O mercado de dívida de Portugal está a secar. A culpa é do BCE

Preso por ter cão e preso por não ter. O BCE tem ajudado a baixar os juros nacionais, mas as suas compras estão a secar o mercado secundário. E o risco de iliquidez já está a ser cobrado a Portugal.

Programa de Mario Draghi está a deixar Portugal sob pressão.Raquel Sá Martins

É o outro lado da moeda. Desde que o Banco Central Europeu (BCE) começou a comprar dívida portuguesa, em dezembro de 2015, os juros associados às obrigações nacionais beneficiaram com a presença ativa do chamado “último recurso”. Porém, à medida que o banco central foi engordando a sua carteira com títulos nacionais, também foi “secando” o mercado secundário de dívida.

Os dados da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) não deixam margem para dúvidas. Se a negociação de dívida portuguesa recuperou depois do período do resgate, altura em que o país manteve contacto com o mercado, mas de forma pouco recorrente, no último ano começou a encolher. Desceu, desceu… até tocar o valor mais baixo desde a troika.

Em dezembro, sendo um mês habitualmente menos ativo devido ao período de férias do Natal e Ano Novo, os investidores negociaram, em média, 832 milhões de euros em dívida pública portuguesa no mercado secundário, ou seja, títulos de dívida colocados junto de investidores que os negociaram entre si. Foi um mínimo desde o maio de 2014, o último mês do programa de resgate da troika.

Estes valores, negociados tanto no mercado regulamentado como fora de mercado, é reflexo da perda de valor dessas obrigações, mas traduz essencialmente a existência de menos títulos disponíveis para transação no mercado. Porquê? Porque o Banco Central Europeu (BCE), com o seu programa de compras de títulos de dívida de países do euro, está a secar o mercado. O BCE tinha, no final de fevereiro, 26 mil milhões de euros em obrigações portuguesas.

“A principal razão para a liquidez do mercado secundário ter descido bastante é a política de compra de ativos do BCE. O BCE pode ficar com até 33% de cada emissão [realizada no mercado primário]. Logo aí, um terço de cada emissão pode ir para as mãos do BCE, que vai secando o mercado secundário“, explica Filipe Silva, gestor de ativos do Banco Carregosa. “Enquanto no primário há liquidez, no secundário temos assistido a uma redução significativa, porque os detentores de dívida a entregam como colateral ao BCE”, reforça o gestor.

"A principal razão para a liquidez do mercado secundário ter descido bastante é a política de compra de ativos do BCE. O BCE pode ficar com até 33% de cada emissão. Logo aí, um terço de cada emissão pode ir para as mãos do BCE, que vai secando o mercado secundário.”

Filipe Silva

Gestor de ativos do Banco Carregosa

David Schnautz, estratego do Commerzbank, concorda. E acrescenta: “Mas também o IGCP não tem estado a emitir dívida de forma consecutiva, já que muitas vezes a atividade no mercado primário também faz o reposicionamento secundário”. Desde o início do ano, a agência que gere a dívida pública já angariou um total de 5.292 milhões de euros com a venda de obrigações do Tesouro. Este valor corresponde, ainda assim, a mais de um terço total do financiamento de longo prazo previsto para 2017.

Negociação de dívida portuguesa em mercado secundário em mínimos desde a troika

Fonte: IGCP (valores em milhões de euros)

 

“Não é um bom desenvolvimento tendo em conta que menor atividade no mercado secundário é um sinal de menor liquidez, o que por sua vez pode levar os investidores a ‘cobrarem’ um prémio de iliquidez superior contra instrumentos como as bunds [títulos de dívida da Alemanha]”, diz David Schnautz. O diferencial entre a dívida portuguesa e a alemã, ou seja, o prémio de risco, está em 375 pontos base.

Se o BCE ajudou a conter os juros da dívida nacional desde o primeiro momento em que o programa de compra de ativos no setor público foi para o terreno, com o objetivo de animar a economia da Zona Euro, a sua intervenção está agora a provar-se uma faca de dois gumes sobretudo para os países da periferia, como Portugal.

"Em geral, não é um bom desenvolvimento tendo em conta que menor atividade secundária é um sinal de menor liquidez, o que por sua vez pode levar os investidores a “cobrar” um prémio de iliquidez superior contra instrumentos como as bunds.”

David Schnautz

Estratego do Commerzbank

É que além da subida das taxas — a taxa da dívida a dez anos negocia nos 4,3%, o nível mais elevado desde o tempo da ajuda internacional — provocada pela menor liquidez, Portugal tem vindo a ressentir-se da menor pressão compradora por parte da autoridade monetária liderada por Mario Draghi.

A autoridade tem vindo a reduzir o seu montante de compras mensais no mercado português porque também ela tem se deparado com a mesma situação que outros agentes do mercado: falta de títulos no mercado. “Desde abril de 2016 que as compras de dívida portuguesa por parte do BCE têm sido inferiores à chave de capital [a proporção de compras a fazer de dívida de cada país]”, tem salientado o IGCP. E isso tem castigado as taxas no mercado.

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