Centeno rejeita ter ordenado silêncio à Norgarante sobre excesso de exposição à Efacec
Mário Centeno já não era ministro das Finanças quando a Efacec foi nacionalizada, mas diz que os bancos não estavam disponíveis para intervir na empresa.
Mário Centeno nega que o Banco de Portugal tenha pedido à Norgarante para lidar em silêncio com o problema de excesso de exposição que a sociedade de garantia mútua tinha na Efacec. O antigo governador do Banco de Portugal responde assim às declarações feitas no Parlamento por Henrique Cruz, antigo presidente da Norgarante.
“Não fui eu e parece-me muito estranho que o silêncio tenha sido passado pelos técnicos do BdP que acompanhavam estas garantias, que fosse uma estratégia”, referiu Centeno na comissão de Economia. “Se era ilegal, essas situações eram corrigidas e há limites para o fazer”, sublinhou o antigo ministro das Finanças.
O Banco de Fomento violou a lei ao conceder garantias públicas totais de 99 milhões de euros à Efacec, em duas operações financeiras realizadas pela Norgarante, quando só poderia ter dado garantias até 14,6 milhões de euros. O Banco de Portugal notificou a Norgarante da ilegalidade, a 3 de março de 2022, tal como avançou o ECO, e exigiu a regularização da situação, em 30 dias, ao abrigo do Regime Geral de Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF).
Foram estas duas operações que permitiram a viabilidade da empresa desde a nacionalização, em julho de 2020, até à primeira tentativa de venda à DST a 24 de fevereiro de 2022. Um negócio que acabou por cair e lançar a empresa numa segunda tentativa de reprivatização, que culminou na venda da empresa ao fundo alemão Mutares, em novembro de 2023.
A Efacec beneficiou de dois empréstimos da banca comercial, que só se realizaram por serem garantidos pelo Estado. Um primeiro, em meados de 2020, de 70 milhões de euros, dos quais 63 milhões garantidos pelo Banco de Fomento. E um segundo, de 45 milhões, dos quais 36 milhões assegurados por uma outra garantia pública. Daí os 99 milhões identificados pelo Banco de Portugal que serviram para pagar salários e fornecedores, mantendo a Efacec acima da linha de água.
A primeira garantia foi aprovada quando a Norgarante era chefiada pela Teresa Duarte e a segunda já foi aprovada por Henrique Cruz, que era o presidente da antiga Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD), o organismo que foi fundido no Banco de Fomento, instituição na altura presidida por Beatriz Freitas.
Henrique Cruz, no Parlamento, a 22 de outubro, rejeitou que a concessão dos 99 milhões de euros em garantias tenha sido ilegal e explicou que o alerta feito pelo regulador se deve a uma interpretação diferente das partes interessadas. Isto é, “todos os acionistas qualificados, diretos e indiretos e as empresas por eles dominadas”. O responsável explicou que a sociedade se muniu de pareceres que davam a garantia de que a questão do limite não se colocava, mas depois de as garantias terem sido concedidas, o regulador teve “uma interpretação diferente”.
Questionado por que razão a Norgarante nunca explicou oficialmente o processo, Henrique Cruz revelou que recebeu um “recomendação do Banco de Portugal para gerir o processo entre a Norgarante e o regulador” e, por isso, não fez nenhum comentário sobre o processo. “Assumi o compromisso com o regulador de manter o processo em silêncio e não comentar na comunicação social”, explicou.
Confrontado pelo Chega com estas declarações, Mário Centeno rejeitou que tenham sido dadas quaisquer indicações nesse sentido. “Se a exposição excedia limites legais, existem diferenças de opiniões se era ou não parte relacionada, a minha avaliação é que o BdP cumpriu o seu papel de supervisão neste caso”, defendeu o ex-governador do BdP. “Há uma dimensão interpretativa dos factos, mas há uma resposta única que é a que a supervisão deu”, acrescentou.
Centeno sublinhou que “esta operação não tinha qualquer dimensão sistémica no sistema financeiro, mas a mudança de natureza do BPF e o peso que estas garantias têm no sistema financeiro são alvo de análise supervisiva”, escusando-se a aferir se isto teve alguma influência no processo de venda — “não consigo aferir”, disse.
“O pedido de silêncio é algo que me transcende, não sei em que contexto foi feito”, sublinhou Centeno, acrescentando, contudo que as “matérias de estabilidade financeira requerem algum recato”.
O ex-governador sublinha que as garantias foram analisadas no “âmbito da atividade supervisiva que se vinha a densificar nestas dimensões, porque o BPF passou a ser uma entidade bancária, passou a ter uma ação supervisiva mais intensa como qualquer banco”. “A certo momento foi um choque cultural porque a supervisão tem uma intervenção nas decisões”, reconheceu, recordando que “este processo não passam pelo conselho de administração”. “O tema em si e o conhecimento foi partilhado, mas tudo se passou no campo supervisivo”, acrescentou.
Mário Centeno sublinhou aos deputados que apenas poderia dar um “contributo modesto enquanto ex-governante”, porque, quando a Efacec foi nacionalizada já não era ministro das Finanças e enquanto governador do Banco de Portugal não teve qualquer intervenção no processo. No entanto, o responsável reconheceu que já havia informações de problemas relacionados com a estrutura acionista – Isabel dos Santos, a maior acionista, estava envolvida no caso Luanda Leaks – que o levaram a ter reuniões com os bancos que financiaram a compra da empresa em 2015. Mas os bancos não mostraram qualquer disponibilidade para intervir no processo.
Enquanto economista, Centeno admite que tende em considerar que os problemas das empresas privadas devem ser resolvidas pelos seus acionistas, mas nem os bancos nem os outros acionista privados mostraram disponibilidade para intervir. O ex-governador aproveitou para fazer um paralelismo com a TAP que também foi alvo de uma injeção de capital que ascende a cerca de três mil milhões de euros.
Na lógica de paralelismos, o deputado social-democrata, Ricardo Costa, questionou o Centeno porque é que a Efacec foi classificada como empresa estratégica, quando tantas outras empresas, como a Bordalo Pinheiro ou a Soares da Costa, mão beneficiaram dessa classificação. “2749 empresas faliram marcadas pela pandemia”, disse o deputado. O ex-ministro das Finanças reiterou ao longo da audição que este tipo de decisões devem ser analisadas à luz do contexto. “Todos estávamos a tomar decisões num contexto desconhecido e difícil e a noção do que era estratégico pode ser diferente em diferentes momentos”, sublinhou.
Mas Mário Centeno fez questão de sublinhar que o o problema da Efacec não resultou da pandemia, mas do Luanda Leaks, e no ano anterior à crise a Efacec distribuiu dividendos. “Tinha informações de que os contratos cairiam e a parte boa da Efacce não poderia sobreviver”, revelou Centeno.
(Notícia atualizada com mais informação)
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