Para salvar Reditus “boa”, administrador único pede aos acionistas insolvência da “holding”
Com capitais próprios negativos de 127 milhões, administrador defende insolvência para vender empresas "com algum valor". "Não vai sobrar nada para acionistas" da empresa excluída da bolsa em 2024.
Depois de ter sido expulsa da bolsa de Lisboa a 16 de setembro do ano passado, deixando os acionistas presos à empresa sem contrapartida, a Reditus SGPS está numa encruzilhada, enredada em dívidas ao Estado e à banca e com capitais negativos de 127 milhões de euros. Para salvar as operações “boas” do grupo, incluindo a atividade da tecnológica em Portugal e os 500 postos de trabalho, o único administrador da empresa propõe aos acionistas que aprovem o processo de insolvência da “holding”. Um “sim” que permitirá à “Reditus boa ser vendida”, distribuindo o que sobra pelos credores. O segundo maior acionista, com 14,5% do capital, considera o pedido de insolvência “despropositado” e diz que contas “não têm credibilidade”: “É um desastre total”.
Os acionistas da Reditus participam, esta terça-feira, na 2ª sessão da assembleia geral de 28/10/2025. O objetivo deste segundo encontro é votar dois pontos de trabalho que “ficaram por tratar”, segundo revela a convocatória. O primeiro destes pontos — e mais importante — é “deliberar, no caso de no anterior ponto da ordem dos trabalhos não serem apresentadas pelos acionistas as medidas necessárias para reforço da cobertura do capital, sobre a apresentação da sociedade ao processo judicial de insolvência e sobre a atribuição de poderes ao administrador Dr. António Santos Rolim Fushini Serra para praticar todos os atos necessários à execução da deliberação, designadamente a outorga de poderes forense gerais a advogado”.
Além da proposta de insolvência, há ainda em cima da mesa, a deliberação sobre a realização de uma auditoria externa às contas apresentadas pela empresa, pedida pela Carisvalor, de João Guedes, o segundo maior acionista com 14,49% do capital.
Depois de ter estado dois anos sem divulgar contas, com sucessivos atrasos de reporte, que culminaram na expulsão do mercado de capitais por parte da Euronext, a Reditus voltou a mostrar resultados aos seus acionistas. De lucros de 8,7 milhões de euros, em 2022, a tecnológica passou a prejuízos de 58,2 milhões de euros, de acordo com o relatório e contas consolidado disponível no site da empresa. Os capitais próprios são negativos em 126,96 milhões de euros, com dívidas ao Estado e à Segurança Social de 85,45 milhões e de cerca de 40 milhões à banca.
“A situação é de manifesta insolvência”, explica ao ECO, António Serra, o único administrador da Reditus, após a renúncia dos membros do conselho de administração no último ano. De acordo com o gestor, a situação da empresa agravou-se (muito) este ano, passando de uma situação em que se apontava para a viabilidade, para pedir a insolvência. António Serra justifica esta viragem com o fim de contratos em Angola, onde esperava manter um projeto de 87 milhões e estava a negociar outro de vários milhões, “negociações que não progrediram”.
Com capitais próprios negativos de “valor muito elevado”, “o turnaround dependia, portanto, do sucesso da atividade internacional, em particular na concretização dos negócios em Angola, nomeadamente a Fase IV do Projecto de Expansão e Desenvolvimento da Rede Privada do Setor de Defesa para o Ministério da Defesa de Angola (Forças Armadas Angolanas), no valor estimado de 87 milhões de euros, e o Projeto de Gestão Integrada de Informação, Gestão Processual e Desmaterialização dos Tribunais em Angola para o Conselho Superior da Magistratura Judicial de Angola, no valor estimado de 61 milhões de euros”, detalha o relatório e contas de 2023.
“Em finais de 2024, a Sociedade All2IT foi informada pela SIMPORTEX e pelo Ministério da Defesa de Angola (entidade contratante) que a Fase IV do projecto das Forças Armadas Angolanas não seria contratado e executado pelas empresas do Grupo Reditus” e, já no 1.º semestre de 2025, a empresa recebeu a notícia que “as negociações para o projeto do Conselho Superior da Magistratura Judicial de Angola não avançaram significativamente, não havendo perspetiva de qualquer concretização de negócio a ser celebrado com o Grupo Reditus que possa resultar em contrato nos próximos tempos”.
Perante a ausência destes contratos, “a Reditus Gestão deliberou apresentar à insolvência as empresas participadas: ALL2IT, Techinfor, Reditus Consulting e Partblack. “Em consequência dessa deliberação, tendo em conta que aquelas empresas são detidas a 100% pela Reditus Gestão, que é assim responsável pelos elevados passivos das mesmas, a Reditus Gestão igualmente deliberou apresentar-se à insolvência”, refere o mesmo documento.
Os números evidenciam que a empresa está insolvente. A situação é de manifesta insolvência.
Sem uma manifestação de interesse por parte dos acionistas para fazer investimentos no grupo, António Serra, atualmente maior acionista da holding, com 15,13% do capital, após Miguel Pais do Amaral ter passado cerca de 15% do capital para o administrador — numa transação de um euro — para permitir ao gestor ter maior representação para tomar as decisões que considerasse necessárias, admite que apenas um investimento de “largas dezenas de milhões de euros” poderia permitir a continuidade da Reditus SGPS. “Os números evidenciam que a empresa está insolvente”, reforça, defendendo que a insolvência da holding por liquidação é a solução que permitirá vender as empresas que estão a funcionar “razoavelmente bem”.
A Reditus Gestão, sub-holding do grupo, controla “empresas que estão a funcionar bem”, onde se inclui a tecnológica em Portugal, que emprega 500 pessoas. “A questão financeira da holding não afeta as filhas”. Pressionada pelo fardo da dívida, a solução proposta é fechar a Reditus “má” e vender a “boa”, distribuindo pelos credores o valor angariado nessas vendas. Para António Serra, esta é a solução para manter os postos de trabalho e os contratos com parceiros. Como habitual nestas situações, “não vai sobrar nada para os acionistas“.
Sou um acionista totalmente passivo há quase 10 anos. Para mim a Reditus já está esquecida há muito tempo. Já fiz o write off.
“Há muito tempo que a Reditus está muito mal. Já fiz o write off há muito tempo“, disse Miguel Pais do Amaral, ao ECO. O gestor, que era o acionista maioritário da tecnológica portuguesa até transferir o bloco de ações para o administrador atual, detém atualmente 10,47% do capital e mostra confiança no trabalho do gestor, em quem delegou. “Penso que o administrador está a fazer o tem de ser feito. Faço confiança no administrador”. Quanto à insolvência, “se é isso que ele propõe é isso que faz sentido“.
“Sou um acionista totalmente passivo há quase 10 anos. Para mim a Reditus já está esquecida há muito tempo“, destaca, esquivando-se a fazer maiores comentários sobre a situação financeira da empresa.
João Guedes, da sociedade Carisvalor, mostra-se menos conformado. O acionista, que também detinha perto de 5% do capital da falida Inapa e está a mover dois processos judiciais na sequência do processo de insolvência, assume que estava ciente que a empresa apresentava dificuldades quando investiu [“e estava consciente dos riscos”], mas “depois aparece isto assim com uma mudança de estratégia e levar a empresa à insolvência?”, questiona.
Há um acionista que quer muito declarar a insolvência. Não estou a ver motivação para que haja um acionista a propor a insolvência.
“É um desastre total”. “Não encontro uma justificação para votar a favor de uma situação de insolvência. Uma coisa é se há credores que pedem a insolvência, que eu saiba não há”, atira. Ainda sobre o pedido de insolvência considera-o “despropositado”. “O acionista maioritário está muito interessado para que desapareça tudo. Há um acionista que quer muito declarar a insolvência. Não estou a ver motivação para que haja um acionista a propor a insolvência“, critica.
João Guedes lembra que, “no fim do ano, em 2024, houve uma reunião onde estava tudo bem e falava-se sempre em continuidade e de repente apresentam-nos umas contas em que não há continuidade possível. Parece tudo uma artimanha”.
Resultados não auditados
Quanto às contas em si, João Guedes Contas diz que “não têm credibilidade”. “Ninguém se responsabiliza, não estão assinadas, nem auditadas”. Após a renúncia de quatro administradores ao longo do último ano, “o Conselho de Administração da Reditus SGPS não tem quórum constitutivo e deliberativo, pelo que as contas apresentadas não foram aprovadas pelo Conselho”, refere o mesmo documento.
O relatório carece ainda de certificação legal por parte de um auditor. “Após vários meses de trabalhos de auditoria, também o Revisor Oficial de Contas e Fiscal Único da Reditus Gestão e suas participadas renunciou ao cargo, invocando a inexistência de Órgão de Administração nomeado nos termos legais e estatutários, não emitindo, consequentemente, a certificação legal de contas dessas empresas”, justifica a empresa.
Sobre este ponto, António Serra mostra-se favorável a uma auditoria externa. “Não vejo inconveniente, mas a empresa não tem dinheiro. Se alguém quiser pagar [a auditoria] não tenho inconveniente nenhum“. Sobre os números de 2024, que ainda não são conhecidos, o gestor estima que sejam “um bocadinho piores” que os de 2023.
A Reditus foi criada em 1966 e chegou à bolsa em 1987, por decisão da família Moreira Rato, à data acionista maioritária. Focada na prestação de serviços de TI, Contact Center, BPO e Outsourcing para empresas de vários setores de atividade, a empresa passou pelo boom das tecnológicas, que levou os títulos a escalarem até uns inéditos 13,7 euros; chegou a cotar no principal índice da bolsa, onde entrou de mão dada com a outra tecnológica, a Novabase, no início de 2005; e ficou como um dos símbolos da euforia da bolha das “dot.com” no mercado português. No entanto, os últimos anos em bolsa foram tudo menos gloriosos.
As sucessivas falhas no reporte de resultados levaram a Euronext a colocar, em 2021, a empresa no seu compartimento de penalização, processo que terminou com a gestora da bolsa a tomar a decisão de expulsar a companhia do mercado, no ano passado. Com um passivo expressivo e grande exposição a Angola, a empresa apostou na reestruturação da sua dívida junto da banca, nos últimos anos, após chegar a ser alvo de ações de execução em tribunal. Quanto ao Estado, o maior credor, o administrador refere que a empresa pediu “várias vezes às Finanças para ter reuniões”, mas nunca teve resposta.
Prestes a ficar a zeros, mais uma vez — depois da Inapa — , João Guedes admite avançar para a justiça, dependendo do que sair da AG desta terça-feira. “Considero isto tudo uma grande ilegalidade”, remata.
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