Acolher sim, mas em que condições?

  • Magda Fernandes
  • 12 Setembro 2022

Mas o sol, quando nasce, é para todos, e ainda bem que assim é. E ao Estado que recebe um refugiado cabe respeitar e assegurar o bem-estar de todos.

Refugiar: abrigar, dar abrigo, retirar-se para lugar seguro.

Sabemos hoje, por dados estatísticos, que acima de metade dos refugiados em todo o mundo são crianças e adolescentes.

Portugal, como tantos outros países, é parte da Convenção dos Direitos da Criança, a qual reconhece que todos os menores têm direito a “cuidados e assistência especiais“. É ainda Parte da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados.

Assistimos no último ano à entrada de um sem número de crianças refugiadas.

Portugal, como já é seu apanágio, acolheu-as de braços abertos e vontade legítima e genuína de ajudar. Temos profissionais muito competentes, de grande humanidade e sentido prático, confrontados com um último ano de crescimento exponencial de refugiados em Portugal, sobretudo provindos do Afeganistão, após invasão do país pelo regime talibã e mais recentemente fruto da malfadada guerra na Ucrânia.

E Portugal, estamos a cumprir o que ensina a Convenção de Genebra? Genericamente, sim, ainda que aos solavancos e trambolhões, mas estamos.

Foram milhares de benfeitores ad hoc que ofereceram casa, alimentação, roupa, ajuda jurídica, psicológica, médica e medicamentosa. Somos um país de gente boa, confirma-se e é reconhecida a nossa tendência humanitária ancestral.

Mas – porque há sempre um mas – temos crianças refugiadas separadas dos seus pais ou da sua família, altamente necessitadas de ajuda e com escassos mas esforçados serviços, junto do SEF, do Alto comissariado, da Segurança Social, dos Tribunais – pouca gente para dar rumo e conforto à vulnerabilidade indescritível que um menor sente fora do seu país e longe dos seus pais, em situações de guerra e sem fim à vista.

O esforço, esse, é de aplaudir. Os resultados, esses, são genericamente bons. Mas importa continuar a concretizar e aplicar o melhor interesse das crianças refugiadas, para que o melhor interesse da criança não passe de uma frase feita, um cliché, uma quimera.

O princípio do melhor interesse da criança obriga, de acordo com o que evoca a Convenção de Genebra, todos os Estados destinatários de crianças e jovens refugiados a criarem legislação e procedimentos céleres e eficientes que permitam, entre outros:

  1. a não discriminação quanto à raça, religião ou país de origem, que ainda ocorre, sejamos justos,
  2. um tratamento pelo menos tão favorável como o concedido aos nacionais no que diz respeito à liberdade de praticar a sua religião e no que se refere à liberdade de instrução religiosa dos seus filhos, que ainda é meia-verdade,
  3. o mesmo tratamento que aos nacionais em matéria de ensino primário e outras categorias de ensino, que não o primário, e, em particular, no que se refere ao acesso aos estudos, ao reconhecimento de certificados de estudos, diplomas e títulos universitários passados no estrangeiro, ao pagamento de direitos e taxas e à atribuição de bolsas de estudo, que ainda está em evolução,
  4. o mesmo tratamento que aos seus nacionais em matéria de assistência e auxílio público, com tanto para fazer.

Tenho tido a sorte, fortuna, fado ou karma, talvez todos, de trabalhar e colaborar com alguns desses profissionais e, aqui entre nós, não lhes invejo o lugar, nem as preocupações diárias com que se deparam em encontrar alojamento e projeto de vida para as crianças, articular todos os organismos públicos envolvidos – e são um sem número -, respeitar as diferenças culturais e sociais das crianças e dos pais que permaneceram nos países de origem.

É fácil, excessivamente fácil, criticar. Não tão fácil concretizar, perante um país que, como Portugal, enfrenta já dificuldades internas ao nível dos jovens e crianças nascidas em território nacional.

Mas o sol, quando nasce, é para todos, e ainda bem que assim é. E ao Estado que recebe um refugiado cabe respeitar e assegurar o bem-estar de todos, sobretudo daqueles que, pela tenra idade, insegurança, falta de uma estrutura familiar e de um país de conexão, estão ansiosos de ajuda.

  • Magda Fernandes
  • Sócia da Morais Leitão

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