“Serviços públicos são, na maior parte dos casos, bloqueadores do investimento estrangeiro”, diz Mariana Veríssimo

Mariana Veríssimo, country leader do TMF Group, em Portugal, realça a importância do capital humano num mega grupo como o que incorpora.

Mariana Veríssimo aceitou há dois anos o desafio de ser a country leader do TMF Group, em Portugal. Em entrevista à Advocatus, realça a importância do capital humano num mega grupo como o que incorpora.

Sem pessoas estimuladas e reconhecidas e sem identidade de equipa não se cumprem objetivos nem se agradam clientes”, defende. Com uma carreira mais curta em Portugal do que no estrangeiro, esteve a exercer quatro anos de advocacia em Portugal e esteve onze em duas multinacionais no Luxemburgo.

Desde 2020 que abraçou o desafio de ser Country leader na TMF Group em Portugal. Que características são essenciais para um country leader de uma multinacional?

Há três características que me parecem essenciais para uma posição destas: ter uma visão do negócio, da estratégia global do grupo e das metas do mesmo; ter uma visão do país em que se insere, mais local, para se poder posicionar de modo a atingir as referidas metas; ter qualidades humanas que lhe permitam gerir de forma equilibrada a boa performance da empresa e as necessidades das pessoas que nela trabalham.

Como se faz o equilíbrio entre a inteligência emocional e a inteligência funcional?

Não tenho uma receita mágica…. Nem sei se tenho esse equilíbrio. Acho que o fundamental é comunicação e transparência. A parte “funcional” é mais objetiva, é o “onde quero chegar” ou “onde temos de chegar como empresa”. Todos sabemos, todos temos as temos métricas e conhecemos os, KPIs. A parte “emocional” é mais subjetiva. É o “como consigo lá chegar”. E nessa segunda parte da equação entram fatores de personalidade importantes, porque cada um tem o seu estilo. A comunicação regular com a equipa, a transparência na construção da estratégia para alcançar os objetivos, o ser e estar próximo dos problemas e angústias das pessoas ajuda muito (na minha experiência). Acho que não se vence sozinho nem se perde sozinho. Esta consciência é importante.

Mariana Veríssimo, Country Leader da TMF Portugal, em entrevista ao ECO/Advocatus - 17OUT22
Mariana Veríssimo, Country Leader da TMF Portugal, em entrevista ao ECO/AdvocatusHugo Amaral/ECO

Qual a importância do capital humano numa mega organização como a TMF?

Toda. É primordial. Uma empresa não faz nada sem as pessoas certas e isto é muito claro em toda a TMF Group. Temos dois valores centrais, enquanto multinacional, à volta do capital humano, precisamente: “We invest in talent” e “We work as a Team”. A valorização das pessoas é feita em cada momento das suas carreiras. Sem pessoas estimuladas e reconhecidas e sem identidade de equipa não se cumprem objectivos nem se agradam clientes. Ainda temos muitos desafios e trabalho neste campo. Mas é o nosso foco primordial.

A sua carreira divide-se entre Portugal e estrangeiro. Consegue fazer um balanço e dizer-nos se é melhor lá fora ou cá dentro?

A minha carreira foi mais curta em Portugal do que no estrangeiro. Tive 4 anos de advocacia em Portugal, contra 11 em duas multinacionais no Luxemburgo. E agora, de retorno a Portugal (já quase há 3 anos na TMF Group). Eu tenho a sorte de poder dizer que gostei muito de todas as experiências. Mas mentiria se não dissesse que trabalhar lá fora é muito melhor. Ainda há muito a fazer em Portugal para igualar condições. E não falo apenas do aspeto salarial. Falo da qualidade do trabalho, da produtividade, da programação e organização que há, do reconhecer e premiar boas ideias e iniciativas, do encorajar a maternidade e paternidade, do respeito pelas tarefas e horários de cada um. Há muito a fazer em Portugal, ainda…. Mas acredito que para lá caminhamos.

Há diversas barreiras ao investimento estrangeiro no nosso país. Os atrasos nos tribunais é apenas uma delas.

Mariana Veríssimo

Country leader na TMF Group em Portugal

A advocacia em Portugal – pura e dura – conheceu-a na Uría e ainda num escritório de menor dimensão. Voltaria a exercer advocacia?

Gostei muito de ser advogada. Foram uns óptimos anos em que ganhei uma experiência muito rica, a todos os níveis, que alavancou todo o resto da minha carreira. Foi a minha base. E a ela recorro, ainda que de forma inconsciente, diariamente. Agora, vejo-me mais num contexto empresarial, é uma dinâmica que me atrai muito e com que me identifico, mais variado talvez.

Não sei o que a vida me reserva e não gosto de dizer nunca, mas por agora não tenho planos de regressar à advocacia.

Esteve emigrada no Luxemburgo de 2008 a 2019 – onde fez carreira no departamento jurídico de duas multinacionais. De que forma isso lhe trouxe vantagens competitivas?

Tive acesso a muitas coisas, muito depressa. Comecei como junior corporate lawyer numa altura em que o Luxemburgo já concentrava clientes de renome internacional por ser uma praça financeira de relevo. Tive contacto estreito com clientes e dossiers de alguma importância. Por ser um país rico havia bastante dinheiro para formações, para viagens de cortesia, para business development, tudo coisas a que, na altura, as empresas ainda não prestavam muita atenção em Portugal e, mesmo que o tivessem, não seriam aplicáveis numa “junior”. Fui exposta a uma maneira de trabalhar que eu considero melhor, mais eficaz, mais produtiva, mais focada. Como hoje em dia só tenho clientes internacionais, que trabalham dessa forma, acabo por capitalizar a experiência que adquiri no Luxemburgo e por tentar incutir um pouco dessa mentalidade à minha equipa local.

A cultura do feedback já existia nas empresas em que trabalhei, nessa altura. A organização de eventos de equipa, dos chamados team buildings, também já era normal, tendo moldado a minha maneira de estar numa empresa (nos diferentes níveis que fui ocupando). Como Country Leader – agora – cumpre-me difundir e dinamizar esta cultura, que é muito bem vinda na TMF Group. Numa altura em que estes temas e iniciativas são cada vez mais defendidos e usados pelas empresas, acabo por fazê-lo com naturalidade e sem esforço.

As línguas também são uma vantagem inegável. Acabei por praticar o Inglês, o Francês e o Espanhol numa base diária durante 11 anos, o que me permite um relativo à vontade em grande parte dos ambientes em que se movem os nossos clientes.

Mariana Veríssimo, Country Leader da TMF Portugal, em entrevista ao ECO/Advocatus - 17OUT22
Mariana Veríssimo, Country Leader da TMF Portugal, em entrevista ao ECO/AdvocatusHugo Amaral/ECO

O Luxemburgo está mais à frente na questão da igualdade de género?

Sim, está. O Luxemburgo está em 9º lugar no Index de Igualdade de Género Europeu referente a 2021, estando acima da média Europeia. Portugal está em 15º lugar, estando abaixo da generalidade dos países da EU.

O Luxemburgo é o único Estado-Membero que tem, desde 2015, uma ministra exclusivamente dedicada a questões de igualdade de género. Acho que está tudo dito….não?

O empreendedorismo feminino já está instalado de pedra e cal em Portugal?

De pedra e cal ainda não, mas vejo grandes diferenças nos últimos anos e excelentes iniciativas nesse sentido.

É um país que está cada vez mais bem posicionado para mulheres empreendedoras e tem visto os números do empreendedorismo feminino subir bastante.

Se tivermos em conta os dados de 2020 Portugal está acima da média da União Europeia na percentagem de mulheres que ocupam cargos no governo e no respetivo parlamento. Ainda não estamos ao nível de Espanha, mas é um sinal muito positivo.

Portugal é um país que está cada vez mais bem posicionado para mulheres empreendedoras e tem visto os números do empreendedorismo feminino subir bastante.

Mariana Veríssimo

Country leader na TMF Group em Portugal

As empresas em Portugal estão preparadas para os quatro dias semanais de trabalho?

Quanto a mim, para já, não. Ou, dito de outra forma, não para a generalidade das empresas.

Somos um país pobre, com salários baixíssimos quando comparados com o resto da Europa, pouco produtivo e ineficiente. O elevado número de contratos de prestação de serviço ou contratos de trabalho a termo ou trabalho temporário, reduz a crença das pessoas nas empresas em que trabalham, não se revendo na sua função, no seu vínculo (precário) à mesma, não se sentindo motivadas a crescer ou a produzir mais. Neste âmbito e no cenário em que o tecido empresarial Português se movimenta, não acredito nesta redução do número de dias de trabalho por semana, para já.

Há que considerar as limitações a este modelo em Portugal: é que para os salários se poderem manter iguais, é necessário que os níveis de produtividade dos trabalhadores aumentem significativamente. Assim, há que mudar comportamentos, papéis e mentalidades, o que não acontece de um dia para o outro. Há, certamente, empresas que estão num estado mais avançado e que poderão, sem dúvida, começar a premiar os trabalhadores que criam mais valor (e não aqueles que se limitam a cumprir com o seu horário de trabalho, sem trazerem qualquer tipo de benefício para o negócio). Mas, para que a semana com quatro dias de trabalho se torne possível na generalidade dos casos, em todo o país, e os trabalhadores possam manter uma maior qualidade de vida, é necessário mudar comportamentos e assegurar níveis de produtividade nas empresas que o permitam.

Para países muito produtivos – como o Luxemburgo, por exemplo – onde o nível de maturidade e de robustez das relações de trabalho o permite, acho que é um caminho muito desejável, quanto a mim.

Já várias empresas mundiais têm vindo a testar este formato e a conclusão a que chegaram é que a satisfação e entrega dos colaboradores aumenta.

Portugal lá chegará, a seu tempo.

Mariana Veríssimo, Country Leader da TMF Portugal, em entrevista ao ECO/Advocatus - 17OUT22
Mariana Veríssimo, Country Leader da TMF Portugal, em entrevista ao ECO/AdvocatusHugo Amaral/ECO

Há muitas empresas em Portugal que ainda têm algum receio em assumir o regime misto de trabalho (presencial vs teletrabalho). A pandemia não nos ensinou que essa realidade é possível?

Sim, ensinou. Dependendo, obviamente do setor de atividade. Uma farmácia, um dentista, um fisioterapeuta, um consultório médico têm de estar de porta aberta ao público com os seus funcionários a trabalhar em regime presencial, claro.

Em todos os setores onde não seja estritamente necessária a presença do funcionário, o regime misto é uma realidade não só muito possível, como, quanto a mim, muito desejável, tanto por razões de ordem financeira, como por razões de ordem ecológica e até psicológica. A TMF Group abraçou um modelo híbrido em todo o mundo que consiste em 3 dias no escritório e 2 dias em casa.

O regime híbrido dá aos trabalhadores um maior equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, o que acaba por gerar mais produtividade. É um regime que traz, também, menos custos para a empresa (água, luz, wifi…), permite uma maior otimização do tempo e uma maior satisfação dos colaboradores.

Este regime traz, no entanto, algumas preocupações acrescidas como a da saúde mental e a do convívio entre as equipas, a da segurança nos dados internos, a de assegurar uma boa comunicação interna que compense as comunicações mais impessoais e a de garantir o material adequado para os trabalhadores realizarem as suas funções.

Portugal ainda está muito aquém na perceção de que o equilíbrio entre vida pessoal e profissional é que pode ser a fórmula mágica?

O estudo “Workmonitor” da Randstad, divulgado em abril deste ano, revelou que o equilíbrio entre vida pessoal e profissional é importante para 97% dos Portugueses, com 62% a afirmar que o lado pessoal chega mesmo a ter um peso maior em relação ao profissional.

A tendência é para que, cada vez mais, os temas da flexibilidade de horário, work – life blend, regime híbrido, estilo de liderança, preocupações ambientais, tempo para atividades fora do trabalho, equilíbrio de género sejam preocupações a que os Portugueses (e não só) são sensíveis. São os tão falados temas ESG (Environmental Social Governance), na sua vertente do S (Social).

Portugal não reagiu – ainda – a todas estas preocupações. Mas é uma questão de tempo.

As empresas que não se adaptem gradualmente, vão perder vantagem competitiva e vão ter mais dificuldade em atrair gente (e manter as pessoas que já têm e em quem já investiram).

A TMF Group em Portugal não é exceção. Ainda não estamos num ponto ótimo, mas não cruzamos os braços.

Mariana Veríssimo, Country Leader da TMF Portugal, em entrevista ao ECO/Advocatus - 17OUT22
Mariana Veríssimo, Country Leader da TMF Portugal, em entrevista ao ECO/AdvocatusHugo Amaral/ECO

Os atrasos nos tribunais continuam a ser uma barreira para o investimento estrangeiro?

Há diversas barreiras ao investimento estrangeiro no nosso país. Os atrasos nos tribunais é apenas uma delas.

Quando falo com clientes estrangeiros que querem investir em Portugal, penso inúmeras vezes nos obstáculos que irá ter de enfrentar e questiono-me se a sua vontade o vai fazer chegar ao fim do projeto.

Os tribunais não funcionam como deveriam, a justiça continua morosa e, por isso, “injusta”. Os serviços públicos a que mais recorremos para servir os nossos clientes (SEF, AT, Segurança Social, Conservatórias do Registo Comercial) não antecipam problemas, tendo uma visão puramente “reativa” e nada pragmática ou orientada para o negócio, pelo que não ajudam ao investimento estrangeiro. São, na maior parte dos casos, bloqueadores, em vez de facilitadores. Isto num país como o nosso, que precisa de investimento como de pão para a boca….

Mas o próprio setor privado, a banca, na qual nos apoiamos para abrir contas para os nossos clientes, está cada vez mais lenta, burocrática, inflexível e incapaz de solucionar problemas com a proatividade que seria desejável (dentro de um setor altamente regulado, é certo). Para quem é estrangeiro, é muito difícil entender as regras Portuguesas (ou a falta delas)…

Portugal devia apostar seriamente na modernização das instituições públicas, na criação de incentivos e na eliminação de fatores bloqueadores (ou dissuasores) do investimento estrangeiro.

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