possível, o presidente da APAT lembrou que é necessário que exista “vontade política através de processos legislativos que fomentem este fenómeno”. Joaquim Pocinho recorda o recentemente apresentado plano de desenvolvimento dos portos a dez anos (Plano 5+), que ambiciona aumentar as operações em 50%, através de investimento público e privado em melhoramentos tecnológicos e na descarbonização que, apresar de “bem pensado e com medidas boas, é difícil de gerir”. O grande problema, acrescenta, são as medidas do investimento do Estado que foram apenas apresentadas “de forma genérica”. “Esperamos que não seja apenas mais um powerpoint e uma oportunidade perdida”, acrescenta.
A fechar a sessão de abertura, Cristina Pinto Dias, Secretária de Estado da Mobilidade, deixou uma mensagem de vídeo, na qual salientou a importância de redinamizar o setor para que seja mais competitivo e concorrencial. Para tal, aponta a necessidade de acelerar a transformação digital e o reforço da sustentabilidade. “Devemos começar por reformar as entidades do Estado que prestam serviço a este setor, mas também reformar a rodovia e a ferrovia, e os profissionais que têm de ser cada vez mais especializados”.
Cristina Pinto Dias recordou também que o Governo acaba de apresentar a lei que vai regular o tempo de trabalho para trabalhadores móveis, como muitos dos que atuam neste setor. Reduzir os custos de contexto, simplificar e agilizar os processos são outras prioridades que a governante assegurou estarem a avançar.
Desafios em toda a linha
“A agenda que temos pela frente é muito exigente do ponto de vista da descarbonização”, começou por alertar Hermano Sousa, na sua apresentação no 20º Congresso da APAT. Adicionalmente, e na opinião do managing director da ESTE Shipping, a nova vaga de investimentos na frota marítima europeia levanta dúvidas estruturais num setor fragmentado e sob forte pressão regulatória. “No curto prazo, esta oferta excessiva pode ter consequências desastrosas”, afirmou. Com navios antigos ainda operacionais e novos modelos mais eficientes a entrar no mercado, o risco de concorrência desigual e de retorno incerto para os investidores é elevado.
O debate sobre as diferentes pressões sobre o setor, não apenas na vertente do transporte marítimo, continuou no primeiro painel do dia. Dos desafios da transição energética no transporte de mercadorias, à pressão para reduzir emissões e adaptar-se às novas exigências ambientais, os participantes foram unânimes na conclusão de que o setor continua a sofrer transformações profundas.
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Luís Teixeira, Diretor Geral da F. Rego -
Duarte Rodrigues, COO do Grupo Sousa, explicou que o grupo que representa soma investimentos de 18 milhões de euros na descarbonização da frota, mas lamentou a falta de apoio à construção de novos navios -
Frederico Francisco, Aerospace Engineer & Rail Expert -
Dalila Tavares,Transport Director da Leroy Merlin, Nuno Miguel, Area Manager da DAF Trucks Portugale Duarte Rodrigues, COO do Grupo Sousa -
Hermano Sousa, Managing Director da ESTE Shipping -
Tânia Diogo, Supply Chain Director do LIDL Portugal -
Vítor Enes, Diretor Geral de Business Development na Luís Simões -
“Há uma grande vontade de digitalizar, mas muitas empresas não estão preparadas, seja a nível interno, seja de mentalidades”, afirmou Sara Vera-Cruz Quintas, Customer Success & Retention Leader na CargoFive
“Os fabricantes europeus terão de reduzir 43% das emissões de CO₂ até 2030”, lembrou Nuno Mendes. O Area Manager da DAF Trucks Portugal sublinhou que isso só será possível com a rápida adoção de veículos elétricos. Contudo, alertou para os custos elevados que comporta. “Estamos a falar de um aumento de custos cerca de três vezes mais do que um veículo a motor.”
Uma realidade que se estende ao transporte marítimo. Duarte Rodrigues, COO do Grupo Sousa, explicou que o grupo que representa soma investimentos de 18 milhões de euros na descarbonização da frota, mas lamentou a falta de apoio à construção de novos navios. “Corremos o risco de competir com armadores estrangeiros que têm incentivos que nós não temos.”
Já Dalila Tavares, Transport Director da Leroy Merlin, apontou a importância de integrar o impacto carbónico nas decisões de compra. “Temos um objetivo de redução de 50% das emissões até 2030, com neutralidade em 2050.” Em França, a empresa já opera com 100 camiões elétricos, graças a incentivos estáveis e previsíveis, o que não é possível em Portugal.
Olhando para a ferrovia, Frederico Francisco defendeu que “a transferência modal para meios de maior escala, como a ferrovia, é em si mesma uma forma de eficiência.” O Aerospace Engineer & Rail Expert sublinhou que a sustentabilidade não se limita à tecnologia, mas também à reorganização dos modos de transporte.
Digitalização é uma luta entre a urgência tecnológica e a mudança de mentalidade
No segundo painel, dedicado à transformação digital no setor logístico, os intervenientes convergiram na ideia de que a tecnologia é um desafio complexo, mas que o verdadeiro obstáculo é cultural. “Há uma grande vontade de digitalizar, mas muitas empresas não estão preparadas, seja a nível interno, seja de mentalidades”, afirmou Sara Vera-Cruz Quintas, Customer Success & Retention Leader na CargoFive, sublinhando que a mudança exige mais do que ferramentas, “exige visão estratégica”.
A integração de sistemas, a interoperabilidade entre plataformas e a inteligência artificial (IA) foram temas que se repetiram nas apresentações dos oradores deste painel. Luís Teixeira destacou o papel da IA na mitigação de riscos. “A inteligência artificial não vai eliminar os sinistros, mas pode evitar que não sejam pagos”, afirmou o Diretor Geral da F. Rego. Já Vítor Enes, Diretor Geral de Business Development na Luís Simões, reforçou a oportunidade que “a digitalização oferece de permitir que os negócios sejam mais rápidos, ofereçam um melhor serviço ao cliente e ganhem mais dinheiro”.
Já Tânia Diogo, Supply Chain Director do LIDL Portugal, trouxe uma perspetiva prática, revelando que “o sistema é automático, mas precisa dos colaboradores. Se não for alimentado, não funciona.” No caso do LIDL, a aposta na logística inversa e na ocupação eficiente da frota são já pilares da sustentabilidade muito bem definidos.
O debate encerrou com uma reflexão sobre o papel dos transitários na era digital. “Hoje, o que importa é que os dados sejam confiáveis, que possam ser auditados. A reputação dá lugar à confiança nos sistemas”, concluiu Sérgio Baptista, CEO da Xolyd, apontando que a revolução não será apenas tecnológica, mas sobretudo de mentalidades.
Regulação deve ser inteligente
Uma abordagem regulatória adaptativa e baseada em evidência é essencial para enfrentar os desafios atuais da logística. A opinião é de Ricardo Reis, vice-presidente da AMT, que defendeu que “regulamentar em tempos de mudança significa encontrar um equilíbrio”. Contudo, o orador considerou fundamental a existência “de regras claras, mas flexíveis”. A digitalização, o e-commerce e a transição energética exigem “plataformas interoperáveis, hubs urbanos e combustíveis limpos”. Para Ricardo Reis, “sustentabilidade, competitividade e inovação não são objetivos contraditórios, são condições complementares”. O papel do regulador, concluiu, é “antecipar tendências e apoiar uma logística intermodal resiliente e competitiva”.
O primeiro dia do 20º Congresso da APAT encerrou com a conclusão de que o futuro dos transitários será definido pela capacidade de integrar tecnologia, sustentabilidade e escala de forma estratégica e colaborativa. Num setor que representa uma fatia relevante da economia nacional e que enfrenta pressões globais crescentes, a aposta na inovação, na qualificação dos profissionais e numa regulação inteligente será determinante para garantir competitividade e resiliência. Mais do que nunca, é preciso visão, coragem política e ação coordenada entre empresas, Estado e sociedade para transformar os desafios em oportunidades e posicionar Portugal como referência na logística do futuro.
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