Ucrânia. O escândalo de corrupção que abala um país em guerra

  • Lusa
  • 13 Novembro 2025

O “sistema criminoso” terá permitido o desvio de 100 milhões de dólares (cerca de 86 milhões de euros, ao câmbio atual) no setor energético.

Em plena invasão russa, a Ucrânia está a ser abalada por um escândalo de corrupção que levou à demissão de dois ministros e à adoção de sanções do Presidente Volodymyr Zelensky contra um colaborador próximo.

Segue-se o que se sabe sobre o caso que envolve desvios de fundos no setor da energia, uma das piores crises que Zelensky tem de enfrentar desde o início da guerra em 2022, num trabalho da agência de notícias France-Presse (AFP).

“Operação Midas”

O caso rebentou na segunda-feira, quando o Gabinete Anticorrupção Ucraniano (NABU) anunciou ter realizado 70 buscas para desmantelar um “sistema criminoso” que permitiu o desvio de 100 milhões de dólares (cerca de 86 milhões de euros, ao câmbio atual) no setor energético.

Batizada de “Midas”, em homenagem ao rei da mitologia grega que transformava em ouro tudo o que tocava, a operação levou, até agora, à detenção de cinco pessoas.

Segundo o NABU, o esquema de corrupção obrigava os subcontratados da Energoatom (empresa pública de energia atómica) a pagar sistematicamente 10% a 15% do valor dos contratos como subornos para evitar o bloqueio dos pagamentos devidos ou para não perderem o estatuto de fornecedor.

Os alegados responsáveis por este sistema também criaram uma cadeia de decisão paralela dentro da empresa estratégica, impondo “gestores-sombra”. O dinheiro era, subsequentemente, branqueado através de uma rede de empresas, a maioria delas com sede no estrangeiro.

Zelensky sob pressão

A revelação do nome do mentor do vasto esquema de corrupção causou espanto: Timur Mindich, um empresário considerado um amigo próximo de Zelensky. Mindich deixou a Ucrânia pouco antes do caso ser tornado público, provavelmente rumo a Israel, segundo os meios de comunicação social ucranianos.

O empresário de 46 anos é coproprietário da empresa de produção Kvartal 95, fundada por Zelensky quando era um ator de sucesso, antes de entrar na política e se tornar Presidente em 2019. De acordo com o NABU, Mindich controlava o branqueamento do dinheiro desviado e a sua distribuição.

Mindich é também suspeito de ter influenciado decisões de altos funcionários do Governo, incluindo o ex-ministro da Defesa, Rustem Umerov, atualmente secretário do Conselho de Segurança. A equipa de Zelensky disse à AFP que o Presidente foi apanhado de surpresa pelas acusações e apoia totalmente a investigação.

“O presidente de um país em guerra não pode ter amigos”, afirmou Zelensky à agência financeira Bloomberg na quarta-feira, citada hoje pelo jornal ucraniano Kyiv Post. Perante o aumento das críticas, Zelensky pediu ao Governo para impor sanções a Mindich e ao empresário Oleksandr Tsukerman, ambos suspeitos de envolvimento no esquema.

O Presidente garantiu querer a transparência e exigiu a demissão do ministro da Justiça, Guerman Galuchtchenko, e da ministra da Energia, Svitlana Gryntchuk, que o fizeram na quarta-feira. Galuchtchenko, ex-ministro da Energia, é acusado de ter recebido “vantagens pessoais”.

Gryntchuk não é visada diretamente nesta fase, mas é considerada uma pessoa de confiança de Galuchtchenko. Um antigo vice-primeiro-ministro, Oleksii Tchernychov, é também acusado de estar envolvido.

Embora o escândalo não tenha provocado, por enquanto, reação da União Europeia (UE), o chanceler alemão, Friedrich Merz, cujo país é o principal doador europeu de Kiev, exigiu que Zelensky lutasse “com energia” contra a corrupção. A luta contra a corrupção e as reformas no domínio do Estado de direito fazem parte dos critérios de adesão da Ucrânia à UE.

Casos anteriores

A Ucrânia, onde a corrupção continua a ser um problema recorrente apesar dos progressos significativos nesta matéria, conheceu vários casos notórios desde que foi invadida pela Rússia, em fevereiro de 2022. Em setembro de 2023, o ministro da Defesa Oleksii Reznikov foi forçado a demitir-se na sequência de escândalos relacionados com a compra de uniformes e produtos alimentares a preços inflacionados para o exército, descobertos pelos meios de comunicação.

Mais recentemente, em abril, vários responsáveis da defesa foram detidos, acusados de estarem envolvidos no fornecimento ao exército de dezenas de milhares de obuses defeituosos. O sistema de mobilização para o exército também é conhecido por ser uma fonte de corrupção persistente.

Em 2023, Zelensky demitiu a totalidade dos responsáveis regionais encarregados do recrutamento militar para erradicar o problema. As relações entre a presidência e as entidades e ativistas anticorrupção são tensas.

No verão, o poder tentou privar o NABU e o Ministério Público Anticorrupção (SAP), criados há 10 anos, do estatuto de independência, antes de recuar perante o protesto da sociedade civil e dos aliados ocidentais de Kiev. A Ucrânia foi classificada no 105.º lugar em 180, no Índice de Perceção da Corrupção estabelecido pela organização não-governamental (ONG) Transparência Internacional para 2024, em comparação com o 142.º lugar em 2014.

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