Tribunal Constitucional tentava contactar Montenegro desde agosto. Primeiro-ministro só respondeu na segunda-feira

Presidente do Tribunal Constitucional revelou que fez sucessivas diligências junto do gabinete do primeiro-ministro e pede reforço orçamental "nunca inferior" a 750 mil euros para uma plataforma.

O presidente do Tribunal Constitucional tentou contactar, em agosto, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, sobre necessidades da instituição para o seu regular funcionamento, não tendo obtido resposta, até segunda-feira desta semana, três dias depois de ser anunciado o pedido ao Parlamento de audiência pela instituição. A revelação foi feita esta quinta-feira aos deputados por José João Abrantes, com a entidade a pedir um reforço orçamental de 1,6 milhões de euros.

Em 25 de agosto, escrevi uma carta ao senhor primeiro-ministro, expressando a minha preocupação quanto à falta de resolução, relativamente a vários assuntos que assumem relevante interesse para o funcionamento do Tribunal Constitucional, preocupação agravada pela ausência de resposta, não obstante as sucessivas diligências e tentativas feitas e que resultaram infrutíferas“, revelou o presidente do Tribunal Constitucional.

José João Abrantes falava numa audição parlamentar, realizada a seu pedido com caráter de urgência, conforme anunciado na semana passada durante a audição do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, no âmbito da apreciação na especialidade do Orçamento do Estado para 2026 (OE2026).

A resposta à tentativa de contacto do Tribunal Constitucional a Luís Montenegro, contudo, apenas chegou esta semana. “Devo dizer que na passada segunda-feira, dia 10 [de novembro], ao princípio da noite, mais concretamente às 18h13, três dias após o anúncio desta audição, recebi por e-mail uma carta do primeiro-ministro que, no essencial, não desfez as nossas preocupações“, explicou esta quarta-feira o presidente do Tribunal Constitucional.

Em 25 de agosto, escrevi uma carta ao senhor primeiro-ministro, expressando a minha preocupação quanto à falta de resolução, relativamente a vários assuntos que assumem relevante interesse para o funcionamento do Tribunal Constitucional, preocupação agravada pela ausência de resposta.

Presidente do Tribunal Constitucional

José João Abrantes adiantou que entre as matérias de preocupação que procurou manifestar junto do Governo desde o verão incluem-se o reforço da cabimentação orçamental para o ano de 2026 “num montante nunca inferior a 750 mil euros” paraa criação de uma plataforma eletrónica para desmaterialização da tramitação processual dos processos, que pelo mesmo são apreciados e julgados no quadro das suas competências constitucionais e legais”.

O responsável do Tribunal Constitucional indicou que outro dos pontos de preocupação prende-se com “o reforço da dotação” da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), a fim de lhe permitir a contratação de mais meios humanos e técnicos para cumprimento das suas atribuições. Paralelamente, revelou que formulou um pedido em junho ao gabinete do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, sobre o ajustamento do plafond proposto para o OE2026, com um aditamento em julho, na sequência da revisão das carreiras dos oficiais de justiça.

Os contactos com o poder executivo têm sido transversais a vários governos. O Tribunal tem sempre manifestado posições de princípio, o que pode ser exemplificado com a questão da plataforma eletrónica“, realçou.

Os contactos com o poder executivo têm sido transversais a vários governos. O Tribunal tem sempre manifestado posições de princípio, o que pode ser exemplificado com a questão da plataforma eletrónica.

Presidente do Tribunal Constitucional

No entanto, salientou que “todos estes assuntos não mereceram resposta atempada da parte do senhor primeiro-ministro pese embora as sucessivas insistências” do seu gabinete junto do de Montenegro. E avisou, na carta de agosto, que iria recorrer ao Parlamento.

“O tempo transcorrido aumentou, entretanto a premência de resolução de várias dessas matérias” também, assinalou, acrescentando que “sendo certo que o atraso dessa resolução já não impedirá alguns danos irreparáveis”, nomeadamente ao nível da ECFP e “naquilo que constitui o cumprimento da respectiva missão de controlo das contas e financiamentos políticos”.

O OE2026 prevê um aumento do orçamento do Tribunal Constitucional de 1,77%, passando de uma dotação orçamental de 11,1 milhões de euros em 2025 para 11,3 milhões de euros em 2026. No entanto, neste bolo incluem-se não apenas as verbas destinadas ao funcionamento do próprio tribunal, como das duas entidades que funcionam junto a si.

É neste contexto que advoga que a dotação prevista para o próximo ano para esta entidade leva à “impossibilidade de cumprimento de vários compromissos assumidos pelo Tribunal Constitucional, assim pondo em causa o seu regular funcionamento e o cumprimento das suas atribuições“, bem como das duas instituições que funcionam junto a si: a ECFP e a Entidade para a Transparência.

“Administrar a justiça em matérias de natureza jurídico ou constitucional e, com isso, garantir o Estado de Direito Democrático, também passa por um funcionamento do Tribunal Constitucional que não põe em causa o regular exercício da sua atividade”, defendeu, acrescentando: “A sua independência política, orgânica e funcional, e também financeira, deve ser garantida”.

O responsável do Tribunal Constitucional assinalou ainda que chegou a ter uma reunião marcada com o primeiro-ministro no dia 16 de dezembro de 2024, que “foi desmarcada” por contacto telefónico “na quinta-feira anterior”, dizendo “que depois voltaria a contactar daí uns dias”, mas “não houve esse contacto”. José João Abrantes justificou ainda o pedido de audiência ao Parlamento com “boas práticas” comparadas e recordou que os seus antecessores Manuel da Costa Andrade e João Caupers o haviam feito em 2019, 2020 e 2021.

TC pede reforço de 1,6 milhões de euros

Mariana Canotilho, juíza conselheira do Tribunal Constitucional, que acompanhou José João Abrantes, detalhou que a instituição tinha uma “previsão de perto de 12 milhões de euros em números arredondados das necessidades para 2026″, deste modo, a entidade identifica uma necessidade de um reforço de 1,6 milhões de euros no próximo ano face a 2025.

Dos cerca de 12 milhões estimados, “mais de oito milhões são despesa salarial, ou seja, salários e abonos vários, descontos para a segurança social“.

Paralelamente, a instituição prevê uma despesa de um milhão de euros em aquisição de serviços, dos quais o grosso passa pela aquisição de auditorias para a ECFP. “Não é tudo, naturalmente, há uma série de outros serviços, desde limpeza, segurança, mas o fundamental é isso”, explicou a juíza conselheira.

A responsável do Tribunal salientou que a execução da receita própria da instituição é desafiante. “Vamos fazendo alguns investimentos, muitos dos quais até mobilizamos as receitas próprias que temos que vêm das custas judiciais, que também têm uma dificuldade de cobrança e, portanto, dependem muito. Há alturas em que, por circunstâncias externas ao Tribunal, é mais fácil e outras alturas em que se torna muito difícil fazer a cobrança das custas”, salientou.

Para o próximo ano está prevista uma redução da dotação da ECFP de 1,61 milhões de euros em 2025, para 1,34 milhões de euros em 2026, uma diminuição de 16,77%. Paralelamente, a Entidade para a Transparência tem alocados 1,23 milhões de euros em 2026, uma descida de 18% face aos 1,5 milhões de euros previstos em 2025.

Apartes de Núncio geram tensão

A tensão entre o líder parlamentar do CDS-PP, Paulo Núncio, e o presidente do Tribunal Constitucional foi evidente ao longo da audiência, atingindo o pico no fim, com José João Abrantes a pedir “respeito”.

O Tribunal Constitucional, digo outra vez, exige o respeito absoluto pelo Tribunal. Nós respeitamos os outros órgãos de soberania, os senhores deputados têm de respeitar o Tribunal. E, portanto, quando eu estou a falar, o senhor deputado conhece-se apartes que, aliás, têm sido sistemáticos da sua parte desde o início”, afirmou o responsável do Tribunal Constitucional.

Antes, o centrista chegou a questionar o presidente do Tribunal Constitucional sobre se tem existido “má gestão financeira” e sobre a necessidade de frota de automóveis da entidade.

(Notícia atualizada às 17h40)

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