Semana de quatro dias pode dar novo impulso à indústria do lazer
Maior produtividade e melhor equilíbrio entre a vida e o trabalho são vantagens apontadas à adoção da semana de quatro dias. Mas também há quem defenda que pode dar nova dinâmica à indústria de lazer.
O Governo vai avançar com um estudo para testar modelos de organização de trabalho, entre os quais a semana de quatro dias. Os economistas ouvidos pelo ECO/Pessoas dividem-se sobre os méritos de uma semana de trabalho mais curta. Se “é possível pagando os mesmos salários e tendo a mesma produtividade, qual o motivo pelo qual as empresas não o fazerem voluntariamente? Porque temos de legislar?”, questiona Luís Aguiar-Conraria, professor na Universidade do Minho. Pedro Gomes, reader na Birkbeck, University of London e autor de “Sexta-Feira é o Novo Sábado”, contrapõe: esta pode ser uma forma de dar um novo boost à indústria do lazer. “Se a discussão se centrar apenas em se as empresas conseguem produzir o mesmo em quatro dias do que em cinco estamos a ignorar que há muita atividade económica que vai nascer do tempo de lazer.”
Portugal vai juntar-se a países como o Reino Unido, Espanha, Bélgica ou Islândia que têm a decorrer ou já realizaram pilotos com a semana de quatro dias. “O estudo sobre o projeto-piloto para testar novos modelos de organização do trabalho será desenvolvido em sede de Concertação Social de forma a se identificar os requisitos e condições que terão de ser cumpridos. Neste projeto-piloto, a adesão por parte das empresas será voluntária”, afirma fonte oficial do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, ao ECO/Pessoas.
A discussão em torno dos novos modelos de trabalho faz parte do programa do Governo e a proposta do Livre – para a realização de um estudo – aprovada no Parlamento deu novo gás à discussão. “O estudo que vamos lançar é no setor privado, mas com a preocupação de alguns projetos-piloto numa base voluntária”, disse Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho.
“Ninguém quer fazer isto sem a devida reflexão. Isto é o Estado a fomentar a inovação nas formas de organização do trabalho mas tendo em conta a necessidade de acautelar os interesses dos trabalhadores”, defendeu ainda a ministra do Trabalho, evitando, por exemplo, que a medida resulte, na sua aplicação, numa forma dissimulada de lay off. E, para esse piloto, Ana Mendes Godinho referiu já haver empresas privadas dispostas a participar no mesmo. Quais, o Ministério de Trabalho, quando contactado, não adiantou.
E a CIP “não comenta o que não está na Concertação Social”, limitou-se a dizer António Saraiva, presidente do organismo que representa os empresários, quando contactado.
Mas, a avaliar pelas declarações públicas de alguns empresários – Salvador Mello, CEO do Grupo José de Mello, é apenas um dos mais recentes a considerar que o tema não é prioritário –, a discussão em sede de Concertação Social avizinha-se longa.
Os defensores dizem que a semana de quatro dias é possível pagando os mesmos salários e tendo a mesma produtividade, então qual é o motivo pelo qual as empresas não o fazerem voluntariamente? Porque é que temos de legislar? O que falha aqui?
De resto, este é um tema que divide empresas e trabalhadores na hora de pensar “O Futuro do Trabalho”: uma larga maioria dos colaboradores (77%) gostaria que a sua empresa adotasse uma semana de quatro dias de trabalho – 65,2% admite até trabalhar mais horas por dia e 12% está até disposto a abdicar de parte do seu salário para ter mais um dia de descanso –, mas as empresas não parecem dispostas a dar esse passo: apenas 9% indica que este modelo de trabalho poderia ser uma opção. A larga maioria (81%) rejeita essa proposta, revela o inquérito online levado a cabo pela Pessoas, em parceria com a EY, junto ao talento e empresas, cujas conclusões serão conhecidas na próxima edição da revista Pessoas.
Modelo divide economistas
O economista Luís Aguiar-Conraria revela algumas dúvidas sobre os méritos deste novo modelo de organização do trabalho e sobre a necessidade de legislar sobre a matéria. “Uma coisa é as empresas quererem fazer semanas de quatro dias, ninguém as impede de o fazer. Se uma empresa chegar ao pé dos trabalhadores e dizer ‘vão trabalhar menos um dia por semana e continuar a receber o mesmo’, nenhum trabalhador vai fazer greve”, começa por comentar o docente da Universidade do Minho. E remata: “Os defensores dizem que a semana de quatro dias é possível pagando os mesmos salários e tendo a mesma produtividade, então qual é o motivo pelo qual as empresas não o fazerem voluntariamente? Porque é que temos de legislar? O que falha aqui?”
A unicórnio Feedzai e a Doutor Finanças são algumas das empresas que, mesmo sem incentivo legislativo, já realizaram em Portugal pilotos de semana de quatro dias e este ano retomaram, embora com reajustes. E, mesmo contando pelas mãos o número de empresas que caminham nesse sentido, claramente o tema começa a estar na agenda das organizações. Veja-se o caso da MC, a dona do Continente, que está a dar aos colaboradores de escritório a possibilidade de não trabalhar a sexta-feira à tarde, uma porta de entrada para a possível adoção futura da semana de quatro dias de trabalho na companhia.
Pedro Gomes, reader na Birkbeck, University of London, acredita que este movimento de adoção só teria a ganhar pela via legislativa. “As empresas já demonstram que é uma prática de gestão respeitada, que aumenta a produtividade e, eventualmente, tem de se aplicar por legislação. A vantagem da legislação é que não tem de ser imediata. As grandes empresas podem ter, por exemplo, dois anos para implementar a semana de quatro dias e as médias e pequenas cinco anos”, diz. “A vantagem (da legislação) é que afeta todas as empresas por igual. Portanto, não distorce a concorrência. Aliás, pode dizer-se que é uma força para a concorrência“, reforça o economista em entrevista ao ECO/Pessoas.
O autor do livro “Sexta-Feira é o Novo Sábado” não se mostra entusiasmado com o modelo de subsidiação proposto para piloto espanhol: dez milhões de euros vindos do Orçamento de Estado para apoiar o piloto, que arranca em julho, realizado junto a 160 e englobando mais de 3.000 trabalhadores. Uma possibilidade que rejeita para o modelo nacional. “Em Portugal sempre que se pensa a economia é dar dinheiro. Para os restaurantes é reduzir o IVA, para atrair pessoas é reduzir a taxa de IRS para os emigrantes que voltam, para promover a natalidade é dar 500 ou 600 euros por bebé. É sempre dinheiro. Eu acho que tem de ser por legislação”, defende.
João Duque não é tão perentório. O economista do ISEG admite que o piloto que venha a ser feito – “com muitas empresas e de muitos setores” – podia até ter “um incentivo do ponto de vista fiscal, uma redução grande do IRC”.
Semana de quatro dias: os diferentes modelos
Com ou sem incentivos fiscais, não faltam modelos em torno da organização da semana de quatro dias. João Duque defende a concentração de horário, sem perda de rendimento. “Do ponto de vista social, a concentração em quatro dias de trabalho pode ter vantagens. Por isso é que deve ser estudado”, argumenta.
Como é que posso reduzir o horário das pessoas sem perda de rendimento, se a seguir tenho de fazer um outro turno, ter mais custos, para vender o mesmo? (….) A concentração de horário é o modelo, para já, que tem benefícios para todos (empresários e trabalhadores).
“O modelo em que há uma concentração de horas é muito interessante. Não sou antipático à ideia, tal como não sou a se passar a quatro dias e a reduzir horário de trabalho”, continua o economista. Mas, ressalva, “como é que posso reduzir o horário das pessoas sem perda de rendimento, se a seguir tenho de fazer um outro turno, ter mais custos, para vender o mesmo?”, questiona. Por isso, considera, a concentração de horário é “o modelo, para já, que tem benefícios para todos”, empresários e trabalhadores.
Pedro Gomes afasta um cenário de redução de horário acompanhado por corte salarial proporcional. O motivo é simples. “Para Portugal, o corte salarial para 80% dos trabalhadores não pode estar em cima da mesa. Com um salário mediano de 800 euros, quando 50% dos trabalhadores ganham menos de 800 euros, isso não é uma possibilidade. Há formas de ajustamento que evitam este corte salarial”, justifica.
Produtividade, atração de talento…
Para o reader na Birkbeck, University of London avançar para a semana de quatro dias é uma oportunidade para as empresas repensarem o seu modelo de organização. “Lá fora, o movimento da semana de trabalho de quatro dias está a ser liderado mais por empresários e por associações que apoiam as empresas a fazer essa transição, mas sem envolver subsídios. São empresas que, de facto, vão tentar porque querem testar novas práticas de gestão que, potencialmente, melhoram o negócio. Não é a questão do subsídio, é mesmo a questão de que a semana de trabalho de quatro dias melhora o negócio em muitas dimensões. É isso que estas empresas estão a testar”, destaca.
“O que estas empresas [que já testaram] demonstraram é que esta prática de gestão melhora a empresa em muitas dimensões. Os trabalhadores vêm mais descansados, portanto trabalham mais intensivamente nos outros dias; reduzem-se os erros e os acidentes de trabalho; o absentismo, a rotação de trabalhadores…”, continua Pedro Gomes.
“Há muitos países a estudar e países com modelos diferentes. Há países onde estão a fazer ensaios que é concentrar os trabalho de 40 horas ou 35 horas – no caso da Bélgica – em quatro dias, uma maneira diferente de manter o mesmo trabalho, com vantagens apelativas: a pessoa tem três dias de descanso, equilibra mais o tempo dedicado à sua família, lazer”, destaca João Duque. Não “perdemos tempo em deslocações, que minimizamos, o que também tem vantagens numa sociedade que se quer mais racional na utilização de recursos que são escassos, na poluição…”, refere ainda.
E também, num momento em que tanto se fala de escassez de talento, ser um elemento distintivo na hora de recrutar. “É uma coisa muito interessante para a captação de talento e de recursos de rendimento elevado, que em Portugal são maltratados“, do ponto de vista fiscal, considera João Duque.
A semana de trabalho de quatro dias é, acima de tudo, uma melhor forma de organizar a economia e vai trazer muitas vantagens económicas. São essas vantagens que importam debater. Quando estamos sem trabalhar, o tempo de lazer não é tempo morto para a economia.
Uma posição partilhada por Pedro Gomes. “Muitas empresas estão a fazê-lo porque têm dificuldades em recrutar, e isso é um problema transversal a muitos setores. Quando passam a uma semana de trabalho de quatro dias verificam que, em primeiro lugar, ninguém quer sair da empresa e, em segundo, sempre que há vagas, há um sem-número de candidatos muito qualificados”, diz.
… e boost à indústria de lazer
Encurtar a semana de trabalho pode ainda criar “uma dinâmica diferente de valorizar setores que viam estendidos o tempo dedicado pela sociedade para os acolher e desenvolver, como a indústria da recreação, lazer, que passa a ser mais procurada”, argumenta o economista do ISEG.
O mesmo defende Pedro Gomes. “A semana de trabalho de quatro dias é, acima de tudo, uma melhor forma de organizar a economia e vai trazer muitas vantagens económicas. São essas vantagens que importam debater. Quando estamos sem trabalhar, o tempo de lazer não é tempo morto para a economia. É, de facto, a altura em que consumimos mais. Vamos ao cinema, ao teatro, viajamos… Há muitas empresas que nasceram com trabalhadores que se dedicam a uma paixão ao fim de semana. Quando não estamos a trabalhar podemos ir para um mestrado ou para um curso de requalificação, para mudar de profissão para uma mais promissora”, destaca.
“Não digo que vamos produzir exatamente o mesmo em quatro dias do que produzimos agora, em cinco, mas digo que vai nascer muita atividade económica, tendo mais tempo de lazer, que não é tempo morto para a economia”, reforça.
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