Consolidação inevitável? Banca portuguesa foi a segunda que mais concentrou na Europa em duas décadas
Cinco principais bancos detêm quase 75% do mercado, acima da média europeia. Portugal foi o segundo país que mais consolidou nas últimas duas décadas. Mário Centeno vê consolidação como inevitável.
Mário Centeno voltou a colocar na agenda dos bancos portugueses o velho tema da consolidação. “É absolutamente crucial e é inevitável”, afirmou o governador do Banco de Portugal em entrevista à agência Reuters. Os banqueiros contrariam a tese, consideram que o mercado já está muito concentrado e apostam no status quo. O que dizem os números? Os cinco principais bancos detêm quase 75% do mercado, acima da média europeia. Mais: Portugal foi mesmo o segundo país onde aumentou mais a concentração nas últimas duas décadas.
O que disse Centeno?
Em entrevista à Reuters, publicada na semana passada, Centeno elogiou os progressos recentes que os bancos fizeram nos últimos anos em termos de reforço de capitais e de redução do risco, nomeadamente ao baixarem o nível de crédito malparado de 17% para menos de 5%.
“Depois deste reforço, a consolidação do sistema bancário [em Portugal] e o fortalecimento das suas instituições é absolutamente crucial e é inevitável que o sistema, o mercado, tenha consciência disso”, acrescentou o governador.
O ex-ministro das Finanças disse que estava “satisfeito com a evolução” dos bancos, mas também sublinhou que “não há espaço para descansar” e que todos devem “desafiar-se a si próprios”. Centeno enquadrou a sua visão para o setor nos desafios que vai enfrentar: “É importante que este amadurecimento aconteça em paralelo a um reforço contínuo das instituições na sua dimensão, na sua capitalização, e sobretudo na sua capacidade de responder aos desafios da digitalização, ação climática, porque vai tudo ter impacto nos balanços dos bancos”, referiu, trazendo para a agenda nacional um tema que o Banco Central Europeu (BCE) tem procurado incentivar.
O que dizem os números?
Os banqueiros têm apontado o elevado grau de concentração mercado português para afastar o fantasma da consolidação. Ainda recentemente Mark Bourke, presidente do Novobanco, o mais badalado quando se fala em M&A (fusões e aquisições) na banca portuguesa, esgrimiu este argumento. “Somos cinco grandes players no mercado. É um mercado saudavelmente competitivo. Todos focam-se no serviço ao cliente e têm tamanho suficiente para os servir, para competir e aguentarem no mercado”, disse o responsável irlandês numa conferência que juntou os cinco maiores bancos nacionais.
“O nosso plano é baseado no status quo, que é ser o Novobanco a funcionar e a competir no mercado. Vamos competir com os outros aqui. Não penso que existirão alterações na estrutura de mercado”, acrescentou Bourke, que trabalha (já não é segredo) para levar o Novobanco para a bolsa – fora desta lógica de consolidação que Centeno antecipa.
O Novobanco era visto como o principal candidato a mexer no mercado, mas será então carta fora do baralho. O Banco Montepio está a fazer o seu percurso de recuperação e a dona Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) também não tem interesse em vender – tendo em conta imparidades de mil milhões no seu ativo. Neste momento, os principais movimentos de consolidação envolvem os bancos pequenos – com o EuroBic, devido à saída de Isabel dos Santos, a liderar o processo, estando já praticamente fechada a sua venda aos galegos do Abanca. Mas daqui não advirá grandes mudanças estruturais.
Os números tendem a dar razão aos banqueiros, mas a realidade é mais complexa e é importante perceber que o mercado deixou de ter fronteiras e a concorrência fala estrangeiro.
Vamos aos números. Caixa Geral de Depósitos (CGD), BCP, Santander Totta, BPI e Novobanco concentram entre si quase 74% do mercado em termos de ativos totais (que inclui depósitos, empréstimos e capital próprio), de acordo com as estatísticas recolhidas pelo BCE referentes ao final do ano passado. A média na União Europeia (UE) é 67,7%.
Concentração de ativos nos cinco principais bancos
Fonte: BCE
Em termos históricos, Portugal foi o segundo país da União Europeia onde o grau de concentração mais aumentou desde 1999, ano em que os big 5 controlavam menos de metade do mercado – apenas a Grécia registou um maior movimento de concentração que Portugal neste período, atingindo atualmente um nível de quase 100%. Também houve quem tivesse feito o caminho contrário: Malta e Finlândia foram os mercados onde mais se “desconsolidou” neste período.
O processo de concentração no mercado português deu-se praticamente na primeira década do milénio, através de um processo de várias fusões e aquisições que tiveram lugar naquele período. Esta dinâmica abrandou após a crise de 2008 e ganhou nova expressão em 2015, ano da queda do Banif, absorvido pelo Santander. Nos últimos sete anos o mercado estabilizou.
Banca portuguesa nunca esteve tão concentrada
Fonte: BCE
Os dados situam Portugal no meio da tabela europeia, em que Grécia (98%) e Luxemburgo (29,7%) destoam claramente. Uma leitura simples das estatísticas: se Frankfurt deseja consolidação na Europa, talvez seja melhor começar a olhar para outros países como Luxemburgo (29,7%), Alemanha (31,8%), Áustria (38,7%), França (49,3%) ou Itália (51,6%), onde a margem para consolidar é bem maior. Só que o BCE está a olhar para outro tipo de consolidação: transfronteiriça, processo que consiste na aquisição de um banco por um banco estrangeiro.
O BCE lançou um guia sobre o tema em 2020, onde diz que os movimentos de consolidação “podem ser um meio de resolver os problemas de longa data no setor bancário europeu, como a baixa rentabilidade e o excesso de capacidade”. Com a subida dos juros do banco central, os bancos estão aos poucos a recuperar os níveis de rentabilidade, mas nem todos estão no mesmo patamar em função dos diferentes desafios que enfrentam, como deu conta o ECO.
Por sua vez, o braço de supervisão do BCE considera que “a consolidação transfronteiriça também pode apoiar uma maior diversificação do risco e contribuir para a integração do mercado financeiro, um importante objetivo da união bancária”. Ressalva, porém, que não é papel do BCE promover ativamente (ou evitar) qualquer forma de consolidação bancária e que a sua postura deve ser neutra.
Evolução da concentração entre 1999-2021
Fonte: BCE
O que dizem os banqueiros?
O tema da consolidação é tão antigo como sensível. Uma consolidação tem impacto na vida das pessoas e das empresas. Quando o Santander Totta ficou com o Banif (2015) e Popular (2017), nos anos seguintes despediu mais do que os quadros que passou a ter com aqueles dois bancos problemáticos. Ou seja, estas operações têm impactos sociais relevantes que implicam não só a perda de empregos (num setor que perdeu quase 17 mil empregos este milénio) como acelera o fecho de agências (cuja força motriz tem sido a digitalização da banca).
Em relação às operações transfronteiriças levantam o fantasma da transferência do poder de decisão para mãos estrangeiras. Este é sobretudo um receio do Governo em relação a um setor que é crucial nos momentos de crise e quando é preciso manter o fluxo de financiamento às famílias e empresas para não agravar ainda mais a economia.
Isto ajuda a perceber um pouco o que é o entendimento de Paulo Macedo, líder da Caixa Geral de Depósitos (CGD), sobre qual a importância de mantê-la na esfera pública e com impacto no mercado. “Não se justifica um banco público sem poder de ação no mercado. Um banco público justifica-se ter porque pode ser um player no mercado e um interveniente no mercado. Nesse sentido, a Caixa não é indiferente à consolidação”, dizia Macedo no final de 2020.
Um dos medos é a “espanholização” da banca. Do outro lado da fronteira, já não se olha para os mercados espanhol e português em separado, mas antes um mercado ibérico. Que o digam o CaixaBank (dono do BPI) e o Santander, que integram o top-5 das maiores instituições por cá. Mas os responsáveis dos dois bancos em Portugal afastam esses receios.
Não se justifica um banco público sem poder de ação no mercado. Um banco público justifica-se ter porque pode ser um player no mercado e um interveniente no mercado. Nesse sentido, a Caixa não é indiferente à consolidação.
“No Santander, a maior parte dos acionistas já são internacionais”, lembrou Pedro Castro e Almeida recentemente. “Vejo Portugal e a Europa como se eu estivesse em Faro e há um banco em Lisboa ou Bragança que quer ter presença em Faro”, acrescentou o CEO do Totta, desvalorizando a origem geográfica dos bancos.
Castro e Almeida “estaria muito mais interessado em comprar se houvesse um banco que tivesse muito talento, com pessoas que percebessem de tecnologia e uma preocupação em relação ao serviço aos clientes de forma diferente do que propriamente comprar um banco de tijolos”.
Garantindo que a administração é independente e autónoma de Madrid, João Pedro Oliveira e Costa já sublinhou que a prioridade do BPI é crescer por via da captação de mais clientes e negócios, afastando interesse na compra de outros bancos (depois do CaixaBank ter acabado de absorver o Bankia).
No BCP, cuja indefinição acionista e os problemas com o banco na Polónia deixam-no no radar do mercado, Miguel Maya deixa o tema da concentração para segundo plano. O CEO está mais preocupado em capacitar o banco para atrair clientes, talento e “em ter condições para remunerar aqueles que investem no BCP”. São as palavras de quem vê concorrência além-fronteiras: “Não são só os que estão aqui. É qualquer operador que esteja na união bancária”, lembrou o responsável.
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