Inglaterra aumenta em 41% garantia de depósitos para 120 mil libras e pressiona Bruxelas a fazer o mesmo
O Banco de Inglaterra ajustou a garantia de depósitos à inflação e força Zona Euro a seguir o mesmo caminho, levantando a questão do limite dos 100 mil euros em Portugal e no resto da Zona Euro.
O Banco de Inglaterra decidiu aumentar em 41,2% o limite da garantia de depósitos bancários, passando de 85 mil libras para 120 mil libras a partir de 1 de dezembro. A medida, que ultrapassa a proposta inicial de 110 mil libras, surge numa altura em que algumas vozes procuram que se discuta na Zona Euro se o teto de 100 mil euros por depositante — inalterado desde 2009 — continua adequado à realidade económica atual.
A decisão de Londres não é apenas uma atualização técnica, mas um sinal de que o regulador está a levar a inflação a sério quando se trata de proteger o dinheiro dos aforradores, e coloca uma questão incómoda para Portugal e para a Zona Euro: será que está na hora de mexer nos 100 mil euros que garantem os depósitos bancários desde a crise financeira de 2008?
O documento publicado pelo Prudential Regulation Authority (PRA), a entidade do Banco de Inglaterra responsável pela supervisão bancária, refere que “o aumento proposto considerou a inflação dos preços no consumidor desde que o limite foi alterado pela última vez em 2017 e foi considerado que ajuda a manter a confiança dos consumidores, garantindo que o limite não é corroído em termos reais.”
A conclusão do Sistema Europeu de Garantia de Depósitos (EDIS) é impedida pelas diferenças de interesses existentes entre os principais atores, e como consequência torna impossível o progresso no sentido de completar este processo.
A lógica é simples: se 85 mil libras em janeiro de 2017 valem, em termos reais e com base na inflação acumulada até setembro de 2025, cerca de 116.770 libras, então o novo limite de 120 mil libras (arredondado às 10 mil libras mais próximas) apenas repõe o poder de compra da garantia. “Esta alteração ajudará a manter a confiança do público na segurança do seu dinheiro”, referiu Sam Woods, vice-governador do Banco de Inglaterra.
A proposta inicial do PRA apontava para 110 mil libras, mas a consulta pública e a atualização dos dados de inflação levaram o regulador a ir mais longe. Com o novo limite, cerca de 99% dos depositantes britânicos estarão totalmente protegidos, uma percentagem praticamente igual à que existiria com o limite de 110 mil libras, mas que oferece maior margem para absorver futura inflação.
Em Portugal, a história da garantia de depósitos é também indissociável das crises financeiras. O Fundo de Garantia de Depósitos (FGD) foi criado em 1992, com o intuito de aumentar a confiança dos depositantes no sistema bancário. Na altura, a garantia cobria valores modestos, mas o verdadeiro teste veio em 2008.
Quando a crise financeira global rebentou, a corrida aos bancos tornou-se uma ameaça real em vários países europeus. A Irlanda foi a primeira a mexer-se, reforçando as garantias aos depositantes para 100 mil euros para proteger os seus bancos dos efeitos da crise.
Portugal reagiu rapidamente e em novembro de 2008, no auge do pânico financeiro, o Governo aumentou a garantia dos então 25 mil euros para 100 mil euros por depositante e por instituição. A medida foi introduzida com caráter temporário, com prazo até 31 de dezembro de 2011, mas a entrada em vigor da diretiva europeia, que harmonizou os sistemas de garantia de depósitos em toda a União Europeia nos 100 mil euros, levou Portugal a tornar permanente esse limite.
“Atendendo a que, nos termos do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 211-A/2008, de 3 de novembro, o atual limite da garantia de 100.000 euros caduca a 31 de dezembro de 2011, estabelece-se, de forma permanente, este limite”, pode ler-se no decreto-lei publicado em Diário da República a 26 de dezembro de 2011, no seguimento de uma decisão aprovada no Conselho de Ministros de 14 de dezembro de 2011. A partir de 1 de janeiro de 2012, a garantia de 100 mil euros deixou de ser uma medida de emergência e passou a fazer parte estrutural do sistema financeiro português.
Proteção europeia a conta-gotas
Passados mais de 15 anos desde a crise financeira, a Europa continua a debater o futuro da garantia de depósitos. Em novembro de 2015, a Comissão Europeia apresentou uma proposta para a criação de um Sistema Europeu de Garantia de Depósitos (EDIS, na sigla inglesa). A ideia era ambiciosa: construir o terceiro pilar da união bancária, juntando-se ao Mecanismo Único de Supervisão e ao Mecanismo Único de Resolução.
O EDIS foi desenhado para funcionar em três fases. Numa primeira etapa, funcionaria como um sistema de resseguro, fornecendo liquidez aos fundos nacionais de garantia de depósitos quando estes enfrentassem dificuldades. Numa segunda fase, de co-seguro, passaria a absorver uma parcela crescente das perdas. E, na fase final — inicialmente prevista para 2024 — substituiria completamente os sistemas nacionais, tornando-se o único esquema de seguro de depósitos para os bancos da Zona Euro. Mas a realidade ficou muito aquém das ambições.
Quase dez anos depois da proposta inicial, o EDIS continua por implementar. Em setembro do ano passado, o Parlamento Europeu conseguiu um avanço ao aprovar, na Comissão de Assuntos Económicos e Monetários, um relatório sobre a primeira fase do EDIS — a de resseguro mediante empréstimos a sistemas nacionais em dificuldades.
No caso particular de Portugal, os 100 mil euros inicialmente estipulados em novembro de 2008 e que vigoram até hoje, traduzem-se atualmente em 134 mil euros, segundo a evolução do índice de preços no consumidor.
Foi um passo simbólico para quebrar um impasse de nove anos, mas os Estados-membros continuam divididos num ambiente marcado por resistências conhecidas: países com sistemas bancários mais sólidos receiam ter de pagar pelos problemas de outros, há divergências sobre as condições prévias necessárias (como a redução de ativos de risco nos balanços dos bancos) antes de avançar para a mutualização e mantém-se o fantasma da ligação entre bancos e dívida soberana.
“A conclusão do EDIS é impedida pelas diferenças de interesses existentes entre os principais atores, e como consequência torna impossível o progresso no sentido de completar este processo”, concluí um trabalho académico de 2021.
Em junho deste ano, o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu alcançaram um acordo político para reformar o quadro de gestão de crises e seguros de depósitos, mas este pacote não incluiu a implementação completa do EDIS. O acordo manteve a “super-preferência” dos depósitos cobertos (até 100 mil euros), reembolsados em primeiro lugar em caso de resolução bancária, seguidos por depósitos de particulares e PME não cobertos, e depois por pequenas entidades públicas.
Embora a discussão sobre o Sistema Europeu de Garantia de Depósitos continue em Bruxelas, ninguém está a propor aumentar o valor da proteção, apenas a forma como essa proteção é financiada e gerida.
A decisão britânica de atualizar o limite da garantia de depósitos pela inflação coloca uma questão desconfortável para a Zona Euro. Se 85 mil libras em 2017 valem hoje 120 mil libras ajustadas pela inflação no Reino Unido, quanto valeriam os 100 mil euros que protegem os depositantes europeus desde 2009?
A resposta não é simples, porque a inflação variou entre países e a última atualização do limite europeu foi há mais tempo. Mas a matemática sugere que, em termos reais, os 100 mil euros de hoje protegem menos do que protegiam há 16 anos. No entanto, não há discussão política relevante sobre aumentar o limite na Zona Euro. No caso particular de Portugal, os 100 mil euros inicialmente estipulados em novembro de 2008 e que vigoram até hoje, traduzem-se atualmente em 134 mil euros, segundo a evolução do índice de preços no consumidor.
Os números do Fundo de Garantia de Depósitos português mostram que o sistema está capitalizado acima dos requisitos mínimos europeus — os recursos próprios do FGD correspondem a cerca de 0,95% do montante total de depósitos cobertos, quando a legislação europeia exige pelo menos 0,8%. Mas isso não responde à questão de saber se o limite de 100 mil euros continua adequado.
Portugal, que aumentou a garantia de 25 mil para 100 mil euros em resposta à crise de 2008, não voltou a mexer no valor. A diretiva europeia de 2014, que substituiu a legislação anterior, manteve o limite mínimo nos 100 mil euros. E, embora a discussão sobre o EDIS continue em Bruxelas, ninguém está a propor aumentar o valor da proteção, apenas a forma como essa proteção é financiada e gerida.
A decisão inglesa é um espelho de incómodo e também de pressão para a área do euro, mostrando que é possível ajustar a garantia de depósitos à realidade económica sem provocar instabilidade financeira. Resta saber se Bruxelas terá coragem ou vontade política para olhar para esse espelho.
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