Fundos de pensões ‘ganham asas’ com ajuda de Bruxelas

A Comissão Europeia quer fundos de pensões com menos limites de investimento para adotarem estratégias mais arriscas e exige mais transparência e clareza no desempenho e nos custos dos gestores.

ECO Fast
  • A Comissão Europeia propôs uma reformulação das regras para fundos de pensões profissionais, visando maior flexibilidade de investimento e supervisão mais exigente.
  • Atualmente, cerca de 74 milhões de europeus participam nestes fundos de pensões, mas a proposta procura aumentar a eficiência e a escala destes produtos.
  • As mudanças podem levar a uma gestão mais arriscada dos investimentos, mas a implementação dependerá da resposta dos Estados-membros e das gestoras de fundos.
Pontos-chave gerados por IA, com edição jornalística.

Maior flexibilidade de investimento, supervisão mais apertada e obrigação de justificar custos elevados e desempenho fraco. A Comissão Europeia propõe assim uma reformulação profunda das regras para fundos de pensões profissionais na Europa, que gerem cerca de 3 biliões de euros de ativos. A proposta de revisão da diretiva IORP II, apresentada na quinta-feira pela comissária europeia Maria Luís Albuquerque, enquadra-se na agenda mais ampla da União de Poupança e Investimento e representa uma das mais ambiciosas tentativas de Bruxelas para reformular o sistema de pensões complementares na Europa.

As Instituições para a Provisão de Reforma Profissional (IORP, na sigla inglesa) são fundos de pensões criados por empregadores ou grupos de empregadores para proporcionar pensões complementares aos trabalhadores. Ao contrário dos sistemas públicos de Segurança Social, estes fundos funcionam com base em contribuições de empresas e trabalhadores, que são depois investidas nos mercados financeiros para gerar retornos que vão financiar as reformas.

Cerca de 74 milhões de europeus participam atualmente nestes fundos de pensões de empresa, segundo dados da EIOPA, a entidade supervisora do setor de seguros e pensões da União Europeia. Destes, 36,5 milhões são participantes ativos que contribuíram com 107 mil milhões de euros para estes fundos em 2024, enquanto 26,2 milhões são membros diferidos — já não pagam mas ainda não recebem — e 11,4 milhões foram beneficiários de pensões.

A solução da proposta da Comissão Europeia passa por liberalizar as regras de investimento dos fundos de pensões, permitindo que os gestores possam investir em quaisquer classes de ativos, “desde que possam identificar, medir, monitorizar, gerir e reportar adequadamente os riscos associados”.

No conjunto da Europa a 27, estes fundos de pensões envolvem 14,5% da população de 450 milhões de habitantes e gerem cerca de 3 biliões de euros de ativos, o equivalente a 14% do PIB europeu. Em Portugal, a realidade é substancialmente mais modesta. No final de 2024, estavam ativos 239 fundos de pensões mobilizando 506 mil pessoas — apenas 5,1% da população — que contribuíram com 962 milhões de euros para um total acumulado e investido de 19,3 mil milhões de euros, o equivalente a 6,8% do PIB português.

“Com aproximadamente 3 biliões de euros em ativos sob gestão, as instituições de realização de planos de pensões profissionais (IORP) desempenham um papel essencial no sistema financeiro da União, mas tendem a ser menos ativas nos mercados de ações cotadas, capital privado, capital de risco e infraestruturas”, lê-se na proposta da Comissão Europeia.

O problema, segundo Bruxelas, é que a diretiva IORP II, aprovada em 2016, “não foi suficientemente eficaz em promover economias de escala, resultando em prestadores de pensões que são frequentemente demasiado pequenos para beneficiar de diversificação ou ganhos de eficiência, expondo assim membros e beneficiários a custos mais elevados e retornos líquidos mais baixos”. Por isso, a Comissão Europeia entende que “é necessário facilitar tais economias de escala”, como se pode ler na proposta apresentada na semana passada.

Mais liberdade para investir em ativos mais arriscados

Uma das mudanças propostas mais relevantes nesta matéria prende-se com o reforço do chamado “Princípio da Pessoa Prudente”, a regra fundamental que orienta a forma como os fundos de pensões investem o dinheiro dos trabalhadores.

Atualmente, vários Estados-membros impuseram limites rígidos aos tipos de ativos em que as IORP podem investir, numa lógica conservadora que, segundo Bruxelas, pode estar a prejudicar os retornos de longo prazo. “Os ativos privados, incluindo capital privado, dívida privada e capital de risco, podem melhorar as características risco-retorno das carteiras de investimento através do aumento da diversificação e potencialmente entregando retornos de longo prazo mais elevados”, refere a proposta redigida pela equipa de Maria Luís Albuquerque.

No entanto, a Comissão Europeia reconhece que “tais ativos são frequentemente mais complexos de avaliar e de analisar em termos de risco, exigindo conhecimento profissional substancial”. A solução proposta passa por liberalizar as regras de investimento dos fundos de pensões, permitindo que os gestores possam investir em quaisquer classes de ativos, “desde que possam identificar, medir, monitorizar, gerir e reportar adequadamente os riscos associados”.

A proposta estabelece que “a possibilidade de os Estados-membros aplicarem restrições de investimento deve ser limitada a casos em que o risco de investimento é suportado por membros e beneficiários, e essas restrições não devem resultar numa proibição total de investir em certas classes de ativos”. Este é um ponto crucial. Bruxelas quer acabar com proibições genéricas e substituí-las por uma abordagem baseada em risco. “Restrições generalizadas podem impedir instituições bem governadas com capacidade adequada de gestão de risco de investir eficientemente em ativos alternativos”, argumenta o documento.

Bruxelas recomenda que as autoridades competentes devem “publicar, num único website público, informação clara, comparável e facilmente acessível sobre os custos anuais totais, desempenho passado e perfil de risco de todos os esquemas de pensões operados por IORP”.

Mas a maior flexibilidade de investimento vem acompanhada de supervisão mais apertada. A proposta introduz um novo artigo — o artigo 49.º-A — que estabelece um “diálogo supervisora regular” entre as autoridades competentes e as IORP, “destinado a encorajar reflexão estratégica sobre a adequação, eficiência e sustentabilidade de longo prazo da IORP”.

Este diálogo deve ser baseado num conjunto de “parâmetros de alerta precoce”, nota a Comissão Europeia, que incluem, pelo menos: o nível e evolução dos custos administrativos, de transação e de investimento da IORP; a taxa de retorno líquida e ajustada ao risco sobre os ativos da IORP; qualquer défice ou desvio dos níveis de benefícios prometidos ou alvo; o número e evolução de membros ativos e beneficiários ou indicadores de eficiência operacional, concentração de risco e resiliência institucional.

Quando o resultado do diálogo supervisionado “indica potenciais fraquezas ou deficiências”, as autoridades devem “convidar a IORP em causa a considerar opções estratégicas apropriadas para fortalecer a sua viabilidade de longo prazo e a entrega eficaz de benefícios de reforma a membros e beneficiários, incluindo medidas que melhorem a escala operacional, consolidação, cooperação, agrupamento de ativos ou acordos de partilha de recursos”, refere a proposta da Comissão Europeia.

E quando são identificadas “deficiências materiais” ou quando há “desempenho insuficiente”, Bruxelas sugere que a autoridade competente deve “exigir que a IORP elabore um plano de ação corretiva que estabeleça as medidas, cronogramas e acordos de governação para abordar as deficiências materiais identificadas ou esse desempenho insuficiente”. Essa situação deverá passar pela consideração de “medidas estruturais para melhorar a eficiência e a gestão sólida, incluindo, quando apropriado, possível consolidação, cooperação, agrupamento de ativos ou acordos de partilha de recursos”.

Obrigação de justificar custos elevados e mau desempenho

Outro ponto relevante da proposta da Comissão Europeia é a introdução do artigo 41.º-A, que cria uma obrigação explícita de informar membros e beneficiários em caso de desempenho insuficiente.

A proposta estabelece que os Estados-membros devem garantir que “as IORP monitorizem regularmente o seu desempenho face a referências (benchmarks) estabelecidas pela sua autoridade competente”. Quando um fundo de pensões identifica que o seu desempenho “se desvia materialmente da referência aplicável”, deve “informar prontamente a sua autoridade competente e fornecer evidência de que os custos e encargos do esquema são justificados e proporcionais e que o esquema está em linha com a tolerância ao risco dos seus membros e beneficiários”.

Se a autoridade competente concluir que “a evidência de que os custos e encargos do esquema não são justificados e proporcionais ou que o esquema não está em linha com a tolerância ao risco dos seus membros e beneficiários, ou quando o desempenho insuficiente persiste durante pelo menos três anos”, os Estados-membros devem garantir que “as IORP informam prontamente os seus membros e beneficiários dessa situação de forma clara, justa e compreensível”.

Esta informação deve “permitir que membros e beneficiários compreendam como o esquema está a ter desempenho em relação a IORP comparáveis”, e deve “explicar de forma simples as razões para o desempenho insuficiente, como os custos e encargos são proporcionais e justificados, e as ações que estão a ser tomadas para melhorar os resultados e proteger o valor dos direitos acumulados dos membros”, destaca a proposta de Bruxelas.

Para garantir comparabilidade e transparência dos fundos de pensões, a proposta determina que as autoridades competentes devem “publicar, num único website público, informação clara, comparável e facilmente acessível sobre os custos anuais totais, desempenho passado e perfil de risco de todos os esquemas de pensões operados por IORP”.

A proposta da Comissão Europeia determina que os procedimentos de transferência entre fundos de pensões devem ser “transparentes, proporcionados e consistentes com a proteção de membros e beneficiários, enquanto permitem maior eficiência e integração no mercado interno.”

A proposta introduz também um “dever de cuidado” explícito no novo artigo 44.º-A, que determina que os Estados-membros devem “garantir que cada IORP autorizada no seu território age sempre de forma honesta, justa e profissional, e de acordo com os melhores interesses dos seus membros e beneficiários”.

Esses interesses “devem incluir o objetivo de fornecer retornos adequados, ajustados ao risco e eficientes em termos de custos ao longo do longo prazo, consistentes com a natureza de longo prazo das obrigações de pensões”.

Além disso, Bruxelas quer facilitar a consolidação do setor através da simplificação das transferências transfronteiriças. “As regras que regem transferências coletivas de todas ou parte das responsabilidades de um esquema de pensões, provisões técnicas e outras obrigações e direitos desempenham um papel fundamental no apoio à consolidação e à conquista de escala na provisão de reforma profissional”, refere a proposta.

“Quando tais regras são excessivamente rigorosas, criam obstáculos indevidos à conquista de escala e à facilitação da consolidação, o que pode ser prejudicial aos interesses de longo prazo dos aforradores”, acrescenta. Por isso, a proposta determina que os procedimentos de transferência entre fundos de pensões devem ser “transparentes, proporcionados e consistentes com a proteção de membros e beneficiários, enquanto permitem maior eficiência e integração no mercado interno.”

A revisão da diretiva IORP II insere-se numa agenda mais ampla da União de Poupança e Investimento que Maria Luís Albuquerque coordena desde que assumiu funções como comissária, que já resultou na proposta para a criação de contas de poupança investimento com vantagens fiscais, a revisão do Produto Pan-Europeu de Reforma (PEPP) após seis anos de insucesso e a inscrição automática dos contribuintes em pensões complementares.

É importante esclarecer que estas medidas não têm caráter de aplicação obrigatória e imediata. Trata-se apenas de propostas da Comissão Europeia, cabendo a cada Estado-membro decidir se coloca ou não em prática as recomendações de Bruxelas.

A transposição de diretivas europeias para o ordenamento jurídico nacional é um processo que envolve discussão parlamentar, adaptação às especificidades de cada país e, frequentemente, períodos de transição alargados. Até que os Estados-membros aprovem e implementem estas mudanças nos respetivos territórios, os fundos de pensões continuarão a operar segundo as regras atualmente em vigor.

No entanto, a Comissão Europeia está convicta de que esta reformulação pode fazer a diferença. “Garantir que as pessoas em toda a União Europeia possam reformar-se com dignidade, segurança e rendimento adequado está no coração da agenda social e económica da União Europeia”, afirma o documento. Resta saber como é que Portugal e os restantes Estados-membros vão responder a este desafio — e se as gestoras dos fundos de pensões portugueses estarão preparados para uma supervisão mais exigente e uma gestão mais ousada dos investimentos.

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