BRANDS' ECO Indústria automóvel portuguesa em transição: inovação, regulação e competitividade global
A 7ª edição do Automotive Summit, promovida pela OPCO Creating Solutions em parceria com a InovaRia e a Mobinov, deixou uma certeza: o setor automóvel está a atravessar a sua maior transformação.
O Centro de Congressos de Aveiro foi palco de uma reflexão sobre a competitividade do setor automóvel da Europa face à Ásia, a pressão das normas internacionais e o papel que Portugal pode assumir na nova cadeia global da mobilidade. Na sessão de abertura da sétima edição do Automotive Summit, promovida pela OPCO Creating Solutions em parceria com a InovaRia e a Mobinov, Pedro Silva, diretor-geral da OPCO, recordou o percurso do evento e a ambição de fazer de Aveiro o ponto de encontro entre indústria, tecnologia e conhecimento. A coorganização com a InovaRia e a Mobinov marcou, segundo o responsável, “um passo importante para reforçar a ligação entre o setor automóvel, a inovação e a academia”, num contexto que exige “respostas conjuntas face aos maiores desafios de sempre”.
Paulo Marques, gestor executivo da InovaRia, sublinhou que “a tecnologia não é apenas um fator: é um motor de sobrevivência e competitividade”. Na sua intervenção, destacou a importância da microeletrónica e da inteligência artificial como eixos estruturantes do ecossistema de Aveiro, onde mais de 80 empresas e instituições “trabalham na linha da frente da transformação digital”. O dirigente defendeu que “o automóvel do futuro exige um coração tecnológico robusto” e que Portugal tem condições para se afirmar “na produção e advanced packaging de chips e semicondutores para segurança, comunicação e indústria automóvel”.
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Pedro Silva, diretor-geral da OPCO -
Paulo Marques, gestor executivo da InovaRia -
Miguel Araújo, managing director da Mobinov -
João Machado, Representante da Câmara Municipal de Aveiro
Seguiu-se Miguel Araújo, managing director da Mobinov, que fez uma defesa firme da cooperação e do “realismo regulatório”. Para o responsável, “a indústria automóvel e da mobilidade vive uma das suas maiores revoluções, mas também uma das mais rápidas”. O desafio, explicou, passa por “acelerar a transição digital e ecológica sem destruir a competitividade”. Araújo defendeu que “só com equilíbrio entre políticas públicas, necessidades da indústria e preferências dos consumidores será possível conduzir esta transformação com sucesso”.
Aveiro como cidade laboratório
O representante da Câmara Municipal de Aveiro, João Machado, encerrou a sessão de abertura com uma análise crítica à estratégia europeia. “Continuamos a falhar na visão que a União Europeia necessita. Falta estratégia, e falta capacidade de agir com rapidez”, afirmou, lamentando “as restrições sucessivas que estão a matar a competitividade europeia”. Destacou, contudo, o papel de Aveiro como cidade laboratório de inovação e mobilidade autónoma, onde o Aveiro Tech City Living Lab e a recém-criada Zona Livre Tecnológica “posicionam o município na vanguarda da experimentação em veículos inteligentes”.
Com o mote “Situação Atual no Setor Automóvel e Oportunidades Globais para Portugal”, o primeiro painel da manhã trouxe uma visão integrada sobre a indústria. O engenheiro André Ferreira, general manager da Sodecia EUA, abriu a sessão com uma análise comparativa entre os mercados norte-americano e europeu, realçando que “a indústria automóvel continua globalizada, mas enfrenta dinâmicas regionais muito distintas”. O orador destacou “a flexibilidade das empresas norte-americanas” e “a relação direta entre políticas públicas e investimento privado”, fatores que, disse, “explicam o dinamismo competitivo dos Estados Unidos”.
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Painel de debate “Situação Atual no Setor Automóvel e Oportunidades Globais para Portugal” -
Bruno Vidal, sócio-gerente da Uartrónica -
Raquel Laranjeira, Investigadora -
Miguel Pinto, presidente da Mobinov -
André Ferreira, general manager da Sodecia EUA
A investigadora Raquel Laranjeira, especialista em inovação, defendeu que o futuro da indústria portuguesa depende de uma mudança de paradigma: “Temos de evoluir da excelência industrial para a liderança em inovação. De fabricar componentes para gerar conhecimento”. Sublinhou ainda a importância dos ecossistemas colaborativos: “O futuro pertencerá a quem inovar com propósito, de forma responsável, sustentável e colaborativa”.
Miguel Pinto, presidente da Mobinov, contextualizou o momento da indústria com base em dados recentes da Associação Europeia de Construtores Automóveis. “A China cresceu acima dos dois dígitos, os Estados Unidos dão um salto tímido de 2,5%, e a Europa caiu 2%. É o retrato de um continente que se atrasou na mobilidade elétrica”, afirmou. Para o dirigente, “a Europa tem de se dinamizar e perceber que é urgente correr atrás do prejuízo”, salientando que “a transição energética e digital não pode ser travada pela burocracia”.
Para Bruno Vidal, sócio-gerente da Uartrónica, o desafio europeu está também ligado à gestão de cadeias de fornecimento. “A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, a escassez de matérias-primas e os custos energéticos estão a redesenhar o mapa industrial”, explicou. O empresário defendeu que Portugal “ganhou credibilidade como fornecedor”, mas precisa de “reforçar a flexibilidade e a rapidez de resposta”, fatores que considera decisivos para competir com a nova geração de fabricantes asiáticos.
O impacto da regulação europeia
O debate, moderado por António Costa, diretor do Eco, centrou-se ainda no impacto da regulação europeia, no défice de talento e na necessidade de acelerar o investimento em software e conectividade. Raquel Laranjeira alertou que “a Europa tem dificuldade em lidar com o risco e o erro”, enquanto Miguel Pinto defendeu “a criação de um observatório de transição justa” para acompanhar os efeitos económicos e sociais da eletrificação do setor.
A manhã terminou com o painel “Normas e Regulamentação no Setor Automóvel”, onde Markus Kinds (Schnellecke), Erica Biffi (Pirelli) e Paul Hardiman (Quality Partner), com a participação de Terry Onica e Cathy Fisher, discutiram a complexidade crescente das certificações e a necessidade de harmonização entre normas internacionais.
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Painel “Normas e Regulamentação no Setor Automóvel”, com Markus Kinds (Schnellecke), Erica Biffi (Pirelli) e Paul Hardiman (Quality Partner), e participação de Terry Onica e Cathy Fisher -
Painel “Normas e Regulamentação no Setor Automóvel”, com Markus Kinds (Schnellecke), Erica Biffi (Pirelli) e Paul Hardiman (Quality Partner), e participação de Terry Onica e Cathy Fisher
Markus Kinds apresentou a nova norma VDA 6.8, desenvolvida por um grupo de trabalho europeu liderado pela Infineon e várias OEM, sublinhando que o objetivo é “garantir processos logísticos integrados e mais seguros em toda a cadeia de fornecimento”. O responsável explicou que a nova versão “reforça a cibersegurança, a rastreabilidade e a sustentabilidade, mantendo compatibilidade com os sistemas anteriores”.
Já Paul Hardiman analisou as alterações ao IATF 16949, que regula a qualidade na indústria automóvel. “Não há mudanças dramáticas, mas há um foco crescente em ética, sustentabilidade e cultura da qualidade”, disse, alertando para “a proliferação de exigências específicas de cliente que tornam o sistema difícil de gerir”. O especialista defendeu maior coordenação global: “A quantidade de esforço perdido por causa de normas diferentes é enorme. A harmonização é essencial”.
Erica Biffi, diretora de Quality Assurance da Pirelli, trouxe a perspetiva do fornecedor. “Os suppliers de primeira linha vivem sobrecarregados por normas, auditorias e requisitos que muitas vezes se sobrepõem”, afirmou. “Precisamos de um sistema comum e integrado que permita responder a todos os padrões sem duplicar trabalho.” A executiva alertou ainda para a escassez de auditores qualificados e a dificuldade de recrutar especialistas: “Tenho 125 auditores em todo o mundo e não é suficiente para responder a todas as certificações exigidas. É humanamente impossível”.
O painel encerrou com consenso sobre a urgência de simplificar processos e promover maior alinhamento entre os referenciais técnicos. “A complexidade não pode travar a qualidade nem a inovação”, sintetizou Pedro Silva, ao concluir o debate.
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