BRANDS' ECO A poupança que não arrisca: o fosso crescente entre a Europa e os EUA
As MAG7 valem mais do que as 600 maiores empresas europeias. O problema da Europa é a incapacidade de transformar a poupança em investimento produtivo. O tempo para corrigir esta inércia está a acabar
A ascensão das grandes empresas tecnológicas norte-americanas não surpreende quem acompanha de perto as dinâmicas da economia global. Após um início de ano marcado por forte incerteza — incluindo tensões geopolíticas e disputas tarifárias — os principais índices bolsistas dos EUA recuperaram rapidamente e transacionam hoje perto dos máximos históricos. Essa recuperação tem sido fortemente impulsionada por um grupo restrito de gigantes tecnológicas: as chamadas MAG7 — Microsoft, Apple, Google, Amazon, Meta, Nvidia e Tesla.

O valor de mercado destas sete empresas ascende a cerca de 21 triliões de dólares, representando 35% da capitalização do S&P 500. Este montante equivale ao PIB anual dos 27 países da União Europeia e supera largamente a capitalização bolsista das 600 maiores empresas cotadas da Europa (cerca de 13 triliões de dólares). Por comparação, as sete maiores empresas da UE (EUR7) — ASML, LVMH, SAP, L’Oréal, Novo Nordisk, Siemens e Linde — não ultrapassam, em conjunto, os 2 triliões.
Esta concentração de valor constitui um fenómeno sem precedentes, revelador do domínio destas empresas sobre a economia digital, mas também da crescente assimetria entre os motores de crescimento dos EUA e da Europa. E essa diferença vai muito além da capitalização bolsista: estende-se à capacidade de gerar e reinvestir recursos.
A Europa, apesar de registar taxas de poupança mais elevadas, não consegue mobilizar eficazmente esse capital. Grande parte permanece imobilizado em depósitos bancários e aplicações de baixo risco
Nos últimos quatro trimestres, as MAG7 geraram 721 mil milhões de dólares em cash-flow operacional e investiram 356 mil milhões — cerca de 50% do total gerado. Já as EUR7, no mesmo período, geraram 100 mil milhões, investindo apenas 27 mil milhões — o equivalente a 27%. Curiosamente, o valor investido pelas EUR7 é inferior aos 34 mil milhões distribuídos em dividendos. As MAG7 faturam 5,5 vezes mais, geram 7,2 vezes mais cash-flow operacional e investem 13,2 vezes mais do que as suas congéneres europeias. A diferença de atitude estratégica é clara: enquanto as norte-americanas apostam em inovação, escala e longo prazo, as europeias priorizam a remuneração imediata dos acionistas.
Uma das razões que explica esta divergência está na forma como a sociedade americana canaliza a sua poupança para investimentos de risco. A Europa, apesar de registar taxas de poupança mais elevadas, não consegue mobilizar eficazmente esse capital. Grande parte permanece imobilizado em depósitos bancários e aplicações de baixo risco, longe dos mercados de capitais e do financiamento de empresas transformadoras. Estima-se que os depósitos bancários na Europa ultrapassem os 12 triliões de dólares.
Enquanto a Europa debate, analisa e procura consensos, os EUA investem a um ritmo sem precedentes para liderar a nova era da inteligência artificial. Ou a Europa acelera os mecanismos para transformar poupança em investimentos produtivos ou ficará condenada a assistir no sofá à revolução económica em curso
O resultado desta aversão ao risco é evidente: poupanças que se degradam com a inflação, inovação subfinanciada e uma economia que perde protagonismo à escala global. A fragmentação dos mercados financeiros, a ausência de uma verdadeira União dos Mercados de Capitais, a escassez de instrumentos acessíveis aos pequenos investidores e uma fiscalidade pouco favorável ao investimento de longo prazo reforçam um círculo vicioso: poupança estagnada, empresas sem escala e investidores desconfiados.
Neste contexto, não surpreende que várias vozes políticas na Europa sublinhem a urgência de integrar os mercados e criar incentivos eficazes à canalização da poupança para o investimento produtivo. Friedrich Merz defendeu recentemente a criação de um verdadeiro mercado de capitais europeu, com escala para competir com os EUA. Maria Luís Albuquerque tem incentivado uma aproximação dos produtos de poupança europeus os planos 401(k) e Roth IRA norte-americanos. Em Portugal, a literacia financeira entrou finalmente na agenda política. Todas estas iniciativas apontam na direção certa. Mas o tempo escasseia. Enquanto a Europa debate, analisa e procura consensos, os EUA investem a um ritmo sem precedentes para liderar a nova era da inteligência artificial. Ou a Europa acelera os mecanismos para transformar poupança em investimentos produtivos ou ficará condenada a assistir no sofá à revolução económica em curso.
Este artigo expressa apenas a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora.
Rúben M. T. Peixinho é Subdiretor e Professor Auxiliar na Faculdade de Economia da Universidade do Algarve, e Investigador Integrado no CEFAGE. É doutorado em Gestão pela Universidade de Edimburgo e em mestre em Investigação em Gestão pela Universidade de Cranfield.
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