Bruxelas quer fundos de pensões maiores e dar vida ao PEPP para ‘salvar’ reformas dos europeus
Pensões complementares automáticas para todos, fundos de pensões de maior escala e um PPR europeu turbo. É assim que a Comissão Europeia promete evitar reformas e pensões magras no futuro na Europa.
A Comissão Europeia quer que mais europeus poupem para a reforma e que essas poupanças trabalhem melhor para a economia, mas sem pôr em causa o papel central das pensões públicas.
Maria Luís Albuquerque, comissária responsável pelos Serviços Financeiros e União da Poupança e dos Investimentos, apresentou esta quinta-feira em Bruxelas o “Supplementary Pensions Package”, um pacote com uma recomendação e duas propostas legislativas que mexem com a forma como os europeus acompanham, constituem e investem as suas pensões complementares.
A comissária europeia partiu de um diagnóstico simples: “Na Europa, as pessoas vivem agora durante mais tempo e vidas mais saudáveis e devemos orgulhar‑nos disso”, mas isso pressiona sistemas públicos de pensões financiados por repartição, que continuarão a ser “a espinha dorsal” dos regimes de reforma nos Estados‑membros.
O pacote apresentado em Bruxelas assenta em três peças: uma recomendação aos Estados‑membros e duas propostas legislativas para rever as regras das pensões profissionais (IORP) e do produto europeu de pensão pessoal (PEPP) — conhecido também como o PPR europeu. “Com este pacote estamos a adotar uma abordagem abrangente para reforçar a procura e a oferta de pensões complementares”, resumiu Albuquerque, sublinhando que o objetivo é “complementar, não substituir, as pensões públicas”.
Este pacote baseia-se e complementa outras iniciativas da Comissão Europeia já anunciadas no âmbito da União de Poupança e Investimento (SIU), incluindo as relativas à literacia financeira e a recomendação sobre contas de poupança e investimento.
A recomendação centra‑se em três instrumentos: sistemas de acompanhamento de pensões (“pension tracking systems”), “dashboards” de pensões e mecanismos de auto-enrolment em esquemas complementares, como Maria Luís Albuquerque anunciou há dias na conferência anual da APFIPP.
Já as duas propostas legislativas mexem na diretiva IORP, para permitir a consolidação e maior escala dos fundos de pensões profissionais, e no regulamento do PEPP, para o tornar um verdadeiro produto europeu de poupança a longo prazo, mais flexível e atrativo para aforradores e fornecedores.
Transparência e pensões complementares automáticas
Um dos pontos centrais é a criação de sistemas de acompanhamento de pensões, plataformas digitais onde cada cidadão poderá ver, num só sítio, os seus direitos acumulados e o rendimento esperado na reforma, incluindo regimes públicos e complementares. “A realidade é que hoje não é fácil para os europeus perceber o que vão receber quando se reformarem”, reconheceu Albuquerque, alertando que essa falta de clareza leva muitos a não poupar ou a começar demasiado tarde.
A Comissão Europeia recomenda ainda a criação de “pension dashboards” nacionais, com indicadores sobre cobertura, contribuições, rendimentos na reforma por grupos da população e custos, que alimentariam um painel europeu para permitir comparações e aprendizagem mútua entre países.
“Isto dará mais confiança nos sistemas de pensões e apoiará o desenho de políticas a nível nacional com base em evidência”, explicou a comissária, insistindo que a estrutura dos sistemas continua a ser competência dos Estados e que estas iniciativas “não alteram” esse princípio.
A Comissão Europeia quer “reforçar a confiança nas pensões ocupacionais, melhorando a transparência e dando aos beneficiários informação mais clara e útil sobre o seu rendimento futuro de reforma”, refere Maria Luís Albuquerque.
A terceira peça da recomendação é o auto-enrolment, ou inscrição automática, em que os trabalhadores passam a ser inscritos automaticamente em esquemas de pensão complementar, com liberdade para sair se assim o desejarem. “O auto-enrolment ajuda a ultrapassar a tendência natural para adiar decisões sobre a reforma, garantindo que mais pessoas começam a poupar mais cedo e de forma consistente, respeitando plenamente a escolha individual”, sustentou Maria Luís Albuquerque.
Nos países onde já existe esta solução, Albuquerque refere que “tem‑se revelado bem‑sucedida em aumentar as taxas de participação e a adequação das pensões”, acrescentou.
Em resposta a uma questão colocada pelos jornalistas sobre se os salários baixos existentes em alguns países, como Portugal, não podem condicionar esta solução, a comissária admitiu que está é, “infelizmente, uma realidade em muitos Estados‑membros”, mas sublinhou que são “precisamente as pessoas com os salários mais baixos aquelas que se encontrarão em maior risco de pobreza na velhice se não fizermos nada”.
Propostas legislativas sobre regras das pensões e nova vida para o PEPP
No plano legislativo, a revisão da diretiva IORP quer atacar um mercado fragmentado, em que cerca de 80% dos esquemas têm menos de mil milhões de euros sob gestão e um terço menos de 25 milhões. “Com esta revisão queremos mudar isto, removendo barreiras à consolidação para que os esquemas possam operar de forma mais eficiente, reduzir custos e investir de forma mais estratégica no longo prazo, aumentando os retornos”, explicou Maria Luís Albuquerque.
Ao mesmo tempo, a Comissão Europeia quer “reforçar a confiança nas pensões ocupacionais, melhorando a transparência e dando aos beneficiários informação mais clara e útil sobre o seu rendimento futuro de reforma”.
Entre as mudanças, está uma clarificação do chamado “prudent person principle”, o princípio da pessoa prudente que dita como os fundos devem investir, para garantir que o investimento em ações por parte dos esquemas complementares “não é desencorajado” e contribui para retornos mais altos e mais financiamento para a economia europeia.
A outra proposta legislativa incide sobre o PEPP, o produto europeu de pensão pessoal que nunca ganhou verdadeira escala. “A nossa revisão visa torná‑lo mais atrativo e acessível para aforradores e fornecedores, transformando‑o num produto europeu, eficiente em custos e de longo prazo”, explicou Albuquerque, que passa, desde logo, pela eliminação do teto máximo de 1% de taxa de custo anual sobre o capital acumulado por ano, que consta na legislação do produto.
Estamos mais preocupados com aqueles que são mais jovens e cuja pensão, se ficarem apenas sujeitos ao sistema público, pode ser muito baixa para lhes garantir condições de vida adequadas na velhice.
Do trabalho e conversas que a Comissão Europeia teve com o mercado, a comissária concluiu que o limite às comissões (abaixo de 1%) funcionava como travão ao seu desenvolvimento. “Se não houver intermediários financeiros a oferecer um produto, então os investidores não conseguem aceder‑lhe”. A resposta passa por dar mais flexibilidade aos fornecedores, mantendo regras fortes de transparência, divulgação de custos e proteção do investidor, alinhadas com a estratégia para o investimento de retalho e a lógica de “value for money”.
Em vez de se fixar apenas no nível de comissões, a Comissão Europeia quer centrar‑se naquilo que o investidor recebe depois de pagar taxas, evitando que um teto demasiado baixo empurre o mercado para produtos básicos e de baixo retorno que podem não ser do interesse dos pequenos investidores.
Questionada sobre o risco de estas medidas estarem a “empurrar” os cidadãos para certos produtos, Albuquerque contrapôs essa crítica, notando que “o que queremos dar às pessoas são oportunidades e transparência”. No caso do PEPP, continuará a existir um “basic PEPP”, simples, de baixo risco e sem necessidade de aconselhamento, provavelmente com retornos mais modestos, e PEPP adaptados a perfis de risco mais complexos, com comissões mais altas e necessidade de aconselhamento, explicou a comissária europeia.
“O importante é que as pessoas saibam exatamente o que estão a pagar, que tenham valor pelo dinheiro, e que existam também opções com comissões mais baixas”, resumiu. A comissária sublinhou ainda que a concorrência entre fornecedores, reforçada por iniciativas como o acesso a dados financeiros (FIDA), deverá pressionar custos em baixa e alargar a gama de produtos disponíveis.
Apesar da ambição do pacote, a Comissão Europeia insiste que a arquitetura dos sistemas de pensões continua nas mãos de cada país da União Europeia. “Isto são recomendações porque”, notou Albuquerque, antecipando que as decisões finais terão de ser colocadas eou não em prática pelos Estados-membros, sendo que esse caminho será acompanhado através do Semestre Europeu e dos trabalhos do Eurogrupo e do Ecofin.
Hoje estamos a entregar ferramentas para aumentar a participação nas pensões complementares, mas a implementação efetiva a nível nacional será crítica para atingir os objetivos.
Sobre Portugal, admitiu ainda não ter discutido o tema com o Governo, mas deixou o recado. “O que queremos é que os Estados‑membros sigam estas recomendações porque isto é o que vai garantir uma vida melhor para as gerações futuras quando chegarem à reforma”.
A comissária deu o exemplo da Irlanda, que a partir de janeiro implementará um sistema de auto-enrolment, pensado para facilitar a adesão das pequenas empresas, incluindo trabalhadores com vínculos atípicos ou formas de autoemprego.
Na visão de Albuquerque, o desafio é sobretudo para os mais novos. “Estamos mais preocupados com aqueles que são mais jovens e cuja pensão, se ficarem apenas sujeitos ao sistema público, pode ser muito baixa para lhes garantir condições de vida adequadas na velhice”.
Do lado de Bruxelas, o recado é de urgência e de apelo à cooperação com governos e parceiros sociais. “Hoje estamos a entregar ferramentas para aumentar a participação nas pensões complementares, mas a implementação efetiva a nível nacional será crítica para atingir os objetivos”, avisou Albuquerque, pedindo o empenho de “todos os intervenientes” na resposta ao envelhecimento demográfico e à pressão sobre os sistemas públicos.
As propostas legislativas seguem agora para o Conselho e o Parlamento Europeu, onde terão de ser negociadas e aprovadas pelos colegisladores.
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